Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao veto presidencial e às alterações da Câmara dos Deputados à medida provisória que regulamenta a renegociação das dívidas dos produtores rurais. Defesa da apuração das denúncias da revista Veja sobre o eventual envolvimento do Senador José Serra em crimes contra a administração pública. Registro de artigo do filósofo Rubem Alves, publicado na Folha de S.Paulo do dia 19 do corrente, a respeito de política e jardinagem.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO. POLITICA AGRICOLA.:
  • Críticas ao veto presidencial e às alterações da Câmara dos Deputados à medida provisória que regulamenta a renegociação das dívidas dos produtores rurais. Defesa da apuração das denúncias da revista Veja sobre o eventual envolvimento do Senador José Serra em crimes contra a administração pública. Registro de artigo do filósofo Rubem Alves, publicado na Folha de S.Paulo do dia 19 do corrente, a respeito de política e jardinagem.
Aparteantes
José Alencar.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2002 - Página 7856
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, JOSE SERRA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, VINCULAÇÃO, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, DEFESA, ATUAÇÃO, COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ACEITAÇÃO, VETO (VET), PRESIDENTE DA REPUBLICA, EMENDA, SENADO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CONCESSÃO, IGUALDADE, TRATAMENTO, REGIÃO SUL, REGIÃO SUDESTE, COMPARAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, RENEGOCIAÇÃO, AUMENTO, PRAZO, PAGAMENTO, DIVIDA AGRARIA.
  • LEITURA, ELOGIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, RUBEM ALVES, ESCRITOR, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIFERENÇA, PROFISSÃO, VOCAÇÃO, POLITICO, INCENTIVO, JUVENTUDE, EXERCICIO, POLITICA.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou, brevemente, falar, na manhã de hoje, sobre a agricultura, os vetos do Presidente da República à Medida Provisória nº 9 e a decisão da Câmara Federal, de anteontem, em relação às modificações que o Senado fez da Medida Provisória nº 24.

Claro que também não poderia deixar de comentar - qualquer um de nós o faria, independentemente de convicções ideológicas ou partidárias - aquela matéria da Folha de S. Paulo, de gigantesco impacto social, que mais uma vez vincula o Senador José Serra a denúncias de crimes contra a Administração Pública. Não é a primeira denúncia.

Esperamos que não sejam indícios relevantes de crimes, mas somente denúncias vazias. E, para identificarmos se realmente se trata apenas de denúncias ou de crimes contra a Administração Pública - tráfico de influência, intermediação de interesses privados, exploração de prestígio -, é de fundamental importância que possamos abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito ou estabelecer um procedimento investigatório na Comissão de Fiscalização e Controle, para respondermos à sociedade.

Não é possível que o Senado tenha que assistir estarrecido aos indícios relevantes de crimes contra a Administração Pública, que ocupam o espaço dos meios de comunicação. E não temos o Senador José Serra na tribuna, para esclarecer a Casa e a sociedade, muito menos algum procedimento estabelecido no Congresso Nacional: CPI ou investigação das denúncias gravíssimas.

Espero que o Senado possa, de fato, na próxima quarta-feira, fazer a audiência pública, com a qual se inicia, pelo convite a algumas personalidades, o procedimento investigatório que esta Casa tem obrigação de fazer, sob pena de igualmente prevaricar. Como tem sido exposto nos meios de comunicação, Ministros, ex-Ministros, dirigentes de instituições públicas e o Presidente da República teriam conhecimento e, neste caso, efetivamente, todos teriam prevaricado, o que significa uma vergonha nacional.

Muitas vezes, atacamos a legislação deste País, considerando que deveria ser modificada. No entanto, um pouco já foi conquistado na legislação deste País. Está, por exemplo, no Código Penal, como crime contra a Administração Pública, a intermediação de interesses privados, a exploração de prestígio, o tráfico de influência, a prevaricação, e tudo isso dá cadeia. Infelizmente, a confiança na impunidade de muitas personalidades políticas deste País é que leva ao desencanto do povo brasileiro em relação, inclusive, ao processo eleitoral, como o que vamos vivenciar.

Quero falar, Sr. Presidente, não sei se, necessariamente, sobre a minha indignação ou protesto em relação a alguns acontecimentos desta semana. É evidente que qualquer um de nós sabe que a agricultura é uma atividade de alto risco. Sendo essa a sua natureza, requer, necessariamente, subsídios, incentivos, mecanismos os mais diversos de financiamento em qualquer lugar do mundo. Todos os países desenvolvidos aplicam políticas protecionistas e subsidiam largamente a sua agricultura. Todos!

Nesta semana, Senador José Alencar - conversávamos há pouco sobre isso -, o Congresso dos Estados Unidos, que é a Meca do capitalismo mundial, que diz que o mercado vale tudo, que o mercado por si só resolve a competitividade, a eficácia, aprovou US$190 bilhões em subsídios agrícolas aos seus produtores locais. Não um aumento pequeno, mas de 80% em relação à atual política de subsídios. Na mesma semana que isso acontece, o Congresso Nacional, de forma irresponsável, cúmplice do Governo Federal, acata os argumentos cretinos deste Governo para vetar emendas importantes que foram aprovadas em relação aos produtores rurais endividados dos fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Ao mesmo tempo, a Câmara, anteontem, depois de uma decisão histórica do Senado, incluindo coisa pouca, insignificante, porque o Governo Federal estabeleceu aos produtores rurais, devedores a partir de 1995, por meio de sucessivas medidas provisórias, condições tanto de correção das distorções do saldo devedor, repactuação das dívidas, que poderia ser feita, inclusive, na condição de inadimplência. Para os devedores dos fundos constitucionais, incluindo ou não o mix do Fat, das regiões mais pobres do País, não acontece nada. A única coisa que nós queríamos era que as mesmas condições de correção das distorções do saldo devedor de repactuação da dívida, que foi dada aos devedores do Sul e Sudeste, fossem igualmente estabelecidas para os devedores dos fundos constitucionais. Portanto, do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que são claramente as regiões mais pobres do nosso País.

Por isso, Sr. Presidente, eu não poderia deixar de registrar essa irresponsabilidade do Congresso Nacional. Sei que o Governo Federal é irresponsável. Sei que o Governo Federal faz a inserção do Brasil na globalização de modo subserviente aos interesses das grandes nações. O maior País da América Latina não tem condições sequer de escolher os seus parceiros comerciais internacionais. Isso é a maior vergonha para um País com o Brasil: com gigantesco potencial de áreas agricultáveis, com recursos hídricos, com uma infra-estrutura exemplar. Mesmo assim, não faz absolutamente nada. Neste momento, isso é a maior desmoralização para o Congresso Nacional. Neste momento, em que o Congresso americano aprova US$190 bilhões de subsídios, 80% a mais que os subsídios que já são realizados hoje, o Congresso Nacional brasileiro aceita os argumentos abomináveis do Governo Federal e não tem a coragem sequer de estender as mesmas condições que foram dadas aos produtores do Sul e Sudeste àqueles devedores das regiões mais pobres do País, financiados pelos fundos constitucionais e com o mix do Fat.

O Sr. José Alencar (PL - MG) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Pois não, concedo um aparte a V. Exª, com muito prazer, Senador José Alencar.

O Sr. José Alencar (PL - MG) - Eminente Senadora Heloísa Helena, congratulo-me com V. Exª pelo pronunciamento que faz. Hoje estamos submetendo, mais do que nunca, a economia brasileira a uma competição desigual nesse mercado globalizado em que estamos vivendo. V. Exª aborda a questão ligada ao subsídio de US$190 bilhões recém aprovado pelo Congresso americano, para subvencionar a sua produção agrícola. Posso trazer como testemunho que, no ano passado, os Estados Unidos deram, somente para um segmento da agricultura daquele país, a cotonicultura, à produção de algodão, US$2.800 bilhões. Devem ter produzido perto de 4 milhões de toneladas de algodão, o que corresponde a algo como US$0,70 por quilo de algodão de subvenção. Isso é uma prova absolutamente insofismável da capacidade competitiva da agricultura brasileira. A agricultura brasileira é das mais competitivas do planeta, é claro que em igualdade de condições, porque nós aqui, ainda que não tenhamos aprovado nenhuma medida, a não ser excepcionalmente um dos Estados da Federação, que é o Mato Grosso, que realmente concedeu um incentivo, uma parcela do ICM do Estado, exceto aquela distribuída aos Municípios. Naquela parcela do Estado que corresponde a 75% dos 12% que pesam sobre o algodão exportado para outros Estados da Federação, isso é igual a nove pontos percentuais do algodão produzido. Isso não tem nada a ver com aqueles quase 80% de subsídio dado à cotonicultura dos Estados Unidos da América. É claro que não temos condições de fazer o mesmo, mas precisamos fazer o mínimo. E quando se fala de agricultura sediada no Nordeste, no Centro-Oeste e no Norte, fala-se também de regiões desfavorecidas do Brasil, não apenas por problemas de clima, de precipitação pluviométrica em determinadas regiões, como, por exemplo, no sertão nordestino, mas principalmente - e isto é bom que registremos com clareza - porque esse Governo abandonou a infra-estrutura ligada a transporte, por exemplo. Essas regiões, para exportar a sua produção para os grandes centros consumidores, pagam uma fábula, em face do precário estado em que se encontram as estradas federais no Brasil. Daí a razão pela qual, eminente Senadora Heloísa Helena, quero congratular-me com V. Exª, que aborda aspecto da mais alta relevância, ou seja, o apreço com que nós todos, governo, precisamos tratar a agricultura brasileira. A agricultura brasileira tem condições de ser o celeiro do mundo. Para ingressarmos no mercado americano, por exemplo, com uma tonelada de suco de laranja, somos taxados em US$454, o que equivale, em determinadas ocasiões, a mais de 100% de tarifa de proteção aduaneira. O mesmo acontece com o nosso açúcar demerara, o açúcar cristal, exportado para aquele país. O mesmo acontece com outros produtos, como a soja, que enfrenta subsídios, não só nos Estados Unidos da América, como também, e especialmente, na Europa. É preciso que estejamos atentos porque a abertura da economia pressupõe igualdade de tratamento para todos os que estão competindo; e igualdade de tratamento não significa paternalismo. Precisamos estar atentos para que todos os países respeitem organismos como a Organização Mundial do Comércio. Só que o poder dos Estados Unidos da América já nos ensina que esses organismos internacionais, que deveriam agir imparcialmente em relação a todos os países envolvidos, ao contrário, obedecem, também, aos interesses dos países mais ricos. Dessa forma, estamos vivendo uma fase em que nunca precisamos tanto, não apenas dos que falam inglês, mas também daqueles que saibam defender os interesses do nosso mercado, da economia brasileira, não como fim, porque a economia não é um fim que se esgota em si mesmo, mas como um meio para que possamos alcançar os objetivos sociais. Agradeço a V. Exª o aparte que me concedeu e reitero minhas congratulações pela oportunidade do pronunciamento.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Senador José Alencar, agradeço o aparte de V. Exª, com o qual concordo inteiramente. V. Exª traz alguns elementos ao debate.

Lembro que em uma de suas viagens, Lula abordou os subsídios agrícolas na União Européia. De repente, em alguns setores do nosso País constituiu-se uma farsa como se, ao discutir a política agrícola, Lula estivesse defendendo os interesses da União Européia. Na verdade, Lula estava defendendo o estabelecimento de barreiras protecionistas, desde que, no caso específico do Brasil, visassem a defender os nossos parques produtivos e os nossos postos de trabalho.

É óbvio que qualquer globalização precisa, necessariamente, da mobilidade de mercadorias, capitais e força de trabalho. No entanto, hoje no Brasil, há a imposição da globalização para os países subdesenvolvidos e a farsa da globalização para os grandes países, que nem deixam haver mobilidade de força de trabalho e, muito menos, mobilidade de mercadorias.

V. Exª citou um exemplo muito importante. A maior tarifa de importação que o Brasil estabelece, para eletroeletrônicos, químicos e automóveis, é de 35%, enquanto os Estados Unidos têm a ousadia de estabelecer picos tarifários de mais de 400%. E, Sr. Presidente, o Governo brasileiro e o Congresso Nacional - não sei se estarrecidos ou indignados - assistem a isso covardemente.

Daí o protesto, e espero que mais cedo ou mais tarde - é claro que acredito muito na vitória do companheiro Lula - nós possamos fazer deste País maravilhoso uma Nação como o povo brasileiro merece.

Sr. Presidente, estamos falando de covardia e coragem e acabamos, também, falando da política nacional. Assim, para que possamos refletir no final de semana, vou ler, nesta sexta-feira, um artigo belíssimo de Rubem Alves, publicado na Folha de S.Paulo em 19 de maio de 2000 e que me foi encaminhado por um companheiro de Alagoas, Pedro. É a respeito de política e jardinagem. Dizia Rubem Alves:

De todas as vocações, a política é a mais nobre. Vocação do latim vocare, quer dizer chamado. Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um “fazer”. No lugar desse “fazer” o vocacionado quer “fazer amor” com o mundo. Psicologia de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.

“Política” vem de polis, cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos moradores da cidade.

Talvez por terem sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades: sonhavam com jardins. Quem mora no deserto sonha com oásis. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu “o que é política?”, ele nos responderia, “a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas”.

O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.

Amo a minha vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade. A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espaço privilegiado, melhor e diferente do espaço ocupado por todos. Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser um motivo de esperança.

Vocação é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.

Todas as vocações podem ser transformadas em profissões. O jardineiro por vocação ama o jardim de todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumente o deserto e o sofrimento.

Assim é a política. São muitos os políticos profissionais. Posso, então, enunciar minha segunda tese: de todas as profissões, a profissão política é a mais vil. O que explica o desencanto total do povo, em relação à política. Guimarães Rosa, perguntado por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: “Eu jamais poderia ser político com toda essa charlatanice da realidade... Ao contrário dos ‘legítimos’ políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades.

Eu penso na ressurreição do homem.” Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.

Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos sentem o chamado da política e não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs e de terem de conviver com gigolôs.

Escrevo para vocês, jovens, para seduzi-los à vocação política. Talvez haja jardineiros adormecidos dentro de vocês. A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação, direito, ciência. Todas elas, legítimas, se forem vocação. Mas todas elas afunilantes: vão colocá-los num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim é decidido. Não seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim?

Acabamos de celebrar os 500 anos do descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar, não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas são cruéis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem. Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram jardineiros. Eram lenhadores e madeireiros. E foi assim que a selva, que poderia ter se tornado jardim para a felicidade de todos, foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados, onde uns poucos encontram vida e prazer.

Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos começar a traçar um novo destino. Então, ao invés de desertos e jardins privados teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar árvores à cuja sombra nunca se assentariam.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

Sr. Presidente, vou terminar, pois sei que extrapolei o meu tempo. Desejo que o companheiro Lula, que espero um dia ocupe a Presidência da República, e muito especialmente o Congresso Nacional saibam a força que têm.

Na briga de Davi contra Golias, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Saul desconfiou de Davi. Ele achava que Davi não teria condições de enfrentar Golias, porque o comparou ao gigante; ele comparou o pastor àquele homem de tantos exércitos e de tantos combates e, por isso, ele não conseguia entender. Davi conseguiu enfrentar Golias porque não se comparou a Golias; comparou-se a si mesmo, ganhou nos pensamentos e depois ganhou nas ações. Conhecendo a si mesmo, Davi sabia que, como pastor, para defender suas ovelhas, seria capaz de enfrentar um gigante, da mesma forma que já havia enfrentado leões e feras as mais diversas.

Espero que um dia o Congresso Nacional deixe de ser um medíocre anexo arquitetônico do Palácio do Planalto e possa ser aquela instância de decisão política, de poder, o que, de fato, o povo brasileiro merece, precisa e quer.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2002 - Página 7856