Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Conseqüências às exportações brasileiras da aprovação da nova lei agrícola norte-americana, fato que sinaliza o recrudescimento do protecionismo comercial daquela nação.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. AGRICULTURA.:
  • Conseqüências às exportações brasileiras da aprovação da nova lei agrícola norte-americana, fato que sinaliza o recrudescimento do protecionismo comercial daquela nação.
Aparteantes
Gerson Camata.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2002 - Página 7713
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. AGRICULTURA.
Indexação
  • CRITICA, PARLAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AMPLIAÇÃO, PROTECIONISMO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, PREJUIZO, COMERCIO EXTERIOR, REDUÇÃO, EXPORTAÇÃO, BRASIL.
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), BANCO MUNDIAL, DECLARAÇÃO, EXCESSO, PROTECIONISMO, SUBSIDIOS, PAIS INDUSTRIALIZADO, IMPEDIMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GUERRA, COMBATE, TERRORISMO, EXCESSO, PROTECIONISMO, AGRICULTURA, AÇO, DOMINIO ECONOMICO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • NECESSIDADE, BRASIL, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, DENUNCIA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), INJUSTIÇA, COMERCIO EXTERIOR, COMBATE, PROTECIONISMO, PAIS INDUSTRIALIZADO.

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado americano, ontem, aprovou por 64 votos a 35, a nova lei agrícola americana, conhecida como Farm Bill, que estabelece uma generosa rede de proteção aos agricultores americanos, cujo efeito mais direto é a elevação dos subsídios na agricultura daquele país em aproximadamente US$ 190 bilhões para os próximos dez anos, o que representa um incremento em torno de 80% nos subsídios normalmente concedidos pelos Estados Unidos aos seus agricultores. Com isso, o Congresso americano conclui a tramitação desse projeto de lei que já havia sido aprovado pela câmara de deputados dos Estados Unidos da América. Essa lei deverá estar sendo encaminhada hoje à sanção por parte do Presidente George W. Bush.

Essa nova lei agrícola americana significa um recuo na tentativa de o Congresso americano diminuir os subsídios à agricultura daquele país, por meio da Lei de Liberdade de Cultivo, em debate naquela casa desde 1996.

Certamente, essa iniciativa das autoridades americanas suscitará novos e calorosos debates junto à Organização Mundial de Comércio e a outros fóruns internacionais, porque, a exemplo de outras medidas comerciais restritivas - a mais recente delas e de maior repercussão foi o estabelecimento de sobretaxa e de cotas sobre as importações americanas de aço -, torna-se cada vez mais claro o recrudescimento do protecionismo, no comércio internacional, cujos efeitos se retransmitem para todos os continentes.

A nova lei agrícola americana, como formulada, repercutirá de forma marcante sobre a agricultura brasileira. Ao aumento de subsídios previstos se somam as medidas de proteção, como barreiras tarifárias, ambientais e sanitárias, já impostas na importação de nossos principais produtos agrícolas, a exemplo do suco de laranja. Estabelece, portanto, barreiras cada vez mais fortes às nossas exportações de produtos primários e agroindustriais semiprocessados, fechando oportunidades de expansão das exportações dos países mais pobres.

A agricultura brasileira já demonstrou sua eficiência competitiva no mercado internacional, notadamente nos casos da soja, do café, do suco de laranja, do milho, do açúcar e das carnes bovina, suína e de aves. Segundo dados da Associação Brasileira de Agrobusiness, o setor já perde, anualmente, US$ 12 bilhões em decorrência de restrições no comércio internacional.

Com efeito, no ano passado, em reunião do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, realizado em Genebra, os diretores da Organização Mundial de Comércio, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial advertiram que os principais impedimentos do progresso dos países emergentes residem no protecionismo dos países mais ricos, incluídos os subsídios agrícolas.

A nova lei agrícola americana surge num momento em que se vislumbrava um ambiente mais favorável às reivindicações dos países em desenvolvimento no cenário internacional. Esse ambiente favorável baseava-se, principalmente, em dois acontecimentos.

O primeiro deles: em Doha, no Catar, no fim do ano passado, a conferência da Organização Mundial de Comércio introduziu, na sua pauta, as reivindicações de redução dos subsídios agrícolas, propostas pelos países em desenvolvimento - o que os americanos estão fazendo, portanto, é exatamente o contrário. Além desse acontecimento, em Nova Iorque, no Fórum Econômico Mundial, realizado em fevereiro deste ano, fortaleceram-se as discussões sobre a importância da reforma agrícola para o comércio internacional desses mesmos países.

É relevante destacar, aqui, a posição do diretor-geral da Organização Mundial de Comércio, Mike Moore, no referido Fórum Econômico Mundial, ao comentar o problema do protecionismo à agricultura nos países ricos: “os países em desenvolvimento ganharão oito vezes mais com a reforma agrícola” - portanto, com a redução dos subsídios agrícolas - “do que ganhariam com o perdão da dívida externa”.

A própria União Européia, cujos países mais ricos são históricos protetores da agricultura, vinha sinalizando que repensaria sua política agrícola, dentro de uma perspectiva de incorporar a seu bloco os dez países do Leste Europeu, que têm na agricultura sua principal fonte de renda e sustento.

São por essas e outras razões que julgamos a nova lei agrícola americana um equívoco e um retrocesso.

É interessante observar que os Estados Unidos, os países da União Européia e o Japão, que pregam a liberalização do comércio internacional, contraditoriamente concedem subsídios da ordem de US$1 bilhão/dia, provocando distorções nas relações comerciais, gerando desemprego, promovendo a pobreza e a fome em vários países, muitos deles ainda mais pobres do que o Brasil.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Ricardo Santos?

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES) - Ouço, com prazer, o aparte do nobre Senador Gerson Camata.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Ilustre Senador Ricardo Santos, V. Exª é um homem que teve quase toda a sua vida dedicada à agricultura. Foi, talvez, o Secretário de Agricultura mais ilustre, mais importante e que mais fez pela agricultura do Estado do Espírito Santo. Tem dedicado os seus conhecimentos de economia de uma maneira muito acentuada ao desenvolvimento da agricultura do nosso Estado e da agricultura do Brasil. V. Exª traz ao Senado brasileiro uma preocupação que nos remete a temores. Não escondo de ninguém que sempre tive uma profunda admiração pelos Estados Unidos, mas nos últimos tempos tenho me decepcionado com aquele país. Eles declararam uma guerra contra o mundo, contra o povo palestino, contra a indústria dos países subdesenvolvidos, criaram esse problema do aço, enfim, é uma guerra contra todos. Agora, para entrar naquele país, até Ministros brasileiros têm que passar pelo constrangimento de tirar os sapatos, para que agentes americanos possam passar os calçados numa máquina. Trata-se de uma guerra contra os habitantes dos países do Terceiro Mundo. Agora, surge essa lei agrícola. Isso é um trator ou uma verdadeira colheitadeira passando por cima da agricultura de todos os países, principalmente a do Brasil - parece que ela é até dirigida. Além disso, há aquilo a que V. Exª se referiu, que eles já vinham com aquelas barreiras tarifárias, sanitárias, ecológicas. Agora, eles escancararam; há um isolamento econômico, militar. Alguém lá de dentro há que advertir o governo de que esse tipo de política externa, econômica, militar que vêm sendo praticada talvez não seja o melhor nem para os Estados Unidos. E para o mundo, é claro, que não é. Veja V. Exª, agora, por exemplo, esse apoio incondicional a Israel em relação a esse massacre de Genin, que não pode nem ser apurado; e estão tentando julgar o Pinochet, estão julgando o Milosevich. E quando é que julgarão o Ariel Sharon nesse tribunal de Haia? Será que esse tribunal só existe para os outros? Eles precisam ser advertidos; vejam os acenos que os americanos vinham fazendo no sentido da participação do Brasil na Alca. Como? Quem vai participar do mercado comum, que tem uma parte do leão e a parte do mosquito, sendo que o leão está com o rabo para abanar o mosquito a todo momento, jogando até fora da possibilidade de se aproximar de qualquer participação. Cumprimento V. Exª. É uma preocupação do mundo ocidental entender o que está havendo com os Estados Unidos, que tipo de política externa é essa, quem está implantando essa política, quem são esses conselheiros do Presidente Bush e para onde eles vão levar o mundo com isso. Estão criando, em todo mundo, guetos de ódio contra os norte-americanos, que vão se isolando. Sei que o mundo deve muito a eles. Quantos milhões de americanos morreram para livrar o mundo do nazismo? Quantos americanos morreram para livrar o nome da outra ditadura que era o comunismo? Mas daí a cobrar caro do resto do mundo - desculpem-me - estão seguindo em direção a uma situação pior do que aquela que combateram. Peçamos a Deus e a pessoas como V. Exª, que reage com prudência, mostrando efetivamente o que está acontecendo, façam com que eles repensem essas políticas discriminatórias que estão praticando contra o resto do mundo.

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES) - Agradeço o aparte de V. Exª, que amplia a visão aqui expressa no meu pronunciamento ao comentar o isolamento, não apenas econômico, mas militar, do ponto de vista do tratamento do terrorismo no mundo.

Isso nos traz, concordo com V. Exª, preocupações, muito sérias, pois vivemos hoje no mundo unipolar, com uma grande potência que impõe ao resto do mundo medidas no campo econômico, militar e que traz restrições e inibem mesmo o crescimento dos países mais pobres, como veremos a seguir.

Srªs e Srs. Senadores, tivemos oportunidade de registrar, desta tribuna, em outras oportunidades, o nosso posicionamento sobre ocorrências que sinalizavam claramente a exacerbação do protecionismo comercial norte-americano:

Em fevereiro, já abordávamos as iniciativas das autoridades americanas, com vistas a estabelecer pesadas restrições à importação do aço brasileiro;

Em maio de 2001, manifestando-nos sobre a ALCA - Área de Livre Comércio das Américas, alertávamos, entre outras coisas, sobre a necessidade de discussão das políticas não tarifárias impostas aos produtos brasileiros, destacando-se as políticas antidumping e os pesados subsídios concedidos pelo governo americano à sua agricultura;

Em agosto, além de retornar a questão da proteção à indústria do aço americano, impondo restrições tarifárias às exportações brasileiras de aço para aquele país, já alertávamos sobre a edição da lei agrícola americana, em tramitação no Congresso americano, que, em síntese, previa um programa de apoio à agricultura, com subsídio implícito, diminuindo a competitividade de produtos primários da América Latina, naquele País.

De fato, a onda protecionista cria obstáculos para a redução da vulnerabilidade externa que caracteriza a maioria das economias emergentes. A esse respeito, é emblemática a posição de organismos multilaterais especialmente a do Banco Mundial - BIRD (que se manifestou contrariamente às restrições americanas às importações de aço) baseado nos efeitos que medidas desse teor podem ter sobre os países mais pobres no que se refere à diminuição das taxas de crescimento do PIB, à diminuição do nível de emprego, as possibilidades de redução da pobreza nesses países e a redução da capacidade de pagamento de compromissos financeiros junto aos seus credores internacionais.

Os países mais ricos, sob a liderança dos Estados Unidos, a despeito do discurso liberalizante (que induziu e fez acelerar a abertura econômica dos anos noventa) estão, neste início de século, remando contra a história e inviabilizando - na prática - qualquer proposta de formação de novas áreas de livre comércio. Referimo-nos mais especificamente à Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA, tendo em vista a enorme contradição entre o discurso e a prática.

O travamento do comércio internacional, com as medidas protecionistas, retira dos países emergentes e dos mais pobres, a grande vantagem que poderia derivar do processo genericamente chamado “globalização”: ampliação das possibilidades de venda de seus produtos para o resto do mundo, considerando que as exportações podem representar uma fonte primária de crescimento, oportunidade de expansão dos postos de trabalho e perspectiva de padrões de vida mais dignos para as suas populações.

O movimento protecionista em escala mundial conduz, na verdade, a médio prazo, a problemas de difícil solução nas relações entre os países, na medida em que bloqueia a necessária redução das desigualdades de padrões de desenvolvimento e níveis de vida entre as nações, considerando-se a evidente importância do comércio exterior para o crescimento e expansão dos negócios no contexto de economias cada vez mais integradas ao mercado internacional.

O Governo brasileiro tem, como grande desafio, no presente e no futuro, lutar com vigor junto aos organismos internacionais, como a Organização Mundial de Comércio, no sentido de denunciar e combater práticas de comércio injustas e ilegítimas, as quais impedem o desenvolvimento de atividades econômicas em que o Brasil, conforme já afirmamos, detém inequívoca capacidade de competição no mercado mundial.

Se necessário, deveremos adotar posições de defesa a segmentos econômicos relevantes que poderão, a despeito de sua eficiência competitiva, ser prejudicados com práticas protecionistas, as quais, artificialmente, aumentam as vantagens comparativas dos países ricos que as praticam.

Precisamos, de forma determinada, na defesa de nossos interesses comerciais, usar os mesmos instrumentos que os países desenvolvidos utilizam.

Certamente, os países desenvolvidos, ao assumirem a posição ambígua de defender a liberalização do comércio, sem, entretanto, praticá-la, contribuem para a manutenção e mesmo para o aprofundamento do atraso econômico nos países periféricos.

Esse processo pode conduzir ao acirramento de relações conflituosas entre as nações do mundo atual, que, certamente, jamais poderão ser resolvidas pela prepotência ou pela força.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2002 - Página 7713