Pronunciamento de Emília Fernandes em 09/05/2002
Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Protestos de agricultores no Sul do país, que solicitam medidas de auxílio contra os graves prejuízos decorrentes da estiagem.
- Autor
- Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA AGRICOLA.:
- Protestos de agricultores no Sul do país, que solicitam medidas de auxílio contra os graves prejuízos decorrentes da estiagem.
- Aparteantes
- Moreira Mendes.
- Publicação
- Publicação no DSF de 10/05/2002 - Página 7708
- Assunto
- Outros > POLITICA AGRICOLA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, DIARIO CATARINENSE, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), PROTESTO, AGRICULTOR, SOLICITAÇÃO, AUXILIO, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, SECA, PERDA, SAFRA.
- INFORMAÇÃO, CRIAÇÃO, FEDERAÇÃO, AGRICULTOR, FAMILIA, REGIÃO SUL, TENTATIVA, DIALOGO, GOVERNO FEDERAL, PROPOSTA, FORMAÇÃO, SEGURO AGRARIO, ANISTIA, DIVIDA AGRARIA, PERIODO, SECA, URGENCIA, LIBERAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, AUXILIO, MUNICIPIOS, REGIÃO ARIDA.
- INFERIORIDADE, POLITICA AGRICOLA, BRASIL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INCAPACIDADE, CONCORRENCIA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
- ANALISE, INSUFICIENCIA, VALOR, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DESTINAÇÃO, AUXILIO, SECA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATENDIMENTO, AGRICULTOR, REGIÃO SUL, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, DEBATE.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a região Sul do meu Estado vive momentos de grande preocupação. Os jornais, tanto os do Estado de Santa Catarina quanto os do Rio Grande do Sul, nestes últimos dias principalmente têm noticiado fatos que estão diretamente ligados à vida das pessoas, à produção econômica primária da nossa região, portanto, fator primordial para o desenvolvimento econômico e social.
Os jornais de ontem publicaram: “Protesto de agricultores pára tráfego em três rodovias. Produtores pedem medidas de auxílio às famílias prejudicadas”; “Prejuízos com seca provocam jornada de protestos em Santa Catarina”; Agricultores continuam em estradas de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Seca desespera agricultores no Sul”.
As notícias de hoje, Sr. Presidente, são mais graves e mais preocupantes ainda. O Diário Catarinense, de Santa Catarina, publica: “Bloqueio de rodovias acaba em confronto”.
Policiais usam gás, água e tiros para dispersar agricultores”. “Policiais reabrem rodovia à força”.
Publicam os jornais do Rio Grande do Sul: “Agricultores são presos por resistirem à ação judicial na BR 153.” “Estiagem. Protesto termina em confronto”.
Sr. Presidente, queremos registrar e pedir a atenção desta Casa e dos órgãos governamentais federais e estaduais para este grave problema, que é de grande importância para o Brasil, não apenas para a nossa Região.
Na fronteira do Rio Grande do Sul com Santa Catarina e parte do Estado do Paraná sofre com a estiagem tem ocorrido uma estiagem muito grande desde o final do ano passado, com ausência de chuvas há mais de 180 dias, o que tem causado grandes prejuízos à agricultura e, portanto, à economia da região.
Com desespero e indignação, os agricultores e suas famílias bloquearam as estradas com seus tratores, suas máquinas. Agricultores amarrados em pontes com cabos de aço, clamando por justiça e para serem ouvidos. Manifestações públicas tentam dar visibilidade ao grave problema. Os agricultores saem às estradas, clamando pela atenção dos governantes, pedindo justiça e, principalmente, dizendo que desejam continuar produzindo, permanecer na terra e não ir para os grandes centros, onde estão vários agricultores deste Brasil, engrossando as fileiras da miséria nas favelas.
Portanto, estradas e pontes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina se tornam espaços de manifestações e de protesto. Agricultores familiares, pequenos agricultores estão acampados à beira das estradas.
Nos últimos dois dias, exatamente como já anunciei, o clima de tensão aumentou; o confronto se torna uma realidade. Mais uma vez, este País das desigualdades, da concentração de renda, das injustiças sociais, do êxodo rural vê a terra, que deveria estar produzindo, gerando emprego e renda, ser regada pela humilhação. Vinte pessoas feridas nesse confronto, vinte e um agricultores presos, levados algemados para as prisões. As terras deste País, que deveriam estar matando a fome não apenas da nossa gente, mas da população mundial, vê-se regada não pela chuva dadivosa, que aquela região espera, que está faltando e que é tão necessária, mas pelo sangue da violência, pela injustiça e pela angústia daqueles que clamam e teimam em permanecer no campo e não nas grandes favelas.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Região Sul do Brasil possui 994,54 mil propriedades rurais, das quais 907,6 mil, representando 91,3% do total, são familiares, são pequenas e médias propriedades. Para ver a importância dessa fatia da agricultura para a Região, basta ver que, apesar de ocupar apenas 44% da área cultivada, é responsável por 80% da produção de leite; 68%, de suínos; 61%, de aves e ovos; 77%, de laranja; 58%, de algodão; 80%, de feijão; 92%, da cebola; 97%, do fumo; 89%, da mandioca; 65%, do milho; 51%, da soja; e 50%, do trigo.
Além disso, deve-se lembrar também que, na Região Sul, existem 1.154 Municípios, dos quais 935 (80,7%) têm até 20 mil habitantes, onde a economia é predominantemente afetada pelos resultados da agricultura. A população desses Municípios chega a 6,7 milhões de pessoas ou 26,9% da população total da Região Sul. Além disso, há mais 841,6 mil pessoas no meio rural, nos Municípios que têm entre 20 e 50 mil habitantes, que representam 3,35% da população total do Sul.
Podemos dizer que 30,2% da população da Região Sul vivem diretamente da agricultura e que mais de 80% de seus Municípios têm nesse ramo sua principal atividade econômica. Dessa forma, a situação pré-falimentar da agricultura na região significa também enormes dificuldades para esses Municípios. A resolução da situação dos agricultores é, portanto, de interesse de toda a sociedade desses Estados, a fim de evitar o êxodo rural e a miséria(*), que podem atingir uma região altamente significativa para o desenvolvimento econômico do Brasil.
Embora a agricultura familiar esteja distribuída em praticamente toda a Região Sul, a área de importante aglutinação dessa está no sudoeste do Paraná, oeste de Santa Catarina e Alto Uruguai, no Rio Grande do Sul.
Desde o final do ano passado, essas regiões estão sendo atingidas pela estiagem, que, por sua duração e intensidade, está afetando significativamente a safra de verão, a principal dos agricultores dessas regiões. Além disso, há prejuízos incomensuráveis também para as criações, pois se trata de região onde está uma fatia importante dos agricultores integrados às agroindústrias de frangos e suínos. Com a falta de chuvas, a quase totalidade dos aviários e granjas dessas regiões está reduzindo sua produção, deixando agricultores sem renda e as empresas sem matéria-prima para processar, reduzindo o abastecimento de carnes no mercado interno e podendo até comprometer as estimativas de exportação das integradoras para este ano.
Há agricultores, Srs. Parlamentares, que, em virtude da seca, de um lucro estimado em aproximadamente 20 mil com a colheita, caso não houvesse estiagem, passaram, na realidade, a ter prejuízo, uma vez que não colheram quase nada. Para piorar a situação, os pequenos agricultores assumiram compromissos junto à rede oficial de crédito, para financiar a sua safra e agora não têm como pagar essa conta devido ao clima.
No caso dos aviários, com a seca, os criadores estão tendo que comprar água(*), e nem todos os Governos municipais estão tendo a sensibilidade de entrar com pelo menos parte do custo. Como exemplo, pode-se citar o caso de um criador de perus, da cidade de Chapecó, que, num ciclo de 180 dias, tem uma renda bruta de aproximadamente R$4,9 mil. Com a seca, para manter o aviário, ele foi obrigado a adquirir água, cujo preço no mercado é R$50,00/dia. Desse modo, durante os 180 dias, o custo com a água chega a R$9.000,00. Resultado: esse agricultor está deixando a sua propriedade. Entregará os perus àqueles com que se havia comprometido e terá que abandonar sua criação.
Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, perguntamos que País é este, em que os sem-terra clamam por um pedaço de terra, para plantar e produzir; os agricultores, sem uma política agrícola, são jogados ao confronto dos grandes com os que não têm; os pequenos e heróicos plantadores da esperança, que são os agricultores familiares, são jogados ao abandono, ao descaso e clamam por justiça à beira das estradas. Todos, jogados à própria sorte, ficam à mercê das regras do clima, da chuva, da seca, da enchente, do preço, que não compensa, da semente, que é insuficiente, do recurso, que não sai do papel, da irresponsabilidade e até da omissão daqueles que deveriam olhar o setor primário com mais atenção.
Portanto, Sr. Presidente, os agricultores daquela região organizaram-se numa federação dos agricultores familiares da região sul, a Fetraf, e estão se mobilizando desde o início do ano, com a intenção de sensibilizar a sociedade e os Governos, tanto o federal como os estaduais, do Sul, para a dificílima realidade por que estão passando. Dessa forma, eles têm se reunido com Prefeitos, Vereadores e Deputados e fizeram um grande fórum de debate sobre a seca. Inclusive, há representantes em Brasília conversando com os Parlamentares, Deputados Federais e Senadores. O que eles desejam é abrir um canal de diálogo efetivo, concreto com o Governo Federal.
Levamos esse apelo ontem, junto com os representantes dos agricultores, ao líder do Governo nesta Casa, Senador Artur da Távola, para que S. Exª clamasse à Presidência da República que receba os agricultores e estabeleça um diálogo com pessoas definidas dentro dos setores e dos ministérios adequados, para que se avance nas reivindicações.
Os agricultores da Região Sul têm propostas para apresentar ao Governo. Registro aqui os principais itens, Sr. Presidente:
- Formação de seguro-renda, no valor de R$2,4 mil por família (um salário mínimo mensal - R$200,00 - durante um ano), referente à safra de 2002, como programa governamental;
- Seguro agrícola nacional voltado à realidade da Agricultura Familiar;
- Anistia total da parcela do crédito de investimento e custeio, referente a 2002, para os agricultores atingidos e que comprovem a perda das lavouras;
- Anistia do pagamento do troca-troca;
- Adoção por parte de um programa imediato de reflorestamento de matas ciliares para a proteção dos mananciais de água;
- Anistia em Santa Catarina do crédito de emergência, em virtude da frustração da safra 1995/96;
- Liberação imediata dos recursos já previstos no Orçamento Federal para as obras de infra-estrutura no combate à seca nos municípios atingidos.
O Rio Grande do Sul foi rápido. O Governo do nosso Estado já chegou com o socorro, com a anistia, com a semente, enfim, para auxiliar os nossos produtores. Os agricultores aguardam medidas semelhantes dos outros Estados.
Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos colocando exatamente a necessidade de este País estabelecer urgentemente uma política agrícola que dê garantias para que o homem e a mulher do campo permaneçam plantando e produzindo, que possam passar a esperança para os seus filhos de que vale a pena investir na terra.
Os jornais apontam as notícias internacionais a respeito. Não quero me aprofundar, mas é importante refletirmos: “Senado dos EUA aprova lei que aumenta subsídios a agricultores.” Aumenta em cerca de 80% os subsídios aos produtores rurais. Soja, algodão, frutas, grãos, leite, fruticultura, verduras, enfim, o Governo americano vai colocar US$190 bilhões nos próximos dez anos para ajudar os agricultores. E querem ainda, Srs. Parlamentares, que o Brasil entre para uma área de livre comércio com os Estados Unidos nestas condições: nossos empresários fragilizados, a nossa agricultura praticamente abandonada e os Estados Unidos cada vez mais garantidos, implementando políticas altamente prejudiciais para os países em desenvolvimento.
Leio em notícia da imprensa: “O Governo Federal estuda a desapropriação de 25 mil hectares de terras pertencentes à Associação das Famílias para Unificação e Paz Mundial, que representa, no Brasil, os interesses do Reverendo Moon.” E diz mais adiante: “Informações preliminares dão conta de que todas as fazendas de Moon são improdutivas, apesar de serem boas para o assentamento”. E ainda: “O reverendo também pode perder outros 30 mil hectares, que deveriam ser devolvidos à União por constarem como reservas ambientais”. São terras pertencentes a essa Associação, cujos objetivos realmente não sabemos, que estão abandonadas, privilegiando esse segmento, comandado pelo tal de Reverendo Moon, nas quais poderíamos estar plantando e produzindo alimento para nossa gente.
Sr. Presidente, concluo, clamando, em nome dos agricultores da Região Sul que até agora não foram atendidos pelo Governo Federal, uma audiência com o Presidente da República. Os números são alarmantes. Só em Santa Catarina, tivemos 78 municípios atingidos; no Rio Grande do Sul, 227, num total de 260 mil famílias na Região Sul do Brasil atingidas pela seca. Tivemos perdas de 55% da produção de milho; 70% da produção de feijão; 25% da produção de leite. Os prejuízos chegam a um total de R$1 bilhão só nos dois Estados, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Parece-me que o Governo encaminha hoje ao Congresso Nacional uma Medida Provisória que prevê uma bolsa-estiagem no valor de R$13 milhões e 200 mil para os dois Estados - Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Acontece que esse dinheiro é insuficiente, Sr. Presidente. Imaginem V. Exªs. que essa bolsa-estiagem daria R$120, por família de agricultores, a serem pagos em dois meses. Como um agricultor que perdeu toda a sua plantação, que perdeu toda a sua safra e que está com os seus animais e aves correndo risco, agüentará até a próxima safra, que ele já precisa começar a pensar em plantar?
O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Permite-me V. Exª um aparte?
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Ouço o Senador Moreira Mendes e, com o aparte de S. Exª, Sr. Presidente, encerro a minha participação.
O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Ilustre Senadora, ouço com atenção o seu pronunciamento. O tema abordado por V. Exª, há vinte minutos, eu e o Senador Jonas Pinheiro abordávamos numa entrevista. Realmente a questão da agricultura no País tem que ser encarada com mais responsabilidade. No momento em que me solidarizo com V. Exª e com os agricultores do Sul, quero fazer aqui um comentário a respeito da Alca. Devemos ter uma atitude, no Congresso Nacional, muito clara de repúdio a esse acordo internacional, enquanto os americanos, os canadenses e os europeus permaneceram com essa política de subsídio às suas agriculturas. Essa lei recente dos Estados Unidos, a que V. Exª se referiu, na verdade, é muito maior. Informações técnicas dão conta de que os governos canadenses, americanos e europeus investem cerca de US$1 bilhão por dia nos subsídios da agricultura; quer dizer, o nosso agricultor, na realidade, tem como seu maior competidor o tesouro americano. Essa é a gravidade! Se não bastassem essas circunstâncias, ilustre Senadora, ainda temos que conviver com a questão ambiental, Medida Provisória 2.166, que engessa o desenvolvimento da Região Norte, que impede o nosso desenvolvimento; o impedimento da construção ou da consolidação das hidrovias, tudo isso para prejudicar o desenvolvimento da nossa agricultura. Para ser rápido - percebo que seu tempo já se esgotou -, quero manifestar minha solidariedade e parabenizar V. Exª pelo excelente pronunciamento.
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Só acrescento, Sr. Presidente, diante da importância do aparte: por isso, Senador, a nossa contrariedade, manifestação pública e expressa do Partido dos Trabalhadores contra a Alca nessas condições que nem o povo brasileiro nem nós, do Congresso Nacional, conhecemos. Sabemos que é protecionismo para eles e para nós salve-se quem puder.
Sr. Presidente, solidarizo-me com a luta dos agricultores da Região Sul, em especial da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar - Fetraf - e clamo ao Governo Federal atenção, ou seja, que estabeleça uma mesa de diálogo, porque neste País recurso para Proer, para salvar bancos existe, para salvar o dito prejuízo das empresas de energia vão estar à disposição bilhões de reais, inclusive sendo cobrados do consumidor; a agricultura não pode continuar abandonada à sorte da chuva ou da seca.
Era o registro que gostaria de fazer, Sr. Presidente, clamando também pelo apoio de todos os Parlamentares desta Casa.
Muito obrigada.