Discurso durante a 54ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio ao anúncio do aumento do IOF e outros tributos para compensar o atraso na aprovação CPMF.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Repúdio ao anúncio do aumento do IOF e outros tributos para compensar o atraso na aprovação CPMF.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2002 - Página 7438
Assunto
Outros > TRIBUTOS. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), ANUNCIO, AUMENTO, IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CREDITO CAMBIO SEGURO E SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS A TITULOS E VALORES MOBILIARIOS (IOF), TRIBUTOS, COMPENSAÇÃO, DEMORA, APROVAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF).
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, PESQUISA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), DESNECESSIDADE, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), DESTINAÇÃO, RECURSOS, SAUDE, MOTIVO, AUSENCIA, CRESCIMENTO, DESPESA, MINISTERIO DA SAUDE (MS).
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL, AUMENTO, IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CREDITO CAMBIO SEGURO E SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS A TITULOS E VALORES MOBILIARIOS (IOF), PREJUIZO, DEMOCRACIA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos fomos surpreendidos com o anúncio do Ministro Pedro Malan de que haverá um aumento do IOF para compensar a demora na aprovação da CPMF. Além do aumento no IOF, outros tributos também vão subir para o governo repor perdas com o atraso da aprovação da CPMF.

Segundo o anúncio, feito horas antes de Malan embarcar para Washington, o IOF deverá subir a partir de 17 de junho. A justificativa, segundo o Ministro, é de que o governo não pretende “abrir mão dos objetivos fiscais” e que não vai assistir paralisado à perda de arrecadação da CPMF.

Ainda de acordo com o Ministro, o aumento do IOF recairá sobre crédito, câmbio, seguro e aplicações financeiras. Mas, não poderá incidir sobre pagamentos bancários (como saques), graças a um impedimento constitucional. Portanto, essa elevação não será suficiente para compensar as perdas de arrecadação.

Mas, ainda assim, é grande, segundo os analistas, a margem de manobra que o governo tem para mexer com o IOF, já que as alíquotas vinham caindo desde 94 devido a política do governo de reduzir as taxas de juros do crédito ao consumidor. Hoje, as alíquotas do IOF para operações de crédito (empréstimo e cheque especial, por exemplo) são de 1,5%. Em 94, elas eram de 3% para as empresas e de 18% para as pessoas físicas.

O pior desse tipo de atitude, Srªs e Srs. Senadores, está no caráter imperial dessa medida, pois tais mudanças podem ser feitas por decreto presidencial.

Isso significa que esse é um governo que não tem qualquer escrúpulo em passar por cima do Congresso quando seus interesses são contrariados. Significa que a negociação aberta com as bancadas pode ser atropelada a qualquer tempo, desde que o “Poder de Império” de Sua Excelência esteja ameaçado.

Para evitar perda na arrecadação, a prorrogação da CPMF deveria ter sido aprovada até o dia 17 de março passado. Vejam bem, Srªs e Srs. Senadores, que não foi por resistência da oposição que a CPMF não foi votada no prazo adequado. Tratava-se de uma briga intestina das facções do governo, em um tiroteio de dossiês, em um jogo de demonstração de força. Por isso, a CPMF não foi aprovada a tempo. E de quem é a responsabilidade? Dos contribuintes que agora serão lesados?

Todos esses aumentos de impostos existiriam em função do cumprimento do acordo com o FMI, o qual prevê, como meta, uma economia de receitas (superávit primário) de R$45,7 bilhões para o setor público neste ano. Mas a ameaça não pára aí. Além do aumento de tributos, Malan não descartou novos cortes no Orçamento deste ano. Estes, por sinal, seriam novos cortes, pois, em fevereiro, o Orçamento teve uma redução de R$12,4 bilhões dentro de uma despesa total de R$291 bilhões.

O pior dessa medida, Srªs. e Srs. Senadores, é o que ela representa de desincentivo à economia. Aumentar a carga tributária só favorece a um interessado: o governo, nos seus compromissos com banqueiros internacionais. Mas, e a cadeia produtiva nacional? E os empresários? E os consumidores? Às favas com eles! A quem serve, afinal, este governo? Ao bom desempenho da economia nacional ou às imposições do FMI? Onde está o Presidente que criticou os excessos do Fundo Monetário Nacional? Ou tudo passa a ser justificável, se o objetivo é aumentar a arrecadação?

Aliás, essa tendência de abocanhar os recursos privados para o Estado vem-se acentuando, particularmente, neste governo. De 1993 para cá, a carga tributária onerou em mais de 50% os cidadãos. Naquele ano, esta carga correspondia a 22,37% do PIB; mas saltou para 32,3% em 2001. Ou seja, para cada R$3,00 gerados no País, R$1,00 foi parar nos cofres públicos. Ao constatarmos essa realidade, podemos saber o verdadeiro porquê de o governo não se empenhar em fazer uma reforma tributária: ele já fez a reforma que lhe interessava. Portanto, que se danem os setores produtivos e os consumidores.

A própria CPMF, criada para ser provisória, tornou-se permanente. Justificada como sendo essencial para garantir os recursos para a saúde, acabou sendo estendida para a previdência social. Em verdade, no que diz respeito ao financiamento da saúde, o que ocorreu foi a retirada de recursos orçamentários ordinários, que foram substituídos pelos da CPMF. Ou seja, o governo aplicou um grande calote na boa-fé popular. Para seduzir o Congresso e calar a boca da opinião pública, o discurso é o da imprescindibilidade da CPMF. Mas, na hora de gerir o bolo, o governo faz o que quer.

Portanto, Srªs. e Srs. Senadores, além de rejeitar esse aumento absurdo do IOF, não podemos deixar de questionar o próprio uso da CPMF, que agora se quer renovar, tendo em vista os desvios que esta sofreu em relação a seus propósitos iniciais. Ao ser criada, em 1996, pretendia ser uma solução temporária para suprir as necessidades de financiamento do setor de saúde. Naquela época, a alíquota era de 0,20%, como todos lembram. E a justificativa: aplicação exclusiva para a saúde. Era essa a destinação até 1998. A partir daí, ao ser renovada pela primeira vez, além de passar a financiar outro setor (previdência social), sua alíquota passou para 0,38%, ou seja, praticamente foi duplicada.

Mas, de qualquer modo, desde 1996, o Ministério da Saúde passou a contar com a CPMF como fonte de recursos. Uma vez que o volume de arrecadação da CPMF tem aumentado sempre, o que deveríamos esperar? Obviamente, um aumento correspondente das despesas do Ministério com saúde. Entretanto, ao avaliar os gastos per capita daquele Ministério, retomando os dados desde 1993, vemos uma irregularidade muito grande. Em 1993, os gastos per capita eram de R$102,00; em 1995 (o ano anterior à aprovação da CPMF), estes subiram para R$143,89; em 1996, voltaram a baixar para R$123,19; alcançaram o patamar de R$145,92, em 1997; mas - vejam só - voltaram a baixar para R$131,18, em 1999, em plena vigência da CPMF. Essa constatação foi feita por técnicos do IPEA ao analisarem o desempenho do financiamento do setor saúde. Não vou nem entrar no mérito de outra constatação: a de que, em 1993, as despesas com saúde representavam 2,11% do PIB, mas baixaram para 1,94% em 1998.

Notem, Srªs e Srs. Senadores, que, após a aprovação da CPMF, esta contribuição passou a ser a principal fonte de financiamento da saúde do governo federal: em 1997, essa fonte foi responsável pelo custeio de quase 28% das despesas do Ministério da Saúde e, em 1998, por 37%. Ou seja, o governo deixou de aplicar recursos do Tesouro para o financiamento da saúde. De uma fonte adicional, passou a ser uma fonte substituta.

Segundo constatam os técnicos do IPEA, embora a CPMF tenha sido alocada integralmente para o Ministério da Saúde, naquele primeiro momento, esta contribuição não proporcionou uma elevação dos recursos, pelo menos na dimensão esperada, em decorrência da redução da participação de outras fontes. Se tivessem sido mantidos os montantes que as outras fontes aportavam em 1996 - R$19,35 bilhões -, e a estes acrescentados os recursos da CPMF, o Ministério da Saúde teria apresentado um nível de dispêndio total de R$25,8 bilhões, em 1997; R$27,2 bilhões, em 1998; e R$24,3 bilhões, em 1999, valores muito superiores aos efetivamente despendidos.

Tudo isso demonstra o quanto a CPMF tem servido muito mais para cobrir a ganância do Executivo por novas contribuições do que para melhorar o desempenho de programas sociais, como o da saúde.

Fica patente a desnecessidade desse aumento de IOF que agora se anuncia, entre outras razões, pelo bom desempenho da arrecadação brasileira. Tanto é assim, que o Brasil dispensou um saque de U$4,6 bilhões em créditos do FMI a que o País teria direito. Mas, além disso, o País resolveu antecipar um pagamento de U$4,2 bilhões ao FMI.

O desempenho da arrecadação, que tem crescido consideravelmente, não seria tão abalado pela interrupção na cobrança da CPMF (cerca de R$10 bilhões). Isso porque o total acumulado nos três primeiros meses do ano foi superior em 25% ao mesmo período do ano passado.

Por tudo isso, Srªs e Srs. Senadores, não devemos aceitar goela abaixo esse novo aumento do IOF. Ou bem o Executivo respeita o Congresso e a deliberação das bancadas que aqui têm representação ou bem ele instala uma “ditadura”, como essa da imposição de um aumento descabido.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2002 - Página 7438