Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise do estudo desenvolvido no livro "Violência nas Escolas" de autoria de Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Análise do estudo desenvolvido no livro "Violência nas Escolas" de autoria de Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2002 - Página 6663
Assunto
Outros > DROGA. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, LIVRO, AUTORIA, MIRIAM ABRAMOVAY, MARIA DAS GRAÇAS RUA, PESQUISADOR, LANÇAMENTO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), REGISTRO, DADOS, PESQUISA, CAPITAL DE ESTADO, AUMENTO, TRAFICO, ENTORPECENTE, BEBIDA ALCOOLICA, VIOLENCIA, PROXIMIDADE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, CARENCIA, SEGURANÇA INTERNA, SEGURANÇA EXTERNA.
  • APOIO, RECOMENDAÇÃO, REDUÇÃO, CONFLITO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, SUGESTÃO, ESTADO, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DEFESA, PARTICIPAÇÃO, COMUNIDADE, APERFEIÇOAMENTO, SOCIALIZAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi lançado pela Unesco, em colaboração com importantes parceiros nacionais e internacionais, o importante livro que tem muito a ver com o Brasil de hoje e com cada um de nós: Violências nas Escolas, que tem como principais autoras e colaboradoras as pesquisadoras Mirian Abramovay e Maria das Graças Rua. Esse livro não se reduz à simples análise do grave problema dos diversos tipos de escolas no Brasil, mas aponta também recomendações e soluções - não raro simples - que, por omissão, não têm sido adotadas.

Como em muitos países, um número significativo de escolas, no Brasil, deixou de ser um lugar seguro, para tornar-se um espaço onde a lei do silêncio tende a superar a autoridade escolar e os direitos humanos. No entanto, a pesquisa, de grande amplitude, como não se conhece outra nas Américas, abordou novas manifestações e colocou em dúvida alguns mitos. A coleta de dados foi realizada em 14 Unidades da Federação. Foram ouvidos quase 34 mil alunos da 5ª série do Ensino Fundamental à última série do Ensino Médio, além de pais e professores, com um total geral de quase 47 mil informantes. Além disso, nada menos que 2.155 pessoas foram informantes por instrumentos qualitativos, entre eles diretores, professores, alunos, pais e policiais.

Foram pesquisadas 14 capitais brasileiras, conforme dissemos: Manaus e Belém, no Norte; Fortaleza, Recife, Maceió e Salvador, no Nordeste; Distrito Federal, Goiânia e Cuiabá, no Centro-Oeste; Vitória, Rio de Janeiro e São Paulo, no Sudeste; Porto Alegre e Florianópolis, no Sul.

Os resultados destacam pelo menos três mitos. Primeiro, a violência não é exclusiva da escola pública, mas existe em grau expressivo, embora em geral menor, também em numerosas escolas particulares. Segundo, a violência não é característica dos maiores centros urbanos do País, em especial do eixo Rio/São Paulo, mas se estende também como uma pandemia pelas diversas capitais, antes consideradas tranqüilas. Terceiro, a escola, em certos casos, tende a não ser um lugar agradável, de empreendimento de esforços produtivos, mas um lugar em que os professores podem entrar em conflito com os alunos por causa, sobretudo, do processo de avaliação - das notas sobre os trabalhos escolares -, criando situações de difícil convivência. Por sua vez, os alunos, em variados casos, podem rejeitar uma parte considerável dos seus colegas e sentir-se por eles incomodados. Enfim, a escola, em certo número de casos apontados pelas pesquisas é lugar em que as pessoas não conseguem conviver bem entre si. Como esse pode ser, então, um lugar de educação, de ensino e de aprendizagem? Enquanto isso, embora com justeza, os educadores se preocupem muito com instalações, recursos, equipamentos, novas tecnologias da informação e comunicação, e outros temas, o clima da escola pode ser desfavorável à aprendizagem. Pode haver exemplos negativos da parte de colegas e mesmo de professores e diretores, para não falar da Polícia, criticada com freqüência pelas suas dificuldades de lidar com adolescentes e jovens quando chamados a resolver questões de violência nas escolas. Em outras palavras, precisamos nos preocupar não só com os elementos necessários à escolarização (disponibilidade de instalações, laboratórios, bibliotecas e infra-estrutura), mas também com ambiente, a convivência e o processo dentro da escola e da sala de aula envolvendo as múltiplas relações aluno versus aluno, professores versus alunos, diretores versus professores e diretores versus alunos.

Os dados da pesquisa mostram que o entorno dos estabelecimentos, em certos casos, é o lugar onde mais ocorrem violências, penetrando e contaminando a escola. Por omissão simples, mas inaceitável do Poder Público, foram encontrados, nas proximidades das escolas, bares e botequins que servem bebidas alcoólicas a menores. A carência de equipamentos de segurança nas vias de trânsito que dão acesso às escolas explica o número de atropelamentos. Quando há gangues e tráfico de drogas, a violência se introduz na escola. Os equipamentos escolares muitas vezes precisam ser melhorados, o que justifica as preocupações dos educadores, aumentado os espaços de convivência.

Poderia ser dito que, em certo número de estabelecimentos, mais alto que o desejável, os alunos não sentem a escola como sua. O medo pode tonar-se lei; brigas e brincadeiras podem emendar com freqüência entre si, pelos mais variados “motivos”: pelo futebol, pelas notas, pelo lanche, pelas namoradas e namorados e pelos acontecimentos mais triviais. Nesses estabelecimentos em particular, a temperatura parece sempre alta, a todo momento conduzindo o ambiente social nas escolas a um clima de tensão e de conflito. Quando a violência atinge níveis intoleráveis, muitas vezes, pais, professores e a própria polícia não são chamados, pois as agressões são revidadas com a ajuda dos amigos, formando-se, também dentro das escolas, os grupos violentos ou gangues. Quando isso ocorre, nessas situações extremas, o jovem ou fica de fora ou adere aos grupos, cumprindo suas regras.

Por outro lado, a pesquisa indica que há escolas fragmentadas, em que as divisões internas são múltiplas, como as divisões por nível socioeconômico. Existem também as divisões de gênero, em certos casos com assédio sexual a meninas e meninos, tanto por colegas, quanto por professores. Registram-se também posturas racistas de docentes e discentes, especialmente contra o negro, chamado-nos a atenção para o risco de este último internalizar o preconceito dos outros em relação a si.

Ainda assim, segundo as percepções dos diferentes atores da comunidade escolar e mesmo nesses ambientes extremos, a escola é vista como via de acesso ao exercício da cidadania ou como mecanismo de inclusão social. Para os alunos, apesar de tudo, existe a reiterada percepção de que a escola constitui um lugar para a aprendizagem, um caminho para a inserção positiva no mercado de trabalho e na sociedade. Essa esperança pode contribuir para a reconstrução dessas escolas, já que a violência é a negação de qualquer política pública voltada para a qualidade e para a democratização do ensino.

A pesquisa não se limita a abordar os males ou a expor as chagas. Ao contrário, com base no conjunto de pesquisas e experiências já existentes no Brasil e no exterior, apresenta várias recomendações para mudar a situação. Algumas recomendações são fundamentais para a minimização do nível de conflito dentro das escolas, como, por exemplo:

1 - a sensibilização da comunidade (pais, mestres e alunos), com vistas a construir uma cultura de paz e de não-violência;

2 - estabelecimento e aplicação de normas claras de disciplina;

3 - mudança do clima da escola, inclusive no que se refere à limpeza, manutenção e equipamento da mesma;

4 - discussão da cultura de paz na mídia e seus efeitos sobre crianças e adolescentes;

5 - valorização e estímulo à organização sadia dos jovens em grêmios estudantis, voltados para atividades lúdicas, desportivas e culturais;

6 - articulação das escolas com as Secretarias de Educação, Conselhos Tutelares e, se estes não existirem, com o Ministério Público e o juiz da comarca, além de apoio especializado ao processo de implantação de todas essas medidas.

Algumas outras sugestões são importantes e o Estado já as deveria ter cumprido por se tratar da aplicação da lei, como é o caso dos seguintes pontos:

a) instalação de semáforos, passarelas e faixas de pedestres perto das escolas, com vistas a evitar, sobretudo, os atropelamentos;

b) melhoria da iluminação nas imediações das escolas, sobretudo nos trajetos até os pontos de ônibus, focos de violência sobretudo à noite;

c) controle da venda de bebidas alcoólicas e eliminação de qualquer tentativa de abordagem de traficantes de drogas dentro das escolas;

d) proibição da existência de estabelecimentos de jogos de azar nas imediações das escolas.

No que diz respeito à relação da escola com a comunidade e com base nas experiência das “Escolas de Paz”, recomenda-se abrir o espaço escolar para o envolvimento da comunidade, da família e dos alunos em atividades culturais, artísticas, esportivas e de lazer, com a tônica em educação para a cidadania e na construção de uma cultura de paz. Além disso, promover atividades que envolvam os alunos da escola, os jovens, a comunidade e, sobretudo, a família no decurso de linguagens afins aos jovens, a exemplo da arte, da cultura, dos desportos, a partir da abordagem de temas sobre cidadania.

A situação descrita pela pesquisa adverte para o fato de que parte da nova geração convive com a violência, com as leis do mais forte e do silêncio. Essa é a imagem que uma fração dos jovens brasileiros guarda da sociedade e esse é o meio social em que aprendem a sobreviver.

É hora, portanto, de substituir o aprendizado de sobreviver pelos quatro pilares da educação para o século XXI, conforme o famoso relatório solicitado e publicado pela Unesco no ano de 2000: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros, aprender a ser.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2002 - Página 6663