Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 09/05/2002
Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Insatisfação diante dos índices apresentados pelo setor de saneamento básico no País.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA SANITARIA.:
- Insatisfação diante dos índices apresentados pelo setor de saneamento básico no País.
- Publicação
- Publicação no DSF de 10/05/2002 - Página 7821
- Assunto
- Outros > POLITICA SANITARIA.
- Indexação
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- APRESENTAÇÃO, DADOS, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), PRECARIEDADE, SANEAMENTO BASICO, MUNICIPIOS, SITUAÇÃO, POBREZA, SUBDESENVOLVIMENTO, AUSENCIA, COLETA, LIXO, LIMPEZA PUBLICA, FALTA, TRATAMENTO, AGUA, ESGOTO, AUMENTO, DOENÇA.
- ELOGIO, PROGRAMA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO PARANA (PR), ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, AUSENCIA, ATUAÇÃO, CRIANÇA CARENTE, COLETA, LIXO.
- NECESSIDADE, INVESTIMENTO, GOVERNO FEDERAL, MELHORIA, SANEAMENTO BASICO, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, SAUDE.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é estranho como um País que se coloca entre as maiores economias do mundo pode apresentar números tão destoantes quando se trata de oferecer serviços essenciais à população!
Pois é o que acontece com relação às informações que representam o saneamento público, e, como já se poderia prever, os mais prejudicados são os mais pobres e as regiões menos desenvolvidas.
Mesmo tendo conhecimento de que praticamente 98% dos mais de 5 mil e quinhentos municípios brasileiros já dispõem de rede de água encanada, de acordo com pesquisa realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esses números ainda não são suficientes para nos deixar otimistas, uma vez que as redes chegam apenas a 64% das casas, menos de dois terços do total.
Quanto ao serviço de esgoto sanitário, há muito mais ainda por fazer, pois apenas 52% dos municípios dispõem desse serviço básico; e a rede coletora só alcança 33,5% das habitações, portanto, apenas um terço do total.
A própria coleta de informações sobre as condições de saneamento são relativamente recentes no Brasil. O primeiro levantamento foi realizado em 1974, por meio de um convênio entre o Ministério da Saúde e o IBGE. A segunda ocorreu em 1977; e a terceira, em 1989. Um novo levantamento só foi ocorrer em 2000, porém foi mais abrangente e recolheu também informações sobre drenagem urbana, além dos itens coletados anteriormente, que eram: abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e coleta de lixo.
Porém, um aspecto constrangedor e que deveria cobrir de vergonha esta Nação tão rica se refere ao fato de que a pesquisa detectou que quase 25 mil pessoas sobrevivem daquilo que recolhem nos lixões: papéis, plásticos, latas, vidros e outros objetos descartados. Mas o que deve comover até mesmo os corações mais empedernidos é que, entre os catadores, estão aproximadamente 5 mil crianças com idade inferior a 14 anos.
Por outro lado, para mostrar que nem tudo está perdido e que, com propostas sérias de políticas sociais, é possível melhorar a vida da população, é importante realçar a posição de Curitiba, que não tem, atualmente, nenhuma criança nessa situação vexatória; aliás é a única região metropolitana que não tem nenhuma criança vivendo do lixo, conforme constatado na pesquisa do IBGE. Isso se deve ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), convênio entre a Prefeitura de Curitiba e o Governo Federal. O programa atende a 1.423 menores, de 7 a 15 anos, dos quais 90% são filhos de catadores de lixo. São repassados 40 reais por mês para cada família, mais 10 reais para que os menores freqüentem atividades extracurriculares.
Provavelmente devemos atribuir esses fatos vergonhosos também às tremendas desigualdades existentes em nosso País. Os números dão conta de que são mais de 125 mil toneladas de lixo domiciliar e 36,5 toneladas de resíduos públicos. Apenas as 13 maiores cidades (com população superior a um milhão de habitantes) são responsáveis por 32% de todo o lixo urbano brasileiro. Nessas cidades, cada morador produz cerca de 1,5 quilo de lixo por dia, quase o triplo das cidades com até 10 mil habitantes. Aliás, é sabido que somos campeões de desperdício, e talvez seja isso mesmo que possibilite que tanta gente acabe sobrevivendo das sobras.
Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o jornal O Globo, de 28 de março de 2002, publica com destaque uma frase de Marcos Thadeu Abicalil, Coordenador de Saneamento da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano, que considero lapidar. Disse ele: “Se me perguntam quem é pobre no Brasil, não tenho dúvida para responder: é aquele que não tem água, esgoto e coleta de lixo.”
Técnicos do IBGE também associaram a desigualdade na distribuição de redes de água e esgotos à exclusão social e à incapacidade das populações das cidades menores e mais pobres - principalmente em áreas rurais no Norte e no Nordeste - em pagar a conta dos serviços.
Não seria esse, por acaso, um campo a ser observado com muito maior carinho pelos administradores públicos, até como forma de economizar? Já foi comprovado que investimentos em ações de prevenção de saúde pública configuram uma alta relação custo/benefício dos recursos públicos. Por que, então, não investir mais em projetos de saneamento básico?
O Presidente da Fiocruz, Dr. Paulo Buss, em entrevista publicada no mesmo O Globo, de 28 de março, afirma que “água encanada reduz em até 6 vezes as diarréias”.
Mesmo assim, os dados que nos chegaram as mãos apresentam um total de 116 municípios que não dispõem sequer de rede de abastecimento de água, alguns deles, com mais de 20 mil habitantes, caso de Eldorado de Carajás com 29 mil habitantes; Uruará com 45 mil habitantes e Santana do Araguaia com 31 mil habitantes, no Estado do Pará; São Miguel do Guaporé e Buritis, respectivamente com 23 e 25 mil habitantes, no Estado de Rondônia; Ocara, com 21 mil habitantes; no Estado do Ceará; Governador Nunes Freire, com 25 mil habitantes, no Estado do Maranhão. Há, ainda, um grande número de municípios com mais de dez mil habitantes, nos mais diversos Estados, inclusive no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, considerados mais desenvolvidos, que não dispõem desse benefício.
Estávamos abordando apenas a existência de água. Água tratada é outro aspecto da questão. O Jornal do Brasil, do dia 28 de março próximo passado, nos relata que “quase metade da água que sai das estações de tratamento com destino às casas dos brasileiros se perde na ineficiência do sistema de abastecimento”. Tal fato se deve a quilômetros de tubulações deterioradas, com vazamentos e infiltrações, redes antigas e “gatos”, que evidenciam a precariedade. É uma incongruência, tendo em vista que cerca de 36% dos domicílios sequer têm acesso à água.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que dizer, então, da situação do esgotamento sanitário?
Fica difícil pleitear para o Brasil um lugar junto aos países desenvolvidos com indicadores que comprovam a ineficiência das administrações, até mesmo em se tratando de questões básicas e essenciais, como a do saneamento básico.
No que diz respeito ao esgoto, quase a metade dos municípios não dispõem de rede coletora. E, dentre os 2.875 que dispõem desse serviço, apenas 575 tratam o esgoto antes de despejá-lo nas águas de rios, de lagos ou do mar.
Como os demais despejam o esgoto sem tratamento, comprometem a qualidade da água utilizada para o abastecimento, a irrigação e a recreação. Isso, sem levar em conta o esgoto que não é coletado e sobre o qual não há informações, mas que, seguramente, vai afetar a natureza e, por conseguinte, a qualidade de vida da população.
Portanto, não é sem motivo que as notícias sobre saúde pública acabam sendo mais e mais alarmantes. O jornal O Globo, de 29 de março, noticia que a Organização Mundial da Saúde (OMS) relaciona doenças à falta de rede de esgoto. Segundo a matéria, “Boa parte das doenças infecciosas e parasitárias que atingem os brasileiros está diretamente relacionada ao saneamento básico. Relatório do Centro Pan-Americano de Engenharia Sanitária e Ciências do Ambiente (CEPIS) da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que bactérias, vírus e parasitas encontrados em águas contaminadas são os maiores responsáveis pelos casos de diarréia, enterite (inflamação no intestino), hepatite e esquistossomose. Até os 5 anos de idade, 21,1% das mortes de crianças brasileiras são causadas por doenças infecciosas e parasitárias.”
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso mudar urgentemente esse quadro!
Os números demonstram que não se trata apenas de uma questão estética, mas tem reflexos na dignidade do cidadão comum e na saúde da população brasileira.
Faço esse alerta, na tentativa de abrir os olhos do Governo, que talvez na atual conjuntura só consiga enxergar as questões de segurança pública, para que atente para o saneamento básico.
É bem provável que os recursos empregados em saneamento básico consigam evitar mais mortes do que a mesma quantidade de recursos empregados na segurança. Não quero com isso dizer que se deva descurar das questões de segurança pública, mas que o saneamento, no caso específico do Brasil, precisa ser considerado tão importante quanto a segurança.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.