Discurso durante a 52ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS AS MODIFICAÇÕES ANUNCIADAS NO JORNAL DO BRASIL, DE SABADO ULTIMO, SEGUNDO AS QUAIS O GOVERNO PRETENDE LIBERAR AS TAXAS DE JUROS DO FINANCIAMENTO DA CASA PROPRIA.

Autor
Lindberg Cury (PFL - Partido da Frente Liberal/DF)
Nome completo: Lindberg Aziz Cury
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS AS MODIFICAÇÕES ANUNCIADAS NO JORNAL DO BRASIL, DE SABADO ULTIMO, SEGUNDO AS QUAIS O GOVERNO PRETENDE LIBERAR AS TAXAS DE JUROS DO FINANCIAMENTO DA CASA PROPRIA.
Aparteantes
Emília Fernandes, Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2002 - Página 6791
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEFICIT, HABITAÇÃO, BRASIL, NUMERO, POPULAÇÃO, RESIDENCIA, FAVELA, DESPESA, FAMILIA, ALUGUEL, INEFICACIA, POLITICA HABITACIONAL, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), ATENDIMENTO, CLASSE MEDIA, BAIXA RENDA, PROBLEMA, MUTUARIO, SALDO DEVEDOR.
  • APREENSÃO, NOTICIARIO, IMPRENSA, ESTUDO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), ALTERAÇÃO, POLITICA HABITACIONAL, BANCOS, AUMENTO, DIFICULDADE, FAMILIA, AQUISIÇÃO, CASA PROPRIA.
  • SOLICITAÇÃO, CONVOCAÇÃO, TECNICO, GOVERNO, ESCLARECIMENTOS, PROPOSTA, POLITICA HABITACIONAL, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -- Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o outro tema que eu gostaria de abordar é a casa própria. Ter uma casa própria ainda é o grande sonho de milhões de brasileiros. Muitos se sacrificam a vida toda para realizar esse sonho, mas grande parte não o consegue.

Segundo dados oficiais, 25% da população das grandes cidades ainda vive em favelas. Um número absurdo! Um entre cada quatro brasileiros está vivendo em condições subumanas, sem moradia adequada. Isso sem falar naqueles que sofrem para pagar o aluguel e dar condições mínimas de moradia às suas famílias. Dados do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mostram que a habitação é hoje o principal gasto familiar no Brasil, chegando a 29,19% do total.

Esses dados, Sr. Presidente, mostram a ausência de uma política habitacional que realmente contemple as famílias de classe média e de renda mais baixa. O vetusto SFH, Sistema Financeiro da Habitação, criado pelo Governo militar, em 1964, não conseguiu cumprir o seu papel. Dificilmente o cidadão comum tem acesso aos financiamentos habitacionais e, quando consegue, vê-se comprometido com valores impagáveis e que afetam a sobrevivência familiar. Algumas famílias chegam a cortar gastos com alimentação para tentar manter em dia as exorbitantes prestações do financiamento. Caso contrário, tornam-se inadimplentes e perdem o seu imóvel para o agente financeiro.

Segundo dados oficiais, existem hoje, no País, mais de 300 mil mutuários com problemas nos saldos devedores de seus financiamentos. São casos absurdos em que o imóvel financiado vale bem menos do que o valor devido aos bancos.

Esses problemas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ajudam apenas a aumentar o déficit habitacional no País. Hoje, o déficit habitacional estimado pelo Governo é de 5,4 milhões de moradias somente na área urbana, e de mais dois milhões na área rural. Segundo a Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte, 85% do déficit habitacional concentra-se nas famílias com rendimento mensal de até cinco salários mínimos. E a situação só tende a piorar.

Há cerca de um ano, a Caixa Econômica Federal resolveu endurecer as regras e fechou as portas para os mutuários, dificultando os financiamentos. Agora, o Governo pretende jogar um pá de cal no Sistema Financeiro da Habitação. A edição do Jornal do Brasil de sábado passado revela que uma das propostas em estudo pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central prevê a liberação dos juros cobrados nos empréstimos da casa própria e também do índice usado para reajustar as prestações.

Se essa proposta for aprovada, Srªs e Srs. Senadores, será o fim do sonho de milhões de brasileiros que ainda esperam, um dia, adquirir a sua casa, dar uma moradia decente a sua família.

Atualmente, os imóveis adquiridos pelo Sistema Financeiro da Habitação têm juros máximos de 12% ao ano, mais Taxa Referencial, a nossa conhecida TR. O que o Governo pretende é mexer totalmente nesse quadro, liberando as taxas para o mercado. Além disso, os bancos ficariam livres da obrigação de destinar 65% dos depósitos da poupança para financiamentos habitacionais. Na prática, isso significa que não haverá dinheiro para financiamento de imóveis.

Os maiores beneficiários dessa decisão serão os bancos, que, além de ganhar mais com as taxas de juros maiores, irão restringir os financiamentos aos mutuários com melhor perfil pagador. Ou seja, só vão emprestar dinheiro para a aquisição da casa própria para aquelas pessoas que já têm dinheiro. Os brasileiros que têm poucos recursos continuarão fora do sistema. Não terão direito nem mais de sonhar com uma casa decente para abrigar a sua família.

A Srª Emilia Fernandes (Bloco/PT - RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Com muita honra, Senadora.

A Srª Emilia Fernandes (Bloco/PT - RS) - Serei breve, mas quero cumprimentar V. Exª pelo tema que traz à Casa e pelo alerta que faz, tendo em vista que o assunto foi publicado nos meios de comunicação nacionais e, portanto, pode ter veracidade, o que nos causa grande preocupação. Parece-me que este País tem dificuldade de assimilar como é que realmente se constróem condições de cidadania e de vida digna para as pessoas. Quando se estabelece uma política que, por si só, já apena fortemente um número significativo de pessoas, pela concentração de renda, pelo aumento do desemprego, pela impunidade e pela corrupção; quando o País diz que é preciso que se arrecade mais do contribuinte - como no caso da famosa CPMF, que seria dirigida para a saúde, que continua mal -, temos que nos perguntar: “Bem, para onde estão indo esses recursos?” No Brasil, milhões e milhões de pessoas e de famílias não têm as mínimas condições de vida. Há um déficit muito grande de moradia e as políticas públicas dos Estados e dos próprios Municípios não conseguem resolver esse problema na totalidade. Por iniciativa do Senador Mauro Miranda, e com aprovação de todo o Congresso Nacional, ficou estabelecido que a habitação é um dos direitos sociais garantidos pela Constituição. Portanto, todo homem e mulher deste País tem o direito de lutar e de exigir uma moradia. Há um projeto importante tramitando na Casa, do próprio Senador Mauro Miranda, que estabelece a possibilidade de as escrituras das casas oriundas de projetos populares, portanto, de recursos públicos, serem escrituradas nos nomes das mulheres, como forma de garantir a sua permanência na casa e o abrigo dos seus filhos. Normalmente, nas separações, quem se retira da casa é a mulher, que, muitas vezes, não tem nem onde morar. Um projeto meu na área de habitação prevê que 20% dos recursos oriundos de financiamentos públicos sejam destinados a mulheres chefes de família, porque sabemos que, hoje, aproximadamente 30% das famílias são chefiadas por elas, que, assim, arcam com uma carga redobrada e precisam de um local adequado para viver e educar a sua família. E, agora, surge a notícia de que o Governo vai passar a habitação para a iniciativa privada, como um produto em um mercado qualquer. No entanto, sabemos que a iniciativa privada, com todo o respeito, visa o lucro e não tem compromisso, em primeira instância, com as questões sociais e públicas. Parece-me que isso seria o desmonte total daquilo que a própria Constituição prevê, agravando ainda mais esse grande problema nacional. Então, o alerta de V. Exª é sério e consistente. Quero comprimentá-lo e espero que, pelo amor de Deus, o Governo Federal diga que isso não é verdade, que ele irá instituir um plano de habitação pública para a classe média, para o trabalhador, para o funcionário público, que não têm casa para morar. Era isso que deveria estar sendo estimulado, porque sabemos que o setor de construção de casas movimenta um grande e volumoso percentual de recursos e gera empregos. Realmente, não posso crer que se pense em desmontar o que ainda há de compromisso entre a Caixa Econômica Federal e o Sistema Financeiro de Habitação.

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Senadora Emilia Fernandes, agradeço o seu brilhante aparte e peço permissão para incluir no meu pronunciamento esses dados importantíssimos citados por V. Exª.

Gostaria de ir um pouco além: no sistema financeiro privado, os bancos só emprestam para quem tem garantias, recursos ou dinheiro. Aquele que normalmente procura a Caixa Econômica Federal ou o setor financeiro habitacional, encontra respaldo. É plano do Governo. O Governo deixa de levar para a iniciativa privada, de levar principalmente para os bancos particulares um sistema que deve pertencer a ele mesmo; que ele construiu ao longo dos anos e deu moradia a milhares de brasileiros. Não podemos deixar que caia por terra essa verdadeira aspiração da casa própria.

Sr. Presidente, ao final do meu pronunciamento vou requerer - e foi justamente o que V. Exª disse - que o Governo preste esclarecimento sobre essa questão.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Senador Lindberg Cury, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Leomar Quintanilha, com muito prazer.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Entendo oportuna a preocupação que V. Exª traz a esta Casa e gostaria de aduzir alguns comentários a ela. Tenho acompanhado alguns programas de Governo que acabam por oferecer melhores condições à população brasileira, sem expectativa de retorno, como, por exemplo, a doação da casa, que possibilita a realização do sonho de milhares de famílias brasileiras. Cito, como exemplo, a população do meu Estado, cuja dura realidade conheço de perto. Particularmente, não sou a favor de dar, simplesmente, por dar, de forma generalizada, já que, muitas vezes, as doações sequer são valorizadas. Temos visto exemplos de pessoas que recebem suas casas e depois resolvem doá-las. Na verdade, em questões emergenciais, como as que ocorrem no Brasil, em que milhares de brasileiros não têm um teto digno para abrigar sua família, em razão dos modelos econômicos que escolhemos, em razão da brutal concentração de renda que ainda existe, em razão da assustadora desigualdade regional, precisamos continuar com o programa de moradia para abrigar as pessoas que habitam as ínvias regiões deste País. Aliás, precisamos de programa de moradia não somente na zona urbana como no meio rural. Trata-se de um alerta. O Governo precisa entender que enquanto não conseguirmos promover uma verdadeira distribuição de renda e universalizar a condição e a capacidade de o indivíduo, com os seus próprios recursos e o seu esforço, buscar seu destino, inclusive construindo sua casa própria, teremos que, em questões emergenciais, continuar tendo o programa de moradia popular, para dar casa aos brasileiros que não podem construí-la.

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Concordo plenamente com V. Exª, Senador Leomar Quintanilha. Entendo que a casa própria não pode ser objeto de gratuidade. Mas deve haver algumas facilidades para a sua aquisição. Indo para a iniciativa privada, como foi discutido há pouco, estaremos derrubando, demolindo uma proposta, que é a do anseio da conquista da casa própria.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa é mais uma proposta absurda saída da cabeça de um tecnocrata do Governo que não conhece a realidade do povo brasileiro. De economistas que nunca viram o drama das famílias que não têm um teto para proteger seus filhos.

Os próprios especialistas em habitação alertam que as mudanças discutidas pelos técnicos do Governo vão contra o caráter social dos financiamentos. Estão sendo pensadas apenas para beneficiar os bancos e prejudicar os mutuários. Também alertam os especialistas que as medidas são um sinal de que o Governo pretende substituir o Sistema Financeiro da Habitação (SHF) pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SHI). O Sistema Financeiro Imobiliário foi criado em 1997, mas até hoje não deslanchou. A principal diferença em relação ao Sistema Financeiro da Habitação é a facilidade de retomada do imóvel de quem atrasar o pagamento das prestações.

E qual será o resultado de tudo isso? Em poucos anos teremos grande número de pessoas despejadas por falta de pagamento. Isso se conseguirem financiamento para comprar sua casa própria.

Gostaria de pedir, Sr. Presidente, que essa questão fosse amplamente debatida por esta Casa. Solicito a convocação, pelo Senado, dos técnicos do Governo que estão elaborando essas medidas, para que possamos aprofundar os debates e conhecer, em detalhes, o que o Governo está planejando mudar em sua política habitacional. Esse é um assunto da máxima importância e o Congresso Nacional não pode ficar alheio ao debate, sob pena de omissão com os milhões de trabalhadores que ainda sonham, um dia, possuir uma casa própria.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2002 - Página 6791