Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à data da abolição da escravidão, comemorada no próximo 13 de maio.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem à data da abolição da escravidão, comemorada no próximo 13 de maio.
Aparteantes
Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2002 - Página 7495
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, HOMENAGEM, NEGRO, ESCRAVO, LUTA, LIBERDADE.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, PESQUISA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL, EXCESSO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • EXPECTATIVA, ELEIÇÕES, BENEFICIO, JUSTIÇA SOCIAL, NEGRO, IGUALDADE, DIREITOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no próximo dia 13 de maio, o Brasil comemora o Dia da Abolição da Escravidão, uma data que merece ser reverenciada por todos os cidadãos que almejam a construção de uma sociedade mais justa, democrática e desprovida de preconceitos. No entanto, a intensa desigualdade racial ainda é um fato no Brasil, associada a formas usualmente sutis de discriminação que impedem o desenvolvimento das potencialidades e o progresso social da população negra.

A economia escravocrata foi um dos mais devastadores sistemas implantados em nosso País, um sistema que foi tão bem analisado pelo sociólogo Florestan Fernandes. Além dos aspectos desumanos da escravidão, que institucionalizou a crueldade, a humilhação e a desonra, esse sistema mercantil sustentou uma economia latifundiária que desprezava a sua mão-de-obra, relegando-a a um plano subalterno, criando assim uma multidão de abandonados, prisioneiros sob todos os aspectos da dignidade humana. Todos eles, fossem lavradores africanos, guerreiros, chefes tribais, religiosos, príncipes de povos, mães, eruditos, eram trazidos feito “peças”, objetos de valor no mercado de mão-de-obra: o "ouro negro". Quando chegavam ao Brasil, as pessoas eram separadas de suas famílias e enviadas para regiões diferentes, o que em si representava extraordinária violência.

            Os escravos africanos eram a base da nossa economia, mas sempre lhes foi negada qualquer participação nos bens ou na riqueza desta Nação. Apesar de tão oprimidos, foram capazes de defender e enraizar a sua cultura, sua arte, sua religião, seus traços e sua cor em nosso sociedade.

Vale lembrar que o Brasil ficou estigmatizado na História por ter sido, em 1888, um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, depois do Haiti (1794), dos Estados Unidos (1865) e de Portugal (1869). No século XX, a escravidão foi abolida na Nigéria (1900); no Irã (1928), na Etiópia (1942), em Catar (1952), na Arábia Saudita (1962), e na Mauritânia (1981). Neste último, muito embora a escravidão tenha sido abolida, no papel, por três vezes, ela ainda é praticada, assim como no Sudão e em Gana, em pleno século XXI.

A nossa herança colonial ainda é um óbice ao pleno desenvolvimento das potencialidades de todos os brasileiros, pois a economia brasileira está fundada em uma relação de conflito entre culturas diversas e até mesmo opostas. Aqui viviam povos que tinham uma concepção de riqueza bem diferente da visão branca cristã ocidental. Os anseios de igualdade e cidadania, é importante registrar, estavam presentes nas sociedades indígenas tradicionais, antes de começarem a fazer parte desta que resultou da vinda de outros povos para o Brasil, nos últimos cinco séculos.

Certa vez, um historiador estrangeiro disse ao grande historiador Caio Prado Júnior que invejava seus colegas brasileiros, pois estes tinham a possibilidade de ver ao vivo cenas autênticas que pertenciam ao passado. A coexistência no Brasil de seu passado com o presente, a fixação das estruturas coloniais, deve-se a pressões internas de grupos dominantes na economia e na sociedade, a pressões externas exercidas pelos países ricos e industrializados e a questões de mercado internacional.

Um grande propagandista da abolição foi José do Patrocínio, ele mesmo, filho de uma escrava com seu senhor, um padre católico, que nunca o reconheceu. Patrocínio foi um lutador da causa abolicionista. Com ele lutaram homens como o Deputado Joaquim Nabuco, segundo Patrocínio, o “nome mais prestigioso do abolicionismo dentro e fora do país”, ou o extraordinário matemático, astrônomo, botânico, geólogo e poeta negro André Rebouças.

Nabuco, um grande escritor e parlamentar, proferiu um discurso, no século XIX, cujas palavras permanecem vivas e perfeitamente válidas para o Brasil do século XXI, e que se encontra no livro Minha Formação:

Essas grandes verdades que tratei de passar para os vossos espíritos, com mesma força e evidência com que elas se impuseram ao meu, hão de ficar profundamente gravadas no patriotismo e na consciência de todos vós. A primeira foi que há brasileiros ainda sem pátria, e que a Nação brasileira, com regime servil, está posta fora da lei, no interior, abaixo da lei, nas cidades(...) A segunda foi que a propriedade não tem só direitos, tem também deveres, e que ela tem faltado a todos os seus deveres, dos quais não chegou ainda a ter sequer consciência. A terceira foi que a solução do problema da miséria nas cidades, da ociosidade e da indiferença no interior, só pode ser produzida por uma lei agrária, que, por meio de imposto territorial ou da desapropriação, faça voltar para o domínio público toda a imensa extensão de terras que o monopólio escravista não cultiva nem deixa cultivar. A quarta foi que nós precisamos de reformas sociais que tenham por centro esse único interesse nacional - o trabalho - : liberdade de trabalho, amor ao trabalho, instrução técnica e cívica do trabalhador, voto do operário, proteção ao trabalho, criação de indústrias etc., e que precisamos desse grupo de reformas sociais de preferência a mudanças e reformas políticas que não afetam o nosso povo, mas tão-somente a oligarquia criada pela escravidão.

A luta dos abolicionistas contra a escravidão foi intensa, mas a reação das forças conservadoras foi tão violenta, que poucas vezes os abolicionistas acreditavam ver ainda em vida o seu resultado. Quando a campanha abolicionista iniciou-se, em 1879, havia quase dois milhões de escravos no Brasil, e suas crianças, embora libertadas pela Lei do Ventre Livre, viviam de qualquer forma sujeitas ao regime do cativeiro até a maioridade.

A campanha fundamentava-se em alguns princípios de ação: primeiro, a formação da opinião pública por meio da palavra no Parlamento, na imprensa, nos meetings, nos púlpitos das igrejas, nas academias e instituições culturais, nos tribunais; segundo, a ação coerciva que arrebatava os escravos aos senhores; terceiro, a ação junto aos proprietários para convencê-los a libertar seus escravos; quarto, a ação política dos estadistas, que conseguiam concessões por parte do Governo; e, quinto, a ação junto à dinastia. Nesse sentido, Nabuco foi capaz de um gesto de grande sabedoria política: visitou o Papa, em Roma, e conseguiu que este lhe desse um escrito contra a escravidão, o que deixou os proprietários - católicos em sua maioria - arrefecidos. A própria Princesa Isabel teria sido influenciada pelas palavras do Papa, ao assinar a lei que passou a se chamar “Áurea”.

Esses homens, entre tantos outros, consolidaram em nosso País uma tradição de luta. Entre eles, foi Zumbi quem se tornou o símbolo da libertação dos escravos, por sua liderança junto aos milhares de negros fugidos que se associaram em Palmares. Os quilombos não eram sociedades estáticas - embora muitos fossem bastante enraizados - onde se sucediam gerações e se solidificavam comportamentos sociais e econômicos capazes, como no caso de Palmares, de resistir por quase 100 anos às forças repressivas.

Muitos quilombos tiveram envolvimento com outras lutas sociais. Em Palmares, criaram um Estado Negro dentro de um mundo escravista. Os negros fugidos souberam fazer suas alianças políticas, seus tratados de alforria, souberam infundir respeito e medo. Travaram batalhas abolicionistas e criaram para si próprios uma expectativa fundada no mesmo princípio da utopia, criado por Thomas More, no mesmo sonho de sociedade justa e igualitária.

Nem mesmo a abolição das leis escravistas significou para os negros uma libertação. Lançados num mercado despreparado para receber essa imensa força de trabalho remunerada, passaram a ser ainda mais desassistidos. Até hoje, continuam a ser a grande população que habita as favelas, os vãos de viadutos, as filas por emprego, as portas dos hospitais públicos, os presídios. Sofrem por questões ligadas a um profundo preconceito racial, enfrentadas por um movimento negro contemporâneo cada vez mais forte e consciente, como, por exemplo, o Movimento Negro Unificado (MNU), que não se restringia ao combate à discriminação racial, mas pregava a luta por uma sociedade mais justa e igualitária, “por uma autêntica democracia racial”.

A data da morte de Zumbi dos Palmares, dia 20 de novembro, foi proclamada o Dia Nacional da Consciência Negra. Criou-se a Frente Negra de Ação Política de Oposição, a União e a Consciência Negra, a União dos Negros pela Igualdade (Unegro), todos por iniciativa dos próprios negros, assim como diversas associações de cunho oficial, como a Coordenadoria Especial do Negro, durante o Governo de Luiza Erundina, na prefeitura paulistana. Como esses, há diversos outros movimentos na luta pela igualdade entre as raças, espalhados por todo o País.

O exame mais recente das desigualdades no Brasil, incluindo seus aspectos raciais, denota com clareza que a sociedade e os governos pouco fizeram, desde a abolição, em 1888, para corrigir os efeitos de mais de três séculos de escravidão.

De acordo com os estudos organizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nas informações da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PNAD - IBGE), em 1999, os brasileiros afro-descendentes constituem a maior nação negra do mundo, atrás somente da Nigéria; entre os cerca de 160 milhões de indivíduos que compunham população brasileira, 54% se declaravam brancos; 39,9%, pardos; 5,4%, pretos; 0,46%, amarelos e 0,16%, índios. No entanto, os afro-descenentes - negros e pardos - tinham uma presença proporcionalmente muito maior entre os mais pobres, no Brasil, do que a sua participação na população. Para melhor saber o que seria a indigência e a pobreza, definiu o Ipea que a linha de indigência refere-se aos custos de uma cesta alimentar, regionalmente definida, que atenda às necessidades de consumo calórico mínimo de um indivíduo, enquanto a linha de pobreza inclui, além dos gastos com alimentação, um mínimo de gastos individuais com vestuário, habitação e transportes.

Assim, em 1999, dos 170 milhões de brasileiros, cerca de 34% viviam em famílias com renda inferior à linha de pobreza e 14%, em famílias com renda inferior à linha de indigência, correspondendo, respectivamente, a 53 milhões de pobres e 22 milhões de indigentes. Os negros, incluindo os pretos e os pardos, representavam 45% da população, mas correspondiam a 64% da população pobre e 69% da população indigente. Enquanto os brancos correspondiam a 54% da população total, entre os pobres eles eram 36% e entre os indigentes, 31%. Dos 54 milhões de brasileiros pobres, 19 milhões eram brancos; 30,1 milhões, pardos; 3,6 milhões, pretos; 140 mil, indígenas e 76 mil, amarelos. Entre os 22 milhões de indigentes, havia 6,8 milhões de brancos; 13,6 milhões, pardos; 1,5 milhão, pretos; 56 mil, indígenas e 37 mil, amarelos.

Conforme ressalta Ricardo Henriques, em Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90, “nascer de cor parda ou de cor preta aumenta de forma significativa a probabilidade de um brasileiro ser pobre”.

O racismo explica uma dimensão importante da desigualdade baseada em questões culturais, preconceitos, dificuldade de conviver de forma harmoniosa e não hierarquizada com as pessoas que são diferentes. Nesse sentido, vale registrar o esforço desenvolvido pela atual Secretária de Direitos Humanos e Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, Wania de Jesus de Sant’Anna, e pelo Professor do Instituto de Economia da UFRJ, Marcelo Paixão, na direção de interpretar os dados estatísticos oficiais para compor o retrato dessas desigualdades.

O Professor Paixão, no estudo Brasil 2000 - Novos marcos para as relações raciais, demonstra o alto grau de desigualdade entre negros e brancos no País. O ponto de partida são os Indicadores de Desenvolvimento Humano, que foram desenvolvidos pelo PNUD e classificam os 174 países do mundo dentro de um ranking. Essa metodologia utiliza, na construção de indicadores sintéticos, a renda per capita, esperança de vida, alfabetização combinada com a taxa de escolaridade. Segundo esse indicador, com dados referentes a 1999, o Brasil ocupa o 74º lugar. Se aplicássemos o mesmo indicador para a população branca, nosso País ocuparia a 49ª posição. Se fosse calculado para os afro-descendentes, o Brasil seria rebaixado para a 108ª posição, um índice abaixo de países africanos como a Argélia e muito inferior a Trinidad e Tobago. Comparado à África do Sul, o Brasil estaria sete pontos abaixo desse país recém-saído do apartheid.

Segundo dados apresentados por Wania Sant’Anna, no seminário, em Salvador, em 2000, com o tema “Racismo, Xenofobia e Intolerância”, com base nos dados do PNUD, os afro-descendentes possuem uma expectativa de vida seis anos inferior à expectativa da população branca.

Essas diferenças são resultado de condições e padrões de vida significativamente distintos para os dois grupos, o que envolve perfil de mortalidade infantil, fertilidade, nupcialidade, acesso a serviços e infra-estrutura essenciais à qualidade de vida.

As condições dos domicílios chefiados por brancos e afro-descendentes também fornecem informações importantes sobre o porquê de a população afro-descendente ter uma expectativa de vida menor do que a da população branca.

No campo educacional, o grau de desigualdade entre afro-descendentes é tal que, no ano de 1997, os índices educacionais referentes aos brancos eram pouco inferiores aos do Chile e os dos afro-descendentes ficavam próximos aos da Suazilândia.

Os brancos têm um rendimento médio familiar bem maior que o dobro do rendimento dos afro-descendentes.

Tudo isso, Sr. Presidente, faz com que a sociedade brasileira ainda não consiga conviver de forma harmoniosa e não hierárquica entre pessoas de sexo e raças diferentes.

Solicito, Sr. Presidente, que seja considerada a íntegra de meu pronunciamento, pois coloco muitos dados nele.

Quando dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1995, o Deputado Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, leu, da tribuna do Congresso Nacional, a lista dos projetos e ações governamentais que o Movimento Negro Organizado considerava importantes para assegurar sua cidadania, reduzindo a desigualdade, sobretudo com a regulamentação das terras dos quilombos, entregando-se um certificado de propriedade às comunidades negras remanescentes; a indenização aos remanescentes da raça negra pelos mais de 300 anos de escravidão; uma nova política de emprego com redução da taxa de juros e da jornada de trabalho de 44 para 40 horas; a elevação significativa do salário mínimo; a preservação da estabilidade e dos direitos previdenciários; as verdadeiras reformas tributária, fiscal, urbana e agrária; a criação, com urgência, do Programa Nacional de Renda Mínima; a erradicação do analfabetismo em um programa plurirracial de educação, em que se inclua contar a verdadeira história dos índios e dos negros desde o ensino fundamental até o superior; a implantação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, incluindo a instrução do planejamento familiar de maneira não-coercitiva; a reserva de 20% das vagas das universidades públicas para os povos historicamente oprimidos, os negros e indígenas; e melhor definição dos crimes resultantes de preconceito de raça ou cor.

O Sr. Geraldo Cândido(Bloco/PT - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, peço um aparte a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY(Bloco/PT - SP) - Ouço V. Exª, Senador Geraldo Cândido, com muita honra.

O Sr. Geraldo Cândido(Bloco/PT - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, quero saudar V. Exª pelo tema que traz a esta Casa, na tarde de hoje, e dizer a V. Exª que, pelo desenvolvimento do seu discurso, fica claro que neste País nunca houve uma verdadeira libertação dos escravos. Costumo dizer que a Lei Áurea é uma farsa, porque a forma como o Estado brasileiro abandonou os ex-escravos foi uma covardia, uma falta de respeito ao ser humano, porque eles foram entregues à própria sorte, pois não tinham qualificação profissional, escolaridade, patrimônio ou moradia, porque habitavam as senzalas até então. Assim, essas pessoas, esses miseráveis, esses milhões de ex-escravos ficaram jogados à própria sorte. Esses ex-escravos foram, neste País, os primeiros sem-terra, sem-teto, sem-emprego, sem-assistência médica, sem nada, absolutamente. Na verdade, houve uma troca. O Estado brasileiro entendeu, naquele momento, que era muito mais vantajosa a imigração de italianos, portugueses, espanhóis, alemães que viriam para cá qualificados, com profissões definidas, com uma certa escolaridade, e lhes cedeu a terra e facilidades para que eles pudessem trabalhar e desenvolver outras atividades, enquanto a grande população negra ficou abandonada. Os negros foram os primeiros marginalizados deste País. As favelas do Brasil inteiro, os mocambos do Recife, os morros do Rio de Janeiro foram ocupados pelos negros, em condições subumanas e totalmente desassistidos e desamparados. Quero parabenizar V. Exª e dizer que, do meu ponto de vista, a forma como agiu o Estado brasileiro foi uma farsa. Aliás, até hoje há essa farsa quando se diz que o Brasil é uma democracia racial. Este País nunca teve democracia racial. Na História do Brasil, a única sociedade por nós conhecida como democracia racial foi a República dos Palmares. Ali conviviam negros, brancos, índios, europeus, todos irmanados em uma mesma condição de vida. Tanto a cultura como a convivência e a forma de vida constituíam uma democracia racial. O resto é conversa fiada e não tem nada a ver com a libertação dos escravos e a democracia. Mas, enfim, estamos lutando para que, no futuro, consigamos democratizar este País para que haja, realmente, uma igualdade social, uma democracia em que todos nós, independentemente da cor da pele e da condição social, possamos viver irmanados. Essa é a nossa luta. Parabenizo-o pelo seu pronunciamento.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado. Incorporo as palavras de V. Exª, Senador Geraldo Cândido, que conhece tão bem a história do povo negro no Brasil, fazendo parte da comunidade negra do Brasil. V. Exª tem muito honrado e dignificado o povo do Estado do Rio de Janeiro, sucedendo a Senadora Benedita da Silva, que honra o PT, o Estado do Rio de Janeiro e a Nação por ser a primeira governadora mulher negra à frente de um Governo de Estado. Espero que, a partir das eleições do dia 6 de outubro próximo, possa o Brasil estar mais próximo do sonho de estarmos, todos nós, brancos, negros, amarelos, vermelhos, sentando à mesa para conversar e construir um país onde a igualdade seja, efetivamente, uma realidade em termos de direitos, de oportunidades e de possibilidades de todos que habitam esta Nação.

Espero, inclusive, possa o Lula, uma vez eleito Presidente, dar um passo muito importante para a libertação dos povos negros e indígenas.

Muito obrigado.

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SEGUE CONCLUSÃO DO PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY:

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O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Segundo dados apresentados pela Secretaria Wania Sant’Anna, no seminário, em Salvador, em 2000, organizado pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais - IPRI do Ministério das Relações Exteriores, “Racismo, Xenofobia e Intolerância”, com base nos dados do PNUD, os afro-descendentes possuem uma expectativa de vida de 6 anos inferior à expectativa da população branca; 2.) os homens afro-descendentes têm a mais baixa expectativa de vida entre os brasileiros, 62 anos; 3.) as mulheres afro-descendentes tem expectativa de vida 8 meses abaixo da média nacional que é de 66,8 anos; 4.) os homens brancos têm expectativa de vida de 69 anos, 1 ano a mais sobre a expectativa de vida da população afro-descendentes no seu conjunto; 5.) e, as mulheres brancas com expectativa de vida de 71 anos, estão acima de todos os grupos e média nacional de 70 anos. Nessa velocidade, segundo o Prof. Paixão, essa desigualdade entre brancos e negros vai ser dissolvida em 160 anos para ser superada.

Essas diferenças são resultados das condições e padrões de vida significativamente distintos para os dois grupos, o que envolve o perfil de mortalidade infantil, fertilidade, nupcialidade, acesso a serviços e infra-estrutura essenciais à qualidade de vida.

Os dados da PNAD, de 1996, informam que a taxa de mortalidade infantil das crianças afro-decendentes era de 62,3 por mil. No caso das crianças das crianças brancas essa taxa era 37,3 por mil. No que diz respeito à taxa de mortalidade infantil das crianças menores de cinco anos, as diferenças são ainda mais expressivas. No caso das crianças afro-descendentes essa taxa é de 76,1 por mil enquanto para as crianças brancas essa taxa é de 45,7 por mil.

As condições dos domicílios, chefiados por brancos e afro-descendentes também fornecem informações importantes sobre o porquê a população afro-descendente tem uma expectativa de vida menor do que a população branca. Segundo, os dados da Pesquisa sobre o Padrão de Vida - PPV, do IBGE, (1996-1997), 32% dos domicílios com chefes afro-descendentes foram classificadas como inadequadas, enquanto os inadequados dos chefes brancos são apenas 12%. Nos domicílios adequados, esta proporção para a chefia branca é de 54% enquanto apenas 26% para os negros.[1] O acesso aos serviços de água tratada e esgotamento sanitário também revelam diferenças significativas: 35,3% dos domicílios chefiados por afro-descendentes não possuem água tratada, contra 19% dos domicílios chefiados por brancos. Quanto ao esgotamento sanitário, 50,3% dos domicílios chefiados por afro-descendentes não dispõem deste serviço, contra 26,4% dos domicílios chefiados por brancos.

No campo educacional, o grau de desigualdade entre afro-descendentes e brancos e tal que no ano de 1997, os índices educacionais referentes aos brancos eram um pouco inferiores aos do Chile e os do afro-descendentes ficavam próximos aos da Swazilândia. No ranking do IDH, em 1997,os negros ocupavam o 105º posto enquanto os brancos situavam-se em 46º lugar. Em 1999, 91,7% dos brancos com mais de 15 anos eram alfabetizados, enquanto, entre os negros, essa taxa era de 80,2%. Em 1997, a taxa era de 78% entre os negros e 91% entre os brancos. No que diz respeito às taxas de escolarização, segundo a PNAD 97, essas são ainda mais expressivas: 6,2 anos de estudo para a população branca e 4,2 anos de estudo para a população afro-descendente.

Por sua vez, os brancos têm um rendimento médio familiar de 3,12 salários mínimos, valor que é mais do que o dobro dos afro-descendentes, que tem de sobreviver com 1,32 salários mínimos de rendimento médio familiar.

O Brasil ainda hoje a sociedade brasileira ainda não consegue conviver de forma harmoniosa e não hierárquica entre pessoas de sexo e raça diferentes. As mulheres negras convivem com a combinação de duas discriminações: a racial e a gênero. Pois a diferença entre o salário médio de um homem branco e uma mulher negra chega a 295%. Segundo as estatísticas oficiais, 79,4 % da população ocupada que realiza trabalhos manuais são mulheres negras. Destas, 51% estão no emprego doméstico, 28,4% são lavadeiras, passadeiras, cozinheiras e serventes. Por sua vez, as mulheres negras representam apenas 2,2% dos empregos de secretária e recepcionista. Quando observamos a o impacto da deterioração das relações de trabalho no emprego feminino, registramos que 49% das mulheres negras e 46,9% das pardas têm carteira assinada, enquanto este índice chega a 60,6% entre as mulheres negras.

O rendimento nacional entre negros e brancos em salários registram com uma transparência meridiana as duas discriminações: a racial e a de gênero, o homem branco tem um rendimento de 6,3 salários mínimos; a mulher branca, 3,6 salários mínimos,; o homem negro; 2,9 salários e a mulher negra apenas 1,7 salários mínimos.

Por fim, as mulheres negras têm 25% menos chance de chegar aos 75 anos do que as mulheres brancas.

Quando da lembrança dos 300 anos da morte de Zumbi de Palmares, em 20 de novembro de 1995, o deputado Paulo Paim (PT-RS) leu da tribuna do Congresso Nacional a lista dos projetos de lei e ações governamentais que o Movimento Negro Organizado considera importantes para assegurar a cidadania dos negros e reduzir a desigualdade racial no brasil, com a regulamentação das terras dos quilombos, entregando-se um certificado de propriedade às comunidades negras remanescentes; a indenização aos remanescentes da raça negra, pelos mais de 300 anos de escravidão; uma nova política de emprego, com redução da taxa de juros e da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais; a elevação significativa do salário mínimo; a preservação da estabilidade e dos direitos previdenciários; as verdadeiras reformas tributária, fiscal, urbana e agrária; a criação, com urgência, do Programa Nacional de Renda Mínima; a erradicação do analfabetismo; um programa plurirracial de educação, em que se inclua contar a verdadeira história dos índios e dos negros desde o ensino fundamental até o superior; a implantação do Programa de Assistência Integral da Saúde da Mulher, incluindo a instrução do planejamento familiar de maneira não-coercitiva; a reserva de 20% das vagas das universidades públicas para os povos historicamente oprimidos, os negros e indígenas, e melhor definição dos crimes resultantes de preconceito de raça ou cor.

[1] A classificação das condições de moradia elabora indicadores de habitação segundo a qualidade da construção, disponibilidade de infra-estrutura de serviços e a densidade de ocupação do imóvel.

Domicílios adequados são aqueles com: piso (madeira aparelhada, carpete, cerâmica, lajota, ardósia ou cimento); parede (alvenaria e madeira aparelhada); teto (telha, laje de concreto, madeira aparelhada e zinco; esgoto/instalação sanitária (rede geral ou fossa séptica/banheiro de uso exclusivo dos moradores do domicílio); água (abastecimento por rede geral); lixo (coletado); energia (rede geral); densidade (critério que excluí banheiro e cozinha do cômputo dos cômodos dos cômodos habitáveis e admite moradores por cômodo habitável).

            Domicílios inadequados são aqueles com: piso (madeira aproveitada, terra e outros); parede (tijolo sem revestimento, taipa não revestida, madeira aproveitada e outros); teto (madeira aproveitada e outros); esgoto/instalação sanitária (outros tipos de esgotamento, banheiro de uso comum para mais de um domicílio); água (poço dentro ou fora da propriedade, bica pública, carro pipa e outros); lixo (queimado ou enterrado, jogado em terreno baldio, rio e outros); energia (gerador, lampião, vela); densidade (três ou mais moradores por cômodo habitável).


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