Discurso durante a 59ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificativa à apresentação do Requerimento 247, de 2002, de informação ao Ministro da Justiça sobre a coleta de sangue dos índios Yanomamis por pesquisadores estrangeiros. Comentários sobre matérias veiculadas na imprensa a respeito do contrabando de diamantes e do narcotráfico na Amazônia. Leitura de correspondência da Federação dos Índios do Brasil, solicitando ao Procurador Geral da República investigação acerca da atuação do Cimi-CNBB em campanha pela aprovação do Estatuto do Índio.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Justificativa à apresentação do Requerimento 247, de 2002, de informação ao Ministro da Justiça sobre a coleta de sangue dos índios Yanomamis por pesquisadores estrangeiros. Comentários sobre matérias veiculadas na imprensa a respeito do contrabando de diamantes e do narcotráfico na Amazônia. Leitura de correspondência da Federação dos Índios do Brasil, solicitando ao Procurador Geral da República investigação acerca da atuação do Cimi-CNBB em campanha pela aprovação do Estatuto do Índio.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2002 - Página 7923
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • GRAVIDADE, DENUNCIA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, PESQUISADOR, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), COLETA, SANGUE, INDIO, REGIÃO AMAZONICA, APREENSÃO, ORADOR, NEGLIGENCIA, GOVERNO BRASILEIRO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), JUSTIFICAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, DESTINATARIO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS.
  • ANEXAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, DENUNCIA, CONTRABANDO, DIAMANTE, RESERVA INDIGENA, TRAFICO INTERNACIONAL, DROGA.
  • LEITURA, OFICIO, FEDERAÇÃO, INDIO, DESTINATARIO, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, SOLICITAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ARRECADAÇÃO, RECURSOS, CAMPANHA, APROVAÇÃO, ESTATUTO, UTILIZAÇÃO, IMAGEM VISUAL, GRUPO ETNICO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANUNCIO, AUMENTO, INTEGRAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, PROTEÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema que mais tem-me trazido a esta tribuna, não poderia deixar de ser a discussão, a análise e a defesa permanente da Amazônia. Como representante do menor Estado da Amazônia e da Federação, Roraima, tenho a obrigação, o dever mesmo, de alertar permanentemente meus Pares no Congresso Nacional e toda a Nação brasileira sobre a importância da Amazônia, que representa 60% do território nacional. Preciso alertá-los, também, sobre os riscos que têm ocorrido na Amazônia ao longo dos tempos. Parece-me até, Sr. Presidente, que já anestesiaram a Nação e de tanto ser repetido, e de vez em quando informado, aqueles que moram fora da Amazônia, quer dizer, os que moram nos 40% do território brasileiro que não fazem parte da Amazônia, não levam a sério; e os amazônidas. Aliás, não podem fazer muito; seus representantes, esses sim, podem despertar a consciência nacional para esses problemas.

Ontem tivemos a oportunidade de assistir no Fantástico, programa da Rede Globo de Televisão, a uma denúncia seriíssima que veio corroborar muitas outras já veiculadas na imprensa e apresentadas desta tribuna. Pesquisadores norte-americanos teriam entrado na reserva Yanomami do lado brasileiro, e também do lado venezuelano, e coletado sangue dos índios sem dar nenhuma explicação para o ato. O índio tuxaua que mora na reserva Yanomami do lado brasileiro apareceu na reportagem e afirmou que o sangue foi coletado, mas ele não sabe para quê.

Quando Deputado, em 1983 ou 1984, alguns funcionários da Funai trouxeram-me a denúncia de que estava sendo aplicada, nos índios yanomamis, uma vacina experimental contra a malária. Nessa altura, obviamente, os funcionários não puderam se expor identificando-se, porque não dispunham sequer dos dados necessários para fazer uma denúncia comprovada. Mas eu, da tribuna, apresentei a situação, mas nenhuma providência foi tomada ou resposta adequada foi dada por parte do Governo brasileiro - leia-se Funai, Ministério da Justiça ou qualquer outro órgão responsável pela proteção aos índios e pela política indigenista no País.

Sr. Presidente, a denúncia de ontem não foi feita por órgão federal, mas por uma ONG chamada Comissão Pró-Ianomâmi, que é derivada de outra, a Comissão de Criação do Parque Yanomami, dirigida por dois estrangeiros: o Sr. Carlos Zaquini, que apareceu na televisão, e a suíça Cláudia Andujar. Segundo os noticiários, estão essas pessoas aproveitando-se da ida dos yanomamis aos Estados Unidos para contactar uma ONG de advogados indígenas, nos Estados Unidos, para analisar as amostras de sangue de sua etnia coletadas por pesquisadores norte-americanos.

Portanto, não se trata apenas de uma suspeita. É caso comprovado, segundo depoimento do próprio índio e do representante dessa ONG, que diz que localizou parte das amostras de sangue dos yanomamis depositada nos departamentos de Antropologia da Universidade Estadual da Pensilvânia e da Universidade de Michigan.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vejam bem a que ponto chegou o descaso com a Amazônia brasileira. Extrai-se material genético e pesquisam-se vacinas nos próprios índios.

A Drª Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Subprocuradora Geral da República, endereçou um expediente a essas universidades fazendo, entre outras, as seguintes indagações:

1.     Existem amostras de sangue ianomâmi nos laboratórios dessas universidades?

2- Número e forma de conservação das amostras?

3-     Qual a origem das amostras?

4-     Existem documentos atestando a realização de procedimentos para obtenção de consentimento informado na coleta de amostras?

5-     Quando as amostras foram coletadas no Brasil?

6-     Há documentação sobre autorização oficial concedida por instituições brasileiras para pesquisas que viabilizem a coleta das amostras?

E segue uma série de outras perguntas - que peço sejam parte integrante do meu pronunciamento, Sr. Presidente - demonstrando como é estarrecedora a falta de comando, o desgoverno em relação à Amazônia, principalmente às populações indígenas que lá vivem. Se fazem isso com os índios, o que estarão fazendo com a riqueza das reservas ecológicas e indígenas?

Sr. Presidente, por causa desse noticiário e desses documentos que são de domínio público e que já são do conhecimento da Subprocuradora Geral da República, que cuida das comunidades indígenas e minorias, fiz um requerimento, lido hoje no Expediente, dirigido ao Sr. Ministro da Justiça, solicitando informações oficiais a respeito desse assunto. Não é possível que o Brasil seja terra de ninguém, onde chega pesquisador para coletar sangue dos nossos indígenas, que, pela nossa Constituição, deveriam estar protegidos pelo Governo Federal por intermédio da Funai, que nada sabe e nada pode explicar.

Fiz esse requerimento de informação para que possamos, a partir daí, responsabilizar as autoridades que, por omissão, negligência ou conivência permitem que essas coisas ocorram.

Para prosseguir no rumo dessa questão, Sr. Presidente, tenho aqui recorte de jornal onde lemos a seguinte manchete: “Diamantes dos cinta-larga vão para o exterior”. Vejam que, de novo, pessoas estrangeiras estão envolvidas

Vamos à matéria:

Cacoal, Rondônia. Boa parte do diamante extraído dentro da reserva Roosevelt, dos índios cinta-larga, está sendo contrabandeada para os Estados Unidos, Canadá, alguns países da Europa e Israel. A Polícia Federal descobriu a conexão internacional depois de prender, há dois meses, os israelenses Yair Asiss e Royi Menahem Riger, que estariam comprando diamante em Cacoal e Pimenta Bueno para lapidar e, depois, revender o material no exterior.

A PF suspeita que outros estrangeiros estejam atuando na região. A extração de minério em área indígena é ilegal.”...

            Sr. Presidente, peço que essa reportagem faça parte do meu pronunciamento, porque, embora tenha sistematicamente repetido essas denúncias, eu não vejo, por parte do Governo Federal, nenhuma providência.

            Tenho uma denúncia mais grave ainda. Recebi, a semana passada, em meu gabinete, três indígenas representantes de um grupo do Maranhão, que trouxeram-me um documento que encaminharam ao Procurador Geral da República, o qual eu faço questão de ler aqui.

Ao Procurador Geral da República

Dr. Geraldo Brindeiro

A Campanha que está sendo feita pelo CIMI e CNBB com o nome “TERRA SEM MALES” precisa ter um processo de investigação por parte do Ministério Público Federal pelos seguintes fatos:

1) Foi feito há pouco tempo no Memorial da América Latina em São Paulo, através da TV Rede Vida de Televisão uma Campanha para receber “doações” diretas pelo telefone para financiar os trabalhos para aprovação do Estatuto dos Índios.

2) O CIMI e a CNBB estão usando imagens de índios (sem autorização deles) para arrecadar recursos financeiros para aprovar o Estatuto dos Índios.

3) O CIMI não informa qual é o Estatuto dos Índios que quer aprovar, induzindo as pessoas a assinar listas de apoio e as não sabem qual é o conteúdo do estatuto que é o melhor para os índios. O próprio Estatuto do CIMI é fraco e omisso em relação a diferentes pontos polêmicos dos direitos indígenas.

4) Os índios já denunciaram isto no documento do dia 08.03. 2002 ao Procurador Geral da República, pois o texto do documento que está no Plenário da Câmara dos Deputados é nocivo aos interesses dos índios brasileiros. No entanto, o Cimi teme em induzir as pessoas a assinar listagens que podem na prática apoiar esse texto do estatuto dos índios que é de interesse do Governo Federal e do Relator, mas não é do interesse dos índios.

5 . O Cimi e as ONGs querem com essa prática (ao que tudo indica pelas suas atitudes) assumir o papel da FUNAI, que está sendo enfraquecida e extinta.

Queremos que o Ministério Público investigue essas contas abaixo para saber quanto foi arrecadado e quanto foi aplicado, saber se isso está correto ou se tem alguma irregularidade - usar índios na tevê em espetáculos culturais - usar imagem de indígenas de diferentes etnias para arrecadar fundos de campanha que favorecem interesses econômicos de terceiros que querem entrar nas terras indígenas.

Queremos investigação para as seguintes contas: Fundo Nacional da Solidariedade, Banco do Brasil, Agência 3475-4, contracorrente 15000-2; Bradesco, Agência 0484-7, contracorrente 66000, Caixa Econômica Federal, Agência 0664, Conta 4122-5. Assina João Pangrá Kaiapó, pela Federação dos Índios do Brasil.

Sr. Presidente, esse é um documento da mais alta seriedade, espero que o Ministério Público Federal realmente leve a cabo, investigue, porque é realmente nesse contexto, nesse agrupamento de fatos que, seguidamente, se encadeiam que estamos vendo quanto a nossa Amazônia está sendo preparada para uma fragmentação, para repetir talvez o que já aconteceu com a Amazônia colombiana.

Vejo, Sr. Presidente, no mesmo caminho dessas denúncias que envolvem os índios, um casamento com a questão do narcotráfico. A revista Época, do dia de hoje, 13 do corrente, publica a seguinte matéria: “A hidrovia do pó. Apreensão de 62 quilos de cocaína revela a rota das Farc para enviar a droga da Colômbia ao Brasil.”

Diz o texto:

Até a semana passada, o traficante carioca Fernandinho Beiramar, preso no Rio de Janeiro, era o principal exemplo da ligação entre o narcotráfico no Brasil e as Forças Armadas Colombianas (Farc), a guerrilha que mantém o país vizinho em guerra civil. Beiramar foi preso há um ano pelo Exército colombiano, quando comprava cocaína das Farc. Na tarde da quinta-feira, uma operação da Polícia Federal no porto da cidade amazonense de Tefé estabeleceu um novo elo dessa conexão. Os policiais apreenderam 62 quilos de cocaína fornecidos a brasileiros pelo comandante Rafael Oyola Zapata, o principal líder das Farc na Amazônia colombiana, com o quartel-general em Puerto Santander, às margens do rio Caquetá. Depois de batizada, isto é, misturada a ingredientes pouco nobres, essa remessa renderia 180 quilos, já com destinos certos: os consumidores de Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro.

Os policiais federais detiveram seis pessoas, entre elas dois colombianos e um peruano, e pediram a prisão preventiva de outras 16. No Brasil, todos agiam sob o comando de Jucimar Salinas Pontes, um amazonense que cumpre pena de 34 anos por tráfico, na penitenciária de Manaus. Contudo, o importante para a Polícia é demonstrar que o tráfico, no Brasil, está ligado às Farc - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. ‘Todos os carregamentos de cocaína que entram no Brasil pelos rios Içá e Japurá vêm das Farc’, diz o Delegado Sérgio Fontes, subchefe da Operação Cobra, que a Polícia Federal implantou há mais de um ano, para combater as drogas na Amazônia.

Em Brasília, o Governo sabe que há pelo menos quatro mil quilômetros de rios navegáveis à mercê dos negócios entre as Farc e os traficantes brasileiros na Amazônia. Tanto que autorizou o ambicioso plano de reforço de vigilância na região, com a instalação de uma base naval na cidade amazonense de Tabatinga, na tríplice fronteira do País com a Colômbia e o Peru.

Sr. Presidente, é essa a ligação de contrabandos de minérios, de manipulação de material genético, de biopirataria, que são justamente os ingredientes mais utilizados hoje para a fragmentação - repito - da nossa Amazônia. E a única notícia que li, nestes últimos dias, Sr. Presidente, que me causou um certo alívio foi a matéria publicada no jornal O Estado de S.Paulo, no dia 10 de maio, segundo a qual o Brasil e a Bolívia discutem a criação de um fórum de defesa da Amazônia e que a atuação das ONGs preocupa o Governo.

            Vou ler só o final, pedindo a V. Exª que autorize a transcrição, na íntegra, desta matéria que também julgo de extrema importância e que, neste caso, envolve uma outra ONG chamada Kota-Mama, a qual atua na Bolívia, sob o pretexto de fazer estudos arqueológicos, mas que tem autorização para atuar na área de biodiversidade e que também está ligada, segundo as investigações, às atividades do Reverendo Sun Myung Moon, da Seita Moon, que atua no Brasil e que já comprou, na Amazônia brasileira, uma quantidade enorme de terras, o que tem sido também objeto de denúncias públicas.

Lerei o final do artigo:

Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela fazem parte do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). Brasil e Bolívia dividem a maior fronteira entre dois países da América do Sul - 3.133 quilômetros, daí a necessidade de aumento de integração entre os dois países.

Os militares do Brasil e do Bolívia querem criar um subgrupo de inteligência para permitir a análise permanente da situação político-estratégica, a obtenção de informações sobre a situação da fronteira e propiciar a melhoria na qualidade dos dados das unidades de fronteira dos dois países.

Portanto, Sr. Presidente, ao finalizar este meu pronunciamento, quero reiterar o desgoverno e a falta de comando na política indigenista do País, com o desmantelamento proposital da Fundação Nacional do Índio. Junto com tudo isso, o narcotráfico e o contrabando de armas estão deixando 60% do nosso território nacional à mercê de perdermos a soberania sobre ele. A Colômbia é um exemplo disso, repito.

Solicito do Sr. Ministro da Justiça, a quem está subordinada a Fundação Nacional do Índio, que tome providências com relação a esse requerimento que formulei e que também investigue, assim como o Procurador-Geral da República, a respeito desses questionamentos feitos pelo líder indígena João Pangrá Kaiapó.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2002 - Página 7923