Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de apuração das denúncias de corrupção veiculadas na revista Veja, edição desta semana, ocorrida durante o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Necessidade de apuração das denúncias de corrupção veiculadas na revista Veja, edição desta semana, ocorrida durante o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2002 - Página 7468
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, ASSINATURA, MEMBROS, COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE, SOLICITAÇÃO, ABERTURA, PROCEDIMENTO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CORRUPÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, RECEBIMENTO, PROPINA, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • DEFESA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), AUMENTO, PODER, INVESTIGAÇÃO, CONVOCAÇÃO, AUTORIDADE JUDICIARIA, DEPOIMENTO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, existe um texto muito interessante e extremamente atual, sobre o qual já tive a oportunidade de me referir nesta Casa. Falo do “Sermão do bom ladrão”, do Padre Antônio Vieira. O texto fala de como a Bíblia e de como Jesus tratavam de forma diferenciada o ladrão pobre do ladrão rico. Sinalizando como Ele tratou Dimas e Zaqueu. No texto, existe uma parte muito interessante, em Provérbios, Senador Mestrinho, que diz - e isto não está no livrinho da Esquerda brasileira; está escrito em Provérbios, na Bíblia - : “Não é grande a culpa de quem furta se furta para matar a fome”.

            É exatamente por isso que, todos sabemos, Cristo perdoou Dimas, que foi crucificado juntamente com Ele. Jesus o caracterizou como o bom ladrão. Por quê? Porque ele estava despido, pregado na cruz, na extrema pobreza, impossibilitado de restituir qualquer coisa que tivesse roubado anteriormente e, se o tivesse feito para matar a fome, já estaria, sem dúvida alguma, sem a culpabilidade presente. Cristo resgatou alguns preceitos extremamente interessantes, como o fato de que se deve dar tratamento diferente a cada ladrão. Dizia Ele que a Zaqueu, ladrão rico, deveria ser dado um castigo maior porque ele era o chamado ladrão tolerado. O que é o ladrão tolerado? É aquele cuja riqueza já é a imunidade necessária para roubar sem castigo, sem forca e sem culpa. Qualquer um de nós sabe disso. Quando o favelado, no auge do desespero, se joga na marginalidade ou no narcotráfico, como último refúgio, já sabe o que o espera porque já viu um amigo ou um parente ser assassinado, aos 16 ou 17 anos, vítima da estrutura do crime a que serve. O ladrão rico, não. É o ladrão tolerado. A este a própria riqueza e as relações políticas conferem imunidade. Então, rouba sem ter medo da forca, da lei, de absolutamente nada.

Há um outro texto muito bonito, também da Bíblia, Senador Valadares - não tem nada com a Esquerda -, em Salomão, que diz assim: “O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno. Os que não só vão, mas levam, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera, os quais, debaixo do mesmo nome e do mesmo procedimento, agem”

Diz ainda outro Santo - ninguém da Esquerda -, São Basílio Magno: “Não são só ladrões os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem; estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu próprio risco; estes sem temor nem perigo; os outros, se furtam são enforcados; estes furtam e enforcam”. Sr. Presidente, tudo isso está na Bíblia.

            São Tomaz de Aquino ainda diz algo muito importante para nós, que temos a obrigação de fiscalizar os atos do Poder Executivo e garantir que aquilo que está no Código Penal, que inclusive leva para a cadeia, tais como crimes contra a administração pública, exploração de prestígio, tráfico de influência, intermediação de interesses privados: “Aquele que tem a obrigação de impedir que não se furte, se não o impediu, fica obrigado a restituir o que se furtou. E até os príncipes que, por sua culpa, deixarem crescer os ladrões, são obrigados à restituição; porquanto as rendas com que os povos os servem e assistem são como estipêndios instituídos e consignados por ele para que os príncipes guardem e mantenham em justiça”.

Estou tratando de alguns desses trechos da Bíblia, embora tenha uma frase muito bonitinha que diz assim: “Não há debaixo do céu nenhum segredo que não possa ser revelado”. Como nós, da Oposição, não sabemos ainda se essa matéria que está na revista Veja é algum dos segredos a que se refere a Bíblia, não vamos ainda fazer juízo de valor sobre a matéria que está na revista, embora se trate de reportagem extremamente importante para o Senado Federal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós, da Oposição, estaremos apresentando, amanhã, um requerimento, assinado pelo Senadores Eduardo Suplicy, Jefferson Péres, Roberto Saturnino, por mim, enfim, por todos que compõem a Comissão de Fiscalização e Controle, solicitando a abertura de um procedimento investigatório sobre o tema, que é extremamente grave, pois trata de tudo aquilo que é devidamente condenável no Código Penal, ou seja, propina. O recebimento de comissão, no processo de privatização, é propina, efetivamente.

Todos sabemos que, como a Constituição estabelece, o ideal - se tivéssemos a independência necessária - seria abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que é a única que tem o poder de investigação próprio das autoridades judiciais e possibilitaria a utilização dos mecanismos ágeis necessários para desvendar os mistérios limpos ou sujos que estão sendo divulgados pela revista Veja. Como é a comissão parlamentar de inquérito que pode quebrar sigilo bancário, fiscal e telefônico e convocar não apenas agentes públicos, mas também personalidades envolvidas em qualquer escândalo, denúncia ou indício relevante de crime contra a administração pública, seria de fundamental importância que se instalasse uma CPI.

Apresentaremos, amanhã, na Comissão de Fiscalização e Controle, um requerimento para abertura de procedimento investigatório, e é de fundamental importância que os Ministros que se apresentaram como conhecedores desse tipo de delito possam aqui prestar esclarecimentos. Como os outros não estão na condição de agente público, infelizmente não poderão ser convocados e, sim, convidados. Daí a necessidade de trabalharmos, se quisermos que esta Casa cumpra a sua obrigação constitucional, respeitando a ordem jurídica vigente para que consigamos abrir uma comissão parlamentar de inquérito.

Enquanto esse assunto tramita nas duas Casas, temos a obrigação de abrir um procedimento investigatório. Nem vou citar, Senador Tião Viana, algumas falhas que detectamos. Espero que tenha sido apenas um lapso da personalidade política do citado ou um lapso do jornalista a possibilidade de que algum ex-ministro ou ministro tenha tomado conhecimento do assunto, sem que se tivesse envolvido sob a alegação de que o caso não estava restrito à sua área de atuação. Imagine, Senador Tião Viana, se V. Exª, ou o Senador Eduardo Suplicy, ou eu tomarmos conhecimento de uma denúncia grave de crimes cometidos contra a Administração Pública e não tomarmos nenhuma providência, estaremos prevaricando. E prevaricação também ocorreria se estivéssemos num país que não fosse o país da impunidade, onde alguns vêem o sol nascer quadrado por terem roubado pão para matar a fome.

Daí a necessidade, Sr. Presidente, de que esta Casa se posicione de uma forma firme e independente. Não haverá problema - nós, que somos do interior, sabemos do ditado que diz que quem não deve não teme e nem treme -, se, no procedimento investigatório ficar comprovado que nada disso é verdade, será o mais belo salvo-conduto, atestado de idoneidade moral para todas as personalidades que estão sendo citadas, sejam candidatos a presidente ou outros. A matéria da revista divulga que o senhor, que está sendo citado como o que estava fazendo tráfico de influência, exploração de prestígio, intermediação de interesse privado, enquanto dirigente maior do Banco do Brasil, era um dos articuladores do fundo de campanha de um candidato à presidência. É de fundamental importância que possamos esclarecer isso.

Já dizia Padre Antônio Vieira, cuja obra o Senador Gilberto Mestrinho conhece, que o pior diabo é o diabo mudo, o eloqüente mudo. É aquele que se cala diante do que é extremamente grave, que exige do Congresso Nacional, do Senado Federal o verdadeiro esclarecimento dos fatos.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Heloísa Helena?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª traz aqui as reflexões do Padre Antônio Vieira a respeito de graves fatos que podem ter ocorrido no âmbito da Administração Pública Federal, especialmente durante o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce e, depois, das empresas do Sistema Telebrás. A Oposição, quando da divulgação das gravações de conversas telefônicas entre autoridades do Palácio do Planalto e Ministros, já havia tentado realizar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, para apurar os fatos, mas, na ocasião, não conseguiu o número de assinaturas necessário. Agora, surge a notícia de que, alguns anos antes, quando da privatização da Vale do Rio Doce, a mesma personagem que teria agido de maneira a articular a ação dos fundos de pensão de se juntarem a grupos econômicos privados para adquirirem as empresas do grupo Telebrás estava também envolvida na articulação junto a outros grupos econômicos que desejavam participar do leilão da Companhia Vale do Rio Doce. Acontece que a personagem central na história, o Sr. Ricardo Sérgio, sendo Diretor da Área Internacional do Banco do Brasil e da Previ, realizou ações no sentido de fazer os fundos de pensão, como a Previ e outros, agirem em consonância com aqueles interesses. Diante da observação do ex-Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros e do atual Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, de que teriam ouvido diretamente do atual Presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, Benjamin Steinbruch, que o Sr. Ricardo Sérgio teria pedido uma comissão para agir de acordo com os interesses de alguns grupos, cabe esclarecer o episódio: se houve ou não o pagamento da comissão, se o procedimento desse Diretor do Banco do Brasil foi, de fato, o de pedir uma comissão e qual foi o procedimento no âmbito do Executivo; se eles levaram isso ao conhecimento do Presidente da República, como está registrado na matéria, qual foi o procedimento de Sua Excelência. Afirma-se na revista que o Senador José Serra seria pessoa bastante ligada ao Sr. Ricardo Sérgio. Conheço o Senador José Serra desde a minha adolescência e sempre o tive como uma pessoa séria em seus procedimentos; S. Exª sempre esteve a exigir, como Parlamentar da Oposição durante o Governo Fernando Collor de Mello, esclarecimentos sobre o que poderiam ser procedimentos inadequados. Ora, seria próprio, numa circunstância como esta, que ouvíssemos o Senador José Serra, para que explicasse exatamente tudo que aconteceu e que é do seu conhecimento. Imagino que S. Exª, uma pessoa empenhada na defesa do interesse público e de ações as mais adequadas e retilíneas possíveis, possa aproveitar o fato de ser, como nós, um Senador e esclarecer o caso, que conhece mais do que muitos de nós. Mas tem V. Exª razão: constitui nosso dever, como representantes escolhidos pelo povo, fiscalizar os atos do Executivo; esse é nosso dever constitucional. Temos dialogado com o Líder do PT na Câmara dos Deputados, o Deputado João Paulo Cunha, que considerou a hipótese de coletarmos o número suficiente de assinaturas para a realização de uma CPI. No entanto, conversando com Senadores de diversos Partidos, verificamos que, por enquanto, há concordância sobre os seguintes procedimentos: que, na Comissão de Fiscalização e Controle, venhamos a solicitar a abertura de um processo de apuração desses fatos e que possamos contar com a presença daquelas personagens citadas na matéria, como, por exemplo, o Sr. Ricardo Sérgio, os Ministros Luiz Carlos Mendonça de Barros e Paulo Renato Souza e o próprio Benjamim Steinbruch. Então, essas e outras pessoas eventualmente mencionadas serão convidadas a prestar esclarecimentos, já que não temos o poder constitucional de convocá-las. Imaginamos que queiram esclarecer os fatos e que o Sr. Ricardo Sérgio seja o primeiro fazê-lo perante o organismo que tem a função constitucional de desvendá-los. Conversamos, inclusive, com o Senador Amir Lando, que nos informou que convocará a reunião da Comissão de Fiscalização e Controle para amanhã, às 14 horas. Senadora Heloísa Helena, ainda nesta sessão, lerei o requerimento para que essas pessoas venham contribuir para o esclarecimento completo dos acontecimentos. Como disse V. Exª, se, ao fazermos a averiguação, ficar claro que não houve qualquer procedimento que possa ser considerado inadequado, teremos cumprido nossa função; se, por ventura, ficar desvendado que houve procedimento incorreto, caberá a nós encaminhar as conclusões da apuração ao Ministério Público, a fim de que conclua a averiguação dos fatos e leve o procedimento à Justiça.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço a V. Exª o aparte, Senador Eduardo Suplicy.

Estamos torcendo para que esta Casa tenha a coragem e a independência política de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Repito: conforme determina a Constituição Federal, as CPIs têm poder de investigação próprio das autoridades judiciais e, portanto, os mecanismos efetivos para viabilizar a convocação de personalidades, independentemente da condição de agentes públicos, para requisitar documentos e quebrar sigilo. Mas que possamos estabelecer um procedimento investigatório na Comissão de Fiscalização e Controle.

Como dizia o Livro de Isaías, os príncipes que são companheiros de ladrões vão todos para o inferno. É evidente que nenhum de nós está querendo ir para o inferno, já que queremos construir o reino de Deus aqui na Terra.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2002 - Página 7468