Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação de S.Exa. com o índice de mortalidade materna por causas relacionadas à gravidez. Análise do dossiê "Mortalidade Materna", de autoria da Professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Dra. Cristina Tanaka, sobre a questão da mortalidade materna.

Autor
Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Preocupação de S.Exa. com o índice de mortalidade materna por causas relacionadas à gravidez. Análise do dossiê "Mortalidade Materna", de autoria da Professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Dra. Cristina Tanaka, sobre a questão da mortalidade materna.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2002 - Página 6193
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, DOCUMENTO, AUTORIA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), EXCESSO, MORTE, GESTANTE, PERIODO, GRAVIDEZ, PARTO, CRITICA, INEFICACIA, ASSISTENCIA MEDICA.
  • APOIO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CAMARA DOS DEPUTADOS, INVESTIGAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, AUMENTO, MORTE, GESTANTE, PROPOSTA, SOLUÇÃO, REDUÇÃO.
  • NECESSIDADE, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MELHORIA, METODO, NOTIFICAÇÃO, MORTE, GESTANTE, CRITICA, MEDICO, EXCESSO, CIRURGIA, PARTO, AUMENTO, POSSIBILIDADE, DEFESA, UNIVERSIDADE, MEDICINA, ENFERMAGEM, REVISÃO, CONTEUDO, OBSTETRICIA, MELHORAMENTO, ENSINO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se a morte é um fato normal e inevitável da existência humana, há certos tipos de morte que são, do ponto de vista da saúde pública, eticamente inadmissíveis, pois poderiam ser evitadas por uma assistência médica adequada. As mortes de mães por causas relacionadas à gravidez e ao parto constituem um caso típico de morte via de regra evitável. O índice de mortalidade materna é uma das medidas essenciais para se aferir as condições de vida de uma população, ao lado do índice de mortalidade infantil, refletindo, particularmente, a qualidade da assistência de saúde disponível.

O índice de mortalidade materna varia, portanto, muito significativamente de acordo com o grau de desenvolvimento dos países e regiões. Com a evolução científica e tecnológica da medicina atual, as mortes vinculadas a complicações obstétricas diretas e indiretas reduziram-se drasticamente nos países mais desenvolvidos. Assim, nesses países, o número de mulheres mortas em decorrência de complicações da gestação, do parto e do puerpério situa-se abaixo de 10 por cem mil nascidos vivos. No Canadá, por exemplo, foi registrado, em 1995, um índice de mortalidade materna de 3,6 por 100 mil nascidos vivos.

O quadro é tão desigual que, do montante estimado de 585 mil mortes anuais por causas relacionadas à maternidade, admite-se que 99% ocorrem nos países em desenvolvimento. No Brasil, o coeficiente de mortalidade materna é obtido pelo cruzamento de dados relativos aos registros de mortes maternas do Data SUS e de nascidos vivos do IBGE. Deste modo, chegamos a um índice que desde 1985 tem oscilado em torno de 50 mortes por cem mil nascidos vivos. O último índice anual de que dispomos, relativo a 1997, mostra um crescimento para 55,1 mortes por cem mil nascidos vivos - o qual tanto pode refletir um aumento efetivo do número proporcional de mortes quanto um aperfeiçoamento nos mecanismos de obtenção dos dados.

A morte materna talvez seja a mais subinformada, havendo com freqüência a omissão de que a causa do óbito está relacionada a complicações da gravidez, do parto ou do puerpério - termo que designa o período que vai do parto até a normalização do estado geral da mãe. Isso acontece em quase todos os países do mundo, mas de modo muito mais agudo nos países em desenvolvimento. De acordo com o dossiê “Mortalidade Materna”, recentemente divulgado pela Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, estima-se que, no Brasil, “para cada morte declarada como materna existe uma que não foi declarada como tal”.

Teríamos, portanto, um índice próximo a 110 mulheres mortas por cem mil nascidos vivos, o que situa o Brasil em patamar semelhante ao dos países mais pobres da América Latina. Considerando a magnitude desse índice e o fato incontestável de que a expressiva maioria desses óbitos poderia ser evitada com a melhoria do atendimento médico, não podemos deixar de exaltar a oportunidade da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados para investigar a mortalidade materna no Brasil. A CPI, após 4 anos de espera, foi finalmente instalada no último dia 27 de abril. Entre seus objetivos, oportunos e inadiáveis, encontram-se o de esclarecer as causas da alta incidência da mortalidade materna, bem como o de propor medidas que levem a sua efetiva redução.

Cabe lembrar, aqui, que o compromisso assumido pelo Brasil na Conferência da Infância, promovida pela Unicef em 1990, era o de reduzir pela metade o índice de mortalidade materna até o ano 2000. O mesmo compromisso foi reenfatizado nas Conferências Internacionais sobre População e Desenvolvimento, em 1994, e sobre a Mulher, em 1995. Podemos constatar que, infelizmente, tal meta não será atingida. Não obstante, é técnica e politicamente viável obter melhoras significativas em prazo reduzido, desde que a questão se torne prioritária na agenda de saúde nacional - sem detrimento da atenção a outros gravíssimos problemas de saúde que afetam a população brasileira.

A instalação de uma CPI, apesar da importância que tal mecanismo tem mostrado para impulsionar mudanças em nossa vida política recente, não constitui garantia nenhuma de que os problemas investigados venham a ser melhor equacionados, nem muito menos resolvidos. A força que uma CPI adquire depende, fundamentalmente, do interesse e respaldo que a sociedade como um todo lhe presta. Julgamos, assim, essencial que sejam mais divulgadas e debatidas as questões atinentes a um problema tão sério e que têm recebido tão pouca atenção da opinião pública nacional.

Nesse sentido, o dossiê “Mortalidade Materna”, há pouco citado, cuja autora é a Professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Drª Cristina Tanaka, representa uma contribuição significativa, merecedora de exame atento e de ampla divulgação.

O estudo da Professora Cristina Tanaka esquadrinha, sob diversos ângulos, o problema da mortalidade materna no Brasil. No que se refere a sua distribuição nas diversas regiões brasileiras, não causa surpresa constatar que “as regiões menos desenvolvidas do país apresentam um maior coeficiente de mortalidade feminina por causa materna”. O coeficiente utilizado para essa comparação foi o de “mortalidade feminina proporcional por causa materna”, relacionando o número de tais mortes com a população feminina em idade fértil. Para corrigir a fragilidade dos dados oficiais, foi aplicado um fator de correção para cada município, de acordo com o grau de subinformação dos óbitos maternos ocorridos. Deste modo, verificou-se que o coeficiente de mulheres mortas por causas maternas na região Norte é maior do que duas vezes e meia o seu correspondente na região Sudeste. No ano de 1997, tivemos, em ordem crescente, os seguintes coeficientes de mortes maternas por cem mil mulheres de 10 a 59 anos: Sudeste - 3,21; Sul - 4,64; Nordeste - 5,1; Centro-Oeste - 5,95; Norte - 8,72.

Outro importante levantamento de dados constante do dossiê refere-se às principais causas de morte materna no Brasil. Quatro grupos dessas causas são responsáveis por 89% das mortes maternas em nosso País, quais sejam: as síndromes hipertensivas, as hemorragias, as complicações do aborto e as infecções puerperais. Todas elas representam causas obstétricas diretas, justamente aquelas que mais dependem da qualidade da assistência médica durante o período de gravidez, parto e pós-parto.

Constatamos, assim, com maior precisão, que a alta incidência da mortalidade materna em nosso país está relacionada a causas evitáveis. O percentual de 6% dos óbitos de mulheres brasileiras de 10 a 49 anos relacionados a causas maternas é, portanto, inaceitável. Se nos países desenvolvidos, a morte por causa materna está situada entre as últimas, no Brasil ela ocupa o oitavo lugar como causa da morte de mulheres entre 10 e 59 anos.

O que se pode fazer, Senhoras e Senhores Senadores, para reverter situação tão calamitosa e inaceitável.

Para termos uma visão mais exata da real dimensão do problema, é necessário aprimorar os mecanismos de notificação das mortes por causa materna. O Ministério da Saúde, por meio do Centro Brasileiro de Classificação de Doenças, ligado à Organização Mundial de Saúde, vai realizar, este ano, uma pesquisa nacional para determinar o tamanho da mortalidade materna e as suas causas.

Algumas das causas de risco devem ser minimizadas. É o caso das mortes relacionadas ao aborto, que revelam a precariedade do planejamento familiar no Brasil, bem como de uma educação sexual adequada para os jovens. A via de parto cesariana apresenta uma incidência de mortes maternas bem superior à do parto normal, relacionada particularmente às infecções e hemorragias, além das complicações anestésicas. Em contraposição à tendência pseudocientífica de preferência da via de parto cesariana, predominante há algum tempo atrás, constitui meta do Ministério da Saúde, desde 1998, a diminuição gradativa do percentual de partos por cesariana.

Como esclarece o dossiê da Dra. Cristina Tanaka, “a qualidade da assistência ao pré-natal e ao parto depende tanto da instituição de saúde como do profissional que presta o atendimento”. Analisando-se as circunstâncias em que ocorrem os óbitos, conclui-se que há uma lacuna na formação obstétrica, sobretudo a básica. As escolas médicas e de enfermagem deveriam, portanto, rever urgentemente seus conteúdos de obstetrícia. O dossiê informa que “procedimentos básicos não estão sendo ensinados e os aspectos mais simples da obstetrícia muitas vezes não são diagnosticados”. Visando a amenizar o problema, o Ministério da Saúde está lançando manuais técnicos destinados a profissionais que lidam com a assistência ao parto.

A falta de sangue e de derivados nas instituições de saúde, bem como de quadros de pessoal qualificado, é responsável também por grande número de mortes evitáveis. Indica-se, por fim, a necessidade de “um sistema de referência e contra-referência, que vincule o pré-natal ao parto e regule a disponibilidade dos leitos nas maternidades, o que evitaria - novamente nas palavras do dossiê - que a mulher em trabalho de parto fosse obrigada a peregrinar e mendigar por assistência”.

Verificamos, Senhoras e Senhores Senadores, que se o problema da alta mortalidade materna tem diversas facetas e dimensões, as medidas que levariam a uma considerável diminuição dos seus índices não se mostram tão complexas. A obstetrícia não depende de um aparato tecnológico sofisticado, mas de procedimentos de assistência adequados e integrados, abrangendo o período de gestação, o parto e o puerpério. Para mudarmos o funcionamento do sistema de saúde, como um todo, são necessários investimentos bem direcionados e constantes. O descompasso entre o alocamento de recursos no Orçamento da União para o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher e a sua execução, que foi, em determinados exercícios, praticamente nula, é um exemplo clamoroso de que as questões de saúde ainda não são tratadas com a devida seriedade em nosso País. Se há um avanço do discurso e mesmo de medidas baixadas pelo Poder Executivo, as ações efetivas ainda se mostram tímidas e de alcance reduzido.

Esperamos, no entanto, Senhoras e Senhores Senadores, que o aumento da consciência da sociedade sobre a questão da mortalidade materna, a pressão de grupos organizados, como a Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, e os resultados da CPI instalada na Câmara dos Deputados levem a uma mudança significativa no que se refere ao atendimento à gestante e ao parto no Brasil, salvando assim muitas vidas preciosas.

Muito obrigado.


Modelo1 5/19/241:18



Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2002 - Página 6193