Discurso durante a 53ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso do Dia do Trabalhador. Críticas à política econômica do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Homenagem pelo transcurso do Dia do Trabalhador. Críticas à política econômica do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2002 - Página 7249
Assunto
Outros > HOMENAGEM. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, TRABALHADOR, ELOGIO, ESFORÇO, AQUISIÇÃO, DIREITOS, TRABALHO.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, PERIODO, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REDUÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, SUBORDINAÇÃO, INTERESSE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PROTEÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, ENERGIA, CRISE, ENERGIA ELETRICA, AMPLIAÇÃO, POBREZA, DESEMPREGO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Srª Presidente, Sras e Srs. Senadores, a data de ontem, 1º de maio, não pode de maneira alguma passar sem um registro oportuno, que é um modo de prestar anualmente homenagem aos trabalhadores do Brasil, que, enfrentando condições adversas, mantêm a produção e a riqueza nacionais.

O Dia do Trabalhado é um dia simbólico, porque carrega a expectativa de geração contínua de emprego, para garantir à família brasileira uma vida digna.

No curso da história, o esforço humano representou uma carga pesada, um fardo enorme, maior do que a capacidade de levá-lo sobre os ombros. Nas suas origens, o trabalho recebeu conotação religiosa como o salário do pecado. É Paulo, na Epístola aos Tessalonicenses, quem diz: “Quem não trabalha não come.”

No entanto, nas múltiplas atividades laborais, o homem, na integridade do seu ser, assume todas as responsabilidades de prover o sustento pessoal e familiar, buscando, nas diversas formas do trabalho, os meios para a sobrevivência, que é a mais recorrente das questões humanas.

A força de trabalho construiu o mundo, com suas cidades, fábricas, equipamentos e tudo o mais que move a vida. No caso brasileiro, após os anos de escravidão, quando o trabalho era forçado e o trabalhador negro, uma propriedade, uma coisa, a construção do País tem sido um penoso esforço de milhões de brasileiros, permanentemente.

Cabe destacar a contribuição dos trabalhadores nordestinos, que sonharam com a prosperidade do Sudeste brasileiro, trocando o viver pacato do interior pelo burburinho das metrópoles, em ritmo frenético de construção. Mãos e braços, corpos e cabeças a serviço do Brasil e do futuro da sociedade brasileira.

É certo que a economia tem mudado nas últimas décadas. Em Sergipe, por exemplo, a agroindústria açucareira enfrenta período de dificuldades, funcionando apenas uma usina, de tantas antes existentes. Significa dizer que falta trabalho na lavoura de cana-de-açúcar para atender a população sem emprego. Ainda no setor agrícola, registra-se a situação angustiante do produtor de cítricos na região sul do Estado, com os laranjais envelhecidos, sujeitos às pragas, empobrecendo toda uma região.

No setor industrial, sabe-se que a situação não é das melhores. Enquanto novos empreendimentos são levados para o Estado, muitas fábricas tradicionais entram em decadência, demitem trabalhadores, aumentando a legião de desempregados, que passam a viver em torno das atividades terciárias, buscando ali o pão do dia-a-dia para continuarem vivos, com suas famílias.

O Brasil precisa superar a situação sacrificante em que se encontra, tendo que fazer um ajuste a todo custo, pois consome parte maior de seu orçamento com despesas e serviços de uma dívida que, nos últimos anos, cresceu ainda mais.

Sr. Presidente, recebi alguns dados sobre a economia do Brasil que demonstram, de forma clara, o equívoco da política econômica do Governo de Fernando Henrique Cardoso. São dados que não envaidecem o Brasil; antes, humilham o nosso País, sacrificam o nosso povo, empobrecem as nossas empresas e fragilizam a nossa economia.

O crescimento anual da economia foi, em média, de apenas de 2,44% no Governo de Fernando Henrique Cardoso, que começou em 1995. Se a década de 80 foi considerada a “década perdida”, como se chamariam esses sete anos de Pano Real?

O Brasil era a oitava economia do mundo e a maior da América Latina. Depois de sete anos de Governo de Fernando Henrique, somos agora a décima economia mundial e, em 2001, passamos a ser a segunda da América Latina. Perdemos a primeira posição para o México, porque o Brasil retrocedeu.

E agora vejam o que aconteceu com o nosso Produto Interno Bruto, que, como sabemos, é representado por todas as riquezas produzidas por um país durante um ano. Em 1994, quando começou a Era Fernando Henrique Cardoso, tínhamos um PIB da ordem de US$543 bilhões. Em 1996, o nosso PIB cresceu para US$774 bilhões. Em 1997, um ano antes da reeleição, já ele alcançava US$807 bilhões.

Entretanto, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse aparente esforço para desenvolver o nosso País decaiu depois da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. O real entrou na realidade. As altas taxas de juros impostas pelo FMI e aceitas pelo Banco Central determinaram a queda da nossa produção. A indústria, o comércio e o setor de serviços, enfim, todos aqueles setores que poderiam fazer o crescimento do nosso País entraram em regressão.

            No ano da eleição, em 1998, tínhamos um PIB de US$787 bilhões. E ele caiu mais. Srª Presidente, V. Exª sabe para quanto caiu o nosso PIB, que, no ano da reeleição, era de US$787 bilhões e, no ano anterior, havia sido de US$807 bilhões? O PIB de 2001, ou seja, do ano passado, caiu para US$519 bilhões. Nós voltamos a ter um PIB, em dólares, menor do que o que tínhamos no ano de 1994 - a partir do ano seguinte começaria a Era Fernando Henrique Cardoso.

Como a população cresceu, a evolução de nossa riqueza per capita foi ainda pior. O valor do PIB dividido pela população em 2001 ficou menor do que era em 1990, ou seja, o Brasil retrocedeu. Em 1994 tínhamos um PIB per capita da ordem de US$3.569 mil. Já em 2001 esse PIB caiu para US$3.022 mil, enquanto a nossa dívida externa quase duplicou. Em 1994, ela era de US$148 bilhões, e passou para US$240 bilhões em 2001.

É sabido, Srª Presidente, que, na década de 70, o regime militar endividou enormemente o País. Mas temos de reconhecer que a nossa economia duplicou. Construímos uma grande infra-estrutura energética e de transportes e o maior parque industrial do Terceiro Mundo, um dos maiores de todo o mundo.

Já o endividamento do Plano Real não construiu nada. “Sucateou” os serviços públicos, jogou o Brasil no racionamento de energia e paralisou o nosso crescimento. E a dívida pública explodiu. Ela passou de R$62 bilhões, em 1994, para R$604 bilhões em 2001, isto é, quase multiplicamos por dez, de 1994 a 2001, o montante da nossa dívida pública.

Sr. Presidente, o Brasil, sabemos, construiu o maior sistema de geração de energia elétrica hidráulica do mundo e também o de menor custo. Em 7 anos, na tentativa de privatizar o setor, Fernando Henrique Cardoso paralisou os investimentos e esvaziou irresponsavelmente os reservatórios das represas para compensar a falta de novas hidrelétricas, lançando o País num racionamento de energia que só existiu na Segunda Guerra Mundial.

Há poucos dias, contra o meu voto e o de muitos dos Srs. Senadores e Senadoras que se encontram neste plenário, foi aprovado pelo Congresso Nacional - pela Câmara e, depois, pelo Senado - o chamado seguro apagão, que impõe taxas absurdas aos consumidores brasileiros e às empresas nacionais para, segundo o Governo, cobrir os prejuízos que teriam tido as empresas com o racionamento de energia elétrica.

Mas como, se as empresas compraram as nossas concessionárias, as nossas distribuidoras, em muitos Estados, e ofereceram ágio de 100% ou mais nessa compra? Ora, se a ambição dessas empresas, muitas das quais estrangeiras, levou-as a oferecer ágios que superaram 100% daquilo que foi pedido pelos governos estaduais, isso significava que os novos donos das concessionárias fizeram um planejamento tal que teriam lucros ao assumirem a administração das concessionárias. Se tiveram prejuízo, o consumidor é que têm que pagar pelo risco de empresas estrangeiras que vieram para o nosso País com a cobiça de ganhar mais dinheiro? Como não conseguiram, reafirmaram os cálculos que haviam feito e nós, povo pobre do Brasil, é que temos que arcar com os riscos da atividade privada, num País capitalista, Sr. Presidente, onde qualquer um que invista tem que assumir o risco da atividade econômica.

Se alguém, no interior mais longínquo do Brasil, montar um pequeno negócio - e quantos não estão montando pequenos negócios que depois fecham? Há os que aderiram ao PDV, aquele instrumento maléfico criado pelo Governo, com a promessa de que, saindo das concessionárias, saindo do emprego público, poderiam desenvolver uma atividade particular e ganhar mais dinheiro; com essa alegação e esse convencimento, muita gente entrou nessa história -, e falir, pois a verdade é que as microempresas são as que mais fecham, as que têm maior índice de falência no Brasil, V. Exªs já pensaram a situação do consumidor brasileiro se tiver que pagar por isso, pela falência das microempresas no Brasil? Porque há os foram na onda do Governo, na conversa fiada do Governo, na lábia do Governo.

Pois bem, dois pesos e duas medidas! As microempresas instaladas no País e que quebraram, por falta de apoio do Governo, não tiveram nenhum sinal do Governo Federal. Mas as concessionárias estrangeiras que vieram tomar o nosso patrimônio tiveram, sim, o amparo benéfico do Governo, receberam o seguro apagão como garantia de que não terão nenhum prejuízo nem entrarão em falência.

Por isso, Sr. Presidente, o Dia do Trabalhador, comemorado ontem, merece, sem dúvida, o nosso respeito e o nosso apoio, porque os trabalhadores, com sangue, suor e lágrimas, construíram este País. Entretanto, temos de registrar que a política econômica do Governo é desastrosa, vem promovendo o desemprego, como já alertaram os Senadores da base oposicionista nesta Casa.

A falta de crescimento econômico, aliada à tendência de enxugamento de postos de trabalho e à redução da oferta de cargos públicos levaram os jovens para fora do mercado de trabalho. Dados da pesquisa mensal de emprego, em âmbito nacional, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, comprovam que o número de jovens empregados entre 15 e 24 anos, caiu quase pela metade de 1991 para 2001. Na faixa etária que compreende jovens de 18 a 24 anos, o desemprego também cresceu de 9,18%, em 1991, para 12,46%, em 2001. E os dados mostram o efeito devastador sobre os jovens quando saem da frieza do papel. Pesquisa do Centro de Integração Empresa-Escola mostrou que o maior temor dos estudantes de São Paulo é terminar seus cursos e não conseguir emprego. A pesquisa entrevistou quinhentos jovens de 16 a 25 anos. Desse total, 42% disseram temer não conseguir uma colocação no mercado de trabalho, um índice bem mais alto do que o de outras preocupações, como obter independência financeira (15%) ou melhorar a qualidade de vida (14%).

Meus amigos, Srs. Senadores, um dos efeitos mais nocivos de ter de encarar de frente o desemprego é a combinação de desânimo com violência. Os jovens fazem a sua parte ao estudar, mas a falta de perspectiva os leva à depressão, à inatividade e muitos vão ao desespero da droga e do crime.

Srª Presidente, em 1889, o Congresso Operário Internacional, reunido em Paris, decretou o 1º de maio como o Dia Internacional dos Trabalhadores - um dia de luto e de luta. Esse decreto tem uma história que começa na cidade de Chicago.

Em 1º de maio de 1886, mais de meio milhão de trabalhadores e de trabalhadoras apareceram nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos, em manifestação pacífica, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas. Bastou, Srª Presidente, que essa reivindicação justa e legítima fosse feita por aquele meio milhão de trabalhadores e trabalhadoras para que a polícia reprimisse a manifestação, dispersando a concentração, depois de ferir e matar dezenas de operários.

Mas os trabalhadores não desistiram, não se abateram, porque eram as horas mais pesadas do seu trabalho que contribuíam para as doenças que adquiriam nas suas ocupações. Os americanos eram obrigados a trabalhar 12, 14 e até 18 horas por dia. Essa jornada levava a um cansaço que produzia freqüentes acidentes em que muitos morriam ou ficavam mutilados para o resto da vida.

Por isso, quatro dias depois daquele histórico 1º de maio de 1886, no dia 5 de maio, os operários voltaram às ruas e, dessa vez, foram mais reprimidos ainda do que na anterior. Oito líderes foram presos e julgados, sendo cinco condenados à forca e três à prisão perpétua. Dos cinco condenados à forca, quatro foram executados no dia 11 de novembro de 1887, porque um foi assassinado na prisão, na véspera da execução.

Mas, Srª Presidente, a luta não parou, e a solidariedade internacional pressionou o governo americano a anular aquele ato cruel e realizar novo júri, em 1888. Esse júri reconheceu que os operários estavam no seu legítimo direito de reivindicação e terminou culpando o Estado, mandando soltar os três presos que restavam. Mas já haviam sido mortos na forca quatro presos, e um foi assassinado.

Em 1889, o Congresso Operário Internacional, reunido em Paris, decretou o 1º de maio como o Dia Internacional dos Trabalhadores. E, em 1890, finalmente, os trabalhadores conquistaram a jornada de oito horas de trabalho.

Srª Presidente, o Brasil precisa definir recursos para investimentos na geração de empregos, garantindo que as gerações desempregadas possam ter a oportunidade de um vínculo que lhe permita obter o justo salário do seu sustento.

Neste ano eleitoral, quando os discursos estarão adornados pelas promessas e pelas ilusões, a sociedade brasileira deverá acompanhar com todo o interesse quais as alternativas que os partidos e os candidatos oferecerão para sanar o drama do desemprego. O atual Governo, que, no primeiro mandato, tratou da moeda, estabilizando-a, falhou com relação às promessas de acabar com o desemprego, pelos motivos que já apontei.

O País não suporta mais quatro anos sem abrir seu mercado de trabalho, sem expandir sua atividade produtiva, sem salvaguardar sua vocação.

O Brasil não pode pensar em ser uma ilha de tranqüilidade, num mundo conturbado por vários tipos de problemas, que afloram cotidianamente. Os exemplos de outras economias, de outras sociedades, devem servir de alerta, como aconteceu e está acontecendo na Argentina, para que não se reproduzam entre os brasileiros as situações catastróficas que se têm abatido sobre outros povos.

Este dia festivo, que louva o trabalho e exalta o trabalhador, permite uma reflexão que envolve as formas mundializadas da economia e, dentro delas, os mercados de trabalho. É preciso acompanhar, passo a passo, o que ocorre no mundo, para tirar as lições necessárias, evitando o pior.

Não é preciso ser especialista em análise econômica para detectar que o Brasil, apesar de alguns êxitos, atravessa uma quadra difícil de sua História, porque não tem conseguido conciliar o seu Produto Interno Bruto com a prosperidade da massa trabalhadora. A riqueza não pode ser um produto apenas do capital, cada dia mais exigente em luta por sua remuneração, cada vez maior.

Assim como os setores da economia avançaram, modernizados, os trabalhadores também aperfeiçoaram, nas diversas especialidades, a sua contribuição e foram além quando buscaram a organização interna, política, de forte consciência ideológica, como modo coeso de sobreviverem às turbulências das crises.

Os trabalhadores brasileiros ocupam, hoje, posição destacada em relação a grandes economias do mundo, tanto no aspecto sindical, das lutas constantes para a manutenção e a ampliação de direitos, como na projeção político-partidária, apresentando, como se faz pela quarta vez, candidato a Presidente da República, que hoje se encontra em primeiro lugar e disputa com um outro candidato da Oposição que é do meu Partido, o ex-Governador Garotinho, a preferência do eleitorado brasileiro.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta fala de homenagem ao trabalhador do meu País, no seu dia universal, quero reafirmar a confiança de que é preciso construir, urgentemente, os pilares de uma nova relação de trabalho, na sintonia com as mudanças operadas pela chamada economia globalizada. É uma tarefa inadiável da sociedade brasileira, pela sua representação política.

Daqui, desta Casa que representa o Brasil na sua diversidade estadual, cumprimento os trabalhadores do meu País e do meu Estado, Sergipe, confirmando a luta do Partido Socialista Brasileiro para tornar o Brasil mais justo. E quero, evocando a figura de um trabalhador sergipano, João Silva Franco, o João Sapateiro de Laranjeiras, hoje colhendo a glória da sua existência de mais de 80 anos, render homenagens a todos os descendentes dos negros e dos mestiços que prepararam a terra brasileira para o seu futuro.

            Quero com João Silva Franco repetir uma de suas poesias, uma quadra que resume, com sabedoria e com ironia, a verdade mais nítida da história do trabalhador brasileiro:

Quem não trabalha não come,

É conversa muito falha,

Porque só vemos com fome

O povo que mais trabalha.

            Que o Brasil do futuro saiba ser digno do suor, da força, da dedicação e da consciência do trabalhador brasileiro!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2002 - Página 7249