Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a relação entre a criminalidade e a baixa distribuição de renda.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Considerações sobre a relação entre a criminalidade e a baixa distribuição de renda.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2002 - Página 6137
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PESQUISA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIVULGAÇÃO, DADOS, DESEMPREGO, VIOLENCIA, ESPECIFICAÇÃO, JUVENTUDE, VINCULAÇÃO, CRIME, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • IMPORTANCIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, POLITICA DE EMPREGO, OBJETIVO, REDUÇÃO, VIOLENCIA, ESPECIFICAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, VINCULAÇÃO, ESCOLARIZAÇÃO.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, REDUÇÃO, JUROS, INCENTIVO, EMPRESA, PRODUÇÃO, CRIAÇÃO, EMPREGO, REFORÇO, AGRICULTURA.
  • CRITICA, GOVERNO, AUMENTO, TARIFAS, SERVIÇOS PUBLICOS, PREÇO, COMBUSTIVEL, INFERIORIDADE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EXPECTATIVA, ELEIÇÕES, VITORIA, OPOSIÇÃO.

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O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é novidade para ninguém que o desempenho econômico do País, as taxas de desemprego e a redistribuição de renda influenciam diretamente nas taxas de criminalidade. Do mesmo modo, não é novidade que, de tanto se repetir essa lógica, ela acaba caindo no descrédito, não porque esteja errada, mas porque essas denúncias acabam não redundando em decisões que contribuam decisivamente para a redução da criminalidade. Como conseqüência, as escolhas mais fáceis para o combate à violência recaem, ao final, sobre os mesmos tópicos: aumento do contingente de policiais, acréscimos às penas, etc.

Sempre nos tem faltado, por exemplo, a indicação do quanto a economia repercute na criminalidade, mas a medida que se aperfeiçoam os estudos, essa carência vem sendo preenchida. É o que nos traz a revista Época da semana passada. Na reportagem “Números que nos fazem pensar” são divulgadas informações sobre o desemprego, a violência e mostra a conexão entre a criminalidade e a violência com a má distribuição de renda no nosso País.

Em São Paulo, a queda de rendimento de 21%, ocorrida entre 1995 e 2001, redundou em aumento significativo da criminalidade, que já triplicou nos últimos 20 anos. Em 1980, ocorriam 14 assassinatos por 100 mil habitantes, mas, em 2000, a proporção passou a ser de 42 homicídios por 100 mil habitantes. No bairro Anhangüera, na zona oeste de São Paulo, em 10 anos, a pobreza aumentou 300% e, nesse período, os homicídios aumentaram em 1.800%.

Os economistas Marcos Lisboa, da Fundação Getúlio Vargas, e Mônica Andrade, da Universidade Federal de Minas Gerais, após estudarem por anos a correlação renda/criminalidade, estabeleceram o perfil das vítimas potenciais de crimes. Uma das constatações é de que jovens entre 15 e 19 anos são os mais suscetíveis aos homicídios. Os pesquisadores concluem também que um aumento de salário real e uma queda da desigualdade são fatores que contribuem para a diminuição da taxa de homicídios nessa mesma faixa da população.

Numa simulação que toma o Estado do Rio de Janeiro como base, os estudiosos concluem que um aumento de 1% na taxa de desigualdade de renda contribui com 0,2% para o índice de homicídios de homens na idade de 25 anos.

Segundo o sociólogo Ignacio Cano, o crime está mais ligado à juventude por ser a fase em que as pessoas estão mais dispostas a correr riscos e, ao mesmo tempo, melhorar de vida. Nos Estados Unidos, país em que foram realizados estudos mais sistemáticos sobre essa correlação, constatou-se a redução da criminalidade na juventude. Esse fenômeno se deu porque foi interrompido esse processo maligno de violência por uma razão muito simples: o crescimento econômico alterou completamente o clima social nas periferias das cidades. As comunidades já podiam, então, assegurar emprego aos jovens que se comportassem bem.

Essa análise faz sentido quando se leva em conta - como o fazem os economistas - que a decisão de cometer um crime estaria, em grande parte, obedecendo a uma racionalidade da seguinte natureza: os ganhos potenciais para atividades ilegais compensam os riscos de aprisionamento ou de morte. Para os especialistas, “o desemprego afeta as estatísticas de violência porque os desempregados obviamente não correm o risco de perder o emprego e têm bastante tempo livre para cometer crimes”.

É claro que não basta esperar que a economia cresça, para que haja uma redução da violência. É imprescindível que a renda acrescida ao bolo seja redistribuída com equanimidade.

Eis o principal ponto: não poderemos falar em redução de violência enquanto não se redistribuir com maior equanimidade a renda do Brasil.

Sei que é necessário investir em segurança pública, que é preciso ampliar e qualificar os quadros de policiais, que a nossa Justiça precisa ser mais célere e que as punições devem ser proporcionais ao delito, de tal modo que o crime deixe de “compensar” para quem o comete.

Mas redistribuição de renda e educação são fundamentais. Se esses dois aspectos puderem andar juntos, tanto melhor. Os programas de bolsa-escola têm demonstrado o quanto se pode melhorar no que diz respeito aos índices de aprovação escolar de crianças das classes populares. E, quando falo de bolsa-escola, não quero dizer “bolsa-esmola”. O quantitativo deve, de fato, significar um aumento de renda para a família do estudante, de tal modo que possa dispensar essa criança da contribuição que ela daria.

Mas, infelizmente, não basta educar nossos jovens. Se não tiverem perspectiva de emprego, de que adiantará terem estudado? A Alemanha e o Japão, com suas redes de proteção social, são os exemplos mais bem acabados desse tipo de proteção. No Japão, a vinculação entre os trabalhadores e as empresas em que trabalham permite uma segurança que passa de geração para geração; na Alemanha, assegura-se aos jovens filhos dos trabalhadores que eles terão sua empregabilidade garantida nos ofícios de seus pais.

E, no Brasil, que rede de proteção social existe? Que garantia é dada aos filhos das famílias que moram nas periferias de que terão oportunidade de trabalhar e ser remunerados decentemente? Qual a racionalidade que orienta os jovens adolescentes de lugares como os morros cariocas, atraídos, impelidos, obrigados a ingressar na senda do crime? Ou jovens do sertão, do chamado “polígono da maconha”, que garantia têm de terra, salário, educação?

Sei que a discussão é árdua, Sr. Presidente, mas não podemos deixar de fazê-la. Não podemos deixar de localizar exatamente a falta de renda. A pobreza contribui para a criminalidade. Não quero dizer que o pobre seja o criminoso. É que as condições sociais no País levam o jovem à criminalidade.

Por isso, saudamos estudos como esse que vieram à luz, pela revista Época, colocando o dedo na ferida, comprovando o quanto estamos certos ao defender a redistribuição de renda como fator de segurança social. Desconhecer essa verdade e insistir na tese de que se resolvem os problemas de violência apenas com polícia é condenar nossos jovens à violência nesta dupla condição: a de vítimas e a de atores de atos violentos.

Sr. Presidente, solicito a V. Exª que determine a inserção nos Anais da Casa deste pronunciamento, na íntegra, e da reportagem da revista Época, editada em 15 de abril deste ano, na qual me baseei para fazer este discurso. Tenho certeza absoluta, Sr. Presidente, de que este documento, publicado pela revista, servirá de base para as tratativas que estão sendo feitas no âmbito do Poder Executivo e do Poder Legislativo, visando à redução da violência e da criminalidade em nosso País.

Ao encerrar as minhas palavras, Sr. Presidente, ressalto ainda que o Governo Federal poderá reduzir substancialmente essa taxa de violência no nosso País na medida em que venha a direcionar as políticas públicas aos mais jovens, com a geração de emprego e renda, e faça com que o setor produtivo seja prestigiado adequadamente. Como? Dando algo à iniciativa privada? Não. Apenas fazendo com que a iniciativa privada tenha juros baixos e sinta-se encorajada a promover investimentos em nosso País e não impondo taxas de juros as mais altas do mundo, que desestimulam totalmente os nossos empresários, numa investida que pode se tornar uma verdadeira aventura ou um verdadeiro suicídio, levando o seu patrimônio à débâcle.

            Precisamos pensar, Sr. Presidente, se queremos emprego e um País feliz, numa política que venha valorizar as nossas exportações. Pelas exportações, alcançaremos o equilíbrio das nossas contas correntes com o exterior, mas só poderemos exportar bem se houver um produto que venha a competir, em igualdade de condições, com aqueles que são oferecidos pelo mercado externo.

Mas como pode haver, Sr. Presidente, um produto competitivo no exterior quando as taxas de juros são as mais elevadas, quando a agricultura não tem estímulo, não tem incentivo, quando se destróem os fundos que desenvolviam o Nordeste, o Norte, as regiões mais pobres, quando se instala no País uma verdadeira rede de proteção aos mais ricos? Prova disso foi a aprovação do seguro-apagão, que retira da sociedade brasileira, dos consumidores brasileiros, a receita que já foi subtraída ao longo de todos esses anos pelo congelamento dos salários, pelas altas tarifas que são impostas. O seguro-apagão representará 2,9% para as residências e 7,9% para os setores comerciais e industriais.

A conta petróleo, Sr. Presidente, vem contribuindo para o aumento das divisas do nosso País, haja vista que já produzimos 86% de nossas necessidades de consumo. Mas, quando o Governo aumenta a gasolina, não faz a conta de que já produzimos 86%; faz a conta incidindo sobre o total das necessidades, quando o aumento deveria levar em consideração apenas os 14% que importamos de petróleo. Essa é uma apropriação indébita do Governo sobre o consumidor brasileiro, uma vez que, se há produção de petróleo que atende a quase totalidade do consumo brasileiro, essa é uma conquista da sociedade, não do Governo, visando ao barateamento dos custos da produção dos derivados do petróleo e, conseqüentemente, oferecendo ao consumidor brasileiro gasolina e óleo diesel mais baratos. Isso significa, antes de tudo, mais emprego e mais geração de renda em nosso País.

É preciso que haja neste País uma política equilibrada, adequada, voltada para a área social, acima de tudo. É preciso levar em conta que não podemos, de forma alguma, ter um orçamento de R$650 bilhões, como disse ontem o Senador Roberto Requião, e destinar apenas R$12 milhões aos investimentos. Isso é uma vergonha! O Governo reserva uma parcela mínima para investimentos e uma outra ponderável para o pagamento de dívidas que foram promovidas em épocas passadas, quando nem sequer era feita uma auditoria para se conhecer a sua procedência, legitimidade e legalidade. E quem paga por isso é o povo brasileiro.

Portanto, Sr. Presidente, ao concluir o meu pronunciamento, devo dizer que esperamos que os índices das pesquisas sejam confirmados nas eleições e que a Oposição vença no Brasil, para que, assim, possamos mudar essa política econômica.

Chega de tudo isso que está acontecendo em nosso País! Precisamos do fortalecimento da agricultura como fator indutor do desenvolvimento nacional, da geração de emprego e renda, da redução das taxas de juros e do combate sem trégua aos atos de corrupção que são cometidos neste País, em que predomina, apesar de algumas exceções, a improbidade em todos os campos da administração pública.

Por isso, Sr. Presidente, tenho certeza absoluta de que o Governo já entregou os pontos, porque o seu candidato, José Serra, ex-Ministro da Saúde, estacionou no percentual de 19%. Esse é um recado do povo brasileiro, que está cansado de tudo o que nos foi imposto durante todos esses anos.

Houve tempo suficiente para mudar, inclusive por meio da aprovação de uma reforma política que impedisse o casuísmo, que foi a verticalização das alianças, e de uma reforma tributária que desonerasse a produção e viesse a implantar justiça tributária no Brasil. Mas o Governo preferiu o penduricalho da CPMF como tábua de salvação para conseguir R$20 bilhões por ano, imposto esse que deveria valer apenas por um ano, o de 1997 -- e foi esse que aprovei. Mas, em seguida, o Governo, aproveitando-se do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, tornou a CPMF quase permanente.

Portanto, Sr. Presidente, ao encerrar o meu pronunciamento, agradecendo a V. Exª a compreensão, espero, mais uma vez, que o povo brasileiro caminhe nesta direção: a de apoiar os candidatos da Oposição para Presidente da República, Deputado Federal e Senador da República.

O povo já percebeu que os fatos ocorrem apenas no âmbito do Executivo e do Legislativo. Quando o Legislativo quer, ocorrem as mudanças. É assim que o povo brasileiro deve caminhar nessas eleições.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2002 - Página 6137