Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Realização, em setembro próximo, na cidade de Joanesburgo, da Rio+10, continuação da Eco-92. Importância da ratificação, pelo Brasil, do Protocolo de Quioto, da aprovação da Convenção 169 da OIT e do cumprimento do compromisso da implementação da Agenda 21.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Realização, em setembro próximo, na cidade de Joanesburgo, da Rio+10, continuação da Eco-92. Importância da ratificação, pelo Brasil, do Protocolo de Quioto, da aprovação da Convenção 169 da OIT e do cumprimento do compromisso da implementação da Agenda 21.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2002 - Página 7863
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, CONTINUAÇÃO, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), IMPORTANCIA, BRASIL, RATIFICAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, CONTROLE, EMISSÃO, GAS CARBONICO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), GRUPO INDIGENA, DEFESA, DIREITOS, INDIO, EDUCAÇÃO, SAUDE, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos às vésperas de um grande acontecimento que será realizado em setembro, em Joanesburgo. Trata-se da continuação do evento que tivemos em 1992, no Rio de Janeiro, a Eco-92. Naquela oportunidade, os países que participaram daquele megaevento trataram de problemas altamente significativos para o equilíbrio do planeta e, sobretudo, fizeram uma avaliação da concepção equivocada que tínhamos da utilização dos recursos naturais, como se eles fossem inesgotáveis.

Toda a discussão que perpassou os fóruns de 1992, no Rio de Janeiro, tanto o oficial quanto o paralelo, estava plasmada por esta preocupação: como atender às necessidades do presente sem comprometer o futuro, ou seja, que aquelas necessidades que hoje conseguimos suprir possam continuar a ser supridas nas gerações futuras. E isso não apenas do ponto de vista pragmático, mas também do ponto de vista intangível. Que a mesma satisfação estética que temos ao ver uma determinada paisagem possa também fazer parte do futuro das gerações que virão.

Toda essa discussão envolvia componentes muito importantes, sobretudo a avaliação de que defender o meio ambiente não é uma postura meramente contemplativa daqueles que querem congelar a natureza, daqueles que são avessos a qualquer intervenção, a qualquer ação do homem na natureza. Afinal de contas, nós nos constituímos como seres humanos transformando a natureza, e à medida em que a transformávamos, também nos transformávamos, apartando-nos dela. E é essa apartação, levada à sua radical condição, que hoje nos faz, ao destruirmos a natureza, também nos desfazermos enquanto possibilidade como seres humanos.

A Eco-92 é um marco referencial na história da humanidade por instituir para o ser humano limites na sua relação com a natureza, já que, ao longo de muitos anos, fomos estabelecendo limites na nossa relação de seres humanos com seres humanos, de povos com outros povos, de culturas com outras culturas.

Todavia, tínhamos uma compreensão equivocada, inteiramente cartesiana, de que o desenvolvimento era um processo linear que não se depararia com gargalos que nos poderiam fazer retroceder a ponto de levar, talvez, ao desaparecimento da espécie, ao desaparecimento da possibilidade de vida e existência no planeta.

Essa nova concepção, que nos coloca como parte da natureza, porque dependemos dela para sobreviver, está mais do que comprovada pelos problemas que enfrentamos com a escassez dos recursos naturais, com as emissões de dióxido de carbono, com o efeito estufa. Hoje o mundo inteiro tem se dedicado a evitar uma catástrofe maior como, por exemplo, o esquentamento global e a elevação do nível dos mares, que podem fazer desaparecer povos inteiros, países inteiros. Inclusive, o esquentamento do planeta é uma realidade que é sentida e cientificamente comprovada por vários cientistas.

Sob o meu ponto de vista e o de alguns outros colegas, teremos a continuação da Eco-92, em Joanesburgo, com a Rio+10, que vai aprofundar um outro componente fundamental à problemática ambiental: a problemática social, a exclusão social. Hoje, dos seis bilhões de habitantes do planeta, dois bilhões vivem abaixo da linha da pobreza. Ter-se-á a compreensão de que meio ambiente e pobreza não podem ser tratados separadamente, de forma distanciada. Não pode haver um alheamento entre a defesa do meio ambiente e as possibilidades de inclusão social e de melhoria da qualidade de vida das pessoas. E o nosso entendimento de melhoria da qualidade de vida não se baseia nos referenciais que temos hoje do consumo exacerbado, do mercado que dirige e cria necessidades para as quais não atentaríamos se não fôssemos induzidos a tê-las, pela ânsia do lucro fácil que existe, em detrimento do nosso crescimento enquanto seres humanos e da preservação daquilo que nos sustenta, que é o nosso habitat.

Portanto, Sr. Presidente, na Rio+10 teremos essa junção, e espero que seja assim, essa síntese entre meio ambiente e problemática social, cunhando definitivamente o conceito do socioambientalismo e estendendo-o para a ação dos governos e dos povos naquilo que se configura como o desenvolvimento sustentável, ou a sustentabilidade econômica, social, cultural, política e ética de que tanto precisamos para enfrentar toda essa avassaladora ação que destrói o planeta e as nossas condições sociais de vida.

Dentro desse contexto, o Congresso Nacional está debatendo, e já foi aprovada na Câmara dos Deputados, com relatório do meu companheiro de luta socioambientalista, o Deputado Fernando Gabeira, a Convenção ou o Protocolo de Quioto, como é chamado, pelo qual assumimos compromisso com todo aquele arcabouço que foi instituído, estabelecido, durante a Eco 92.

O Protocolo de Quioto - ou Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - foi aprovado durante a Conferência do Rio, em 1992, e cria mecanismos e instrumentos que favorecem a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, tendo por referência o ano-base de 1990, de modo a reduzir as perigosas alterações que as atividades humanas têm promovido no sistema climático do planeta.

Conforme o voto apresentado pelo Deputado Fernando Gabeira no relatório apresentado na Câmara dos Deputados:

Muito embora mudanças climáticas radicais tenham sido uma constante na história recente da Terra, nenhuma das anteriores aconteceu com tamanha velocidade. E tudo indica que a velocidade das mudanças climáticas está sendo maior do que a capacidade do ambiente e das espécies de se adaptarem a elas.

Na impossibilidade dessa compatibilização ou dessa sincronia entre as mudanças ocorridas e a adaptação das espécies, sobretudo do ser humano, nós poderemos ter um fim catastrófico.

Estão comprovados e mensurados cientificamente os seguintes aspectos:

- as temperaturas têm aumentado durante as últimas quatro décadas, nos oito quilômetros mais baixos da atmosfera;

- as coberturas de neves e gelo têm diminuído, o que tem contribuído para a elevação do nível dos mares;

- a média do nível do mar, assim como a sua temperatura, têm também aumentado.

Mas, ainda assim, as emissões de gases causadores do efeito estufa e de aerossóis decorrentes de atividades humanas continuam crescendo em proporção cada vez mais nociva ao equilíbrio climático.

Do ponto de vista do Direito Internacional Público, esse ato internacional acompanha as tendências mais modernas do Direito das Gentes, na medida em que consagrará princípios como a precaução, o aspecto das responsabilidades comuns mas diferenciadas, e o da cooperação entre as nações para a obtenção de resultados comuns.

Há a oportunidade de se corrigir, neste momento, os desvios de trajetória, cuja conseqüência é a mudança climática, que afetará de forma crescente, irreversível, economicamente suicida e inviabilizadora a vida neste planeta. (Relatório Gabeira)

Ao aprovar o Protocolo de Quioto, o Brasil marca posição política representativa dos países em desenvolvimento e, assim, o nosso País estaria comprometido com aqueles acordos pactuados durante a Eco 92.

Infelizmente, alguns países desenvolvidos, sobretudo aqueles que mais têm emitido gases que provocam o efeito estufa, não estão querendo cumprir esse acordo.

É preocupante a posição norte-americana de não-ratificação desse compromisso internacional que, lamentavelmente, tem cooptado outros países industrializados, como o Japão, o Canadá e a Austrália. Essa mesma influência nefasta atinge alguns países em desenvolvimento, do chamado G-77, como é o caso da Venezuela, que, como país grande produtor de petróleo, membro da Opep, tende a proteger sua indústria de combustíveis fósseis.

Quanto ao Brasil, agora empenhado em chegar à Rio+10 com o seu dever de casa pronto (ao menos quanto a esse compromisso internacional), deve preparar-se para levar essa consciência e essa determinação à implantação das medidas acordadas entre as nações, sobretudo a implementação da Agenda 21, que, no caso brasileiro, ainda é tímida. Ao dizer isso estou sendo generosa, até porque, na avaliação que foi feita na Rio+5, compartilhamos uma série de experiências vividas pelas comunidades e não aquelas que foram praticadas pelos governos. Algumas experiências foram muito significativas, do ponto de políticas públicas locais, envolvendo prefeituras, e aqui quero ressaltar que todas as Prefeituras governadas pelo PT partilharam experiências muito relevantes durante aquela avaliação ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, na Rio+5. Mas o Governo, o Poder Público, no seu todo, ainda tem uma ação muito tímida e refratária em relação à implementação da Agenda 21.

Do ponto de vista do discurso, assimilamos, todavia, que não há viabilização de recursos para a sua implementação, não há uma mudança de paradigma nas ações do Governo, sobretudo quando se trata da implementação de ações de grande porte ligadas à infra-estrutura, estradas, produção de energia e outras ações que são altamente nefastas ao meio ambiente se não acompanhadas das devidas preocupações ambientais. Nesse sentido, temos uma ação que deixa a desejar.

É fundamental que não haja apenas a ratificação do Protocolo de Quioto pelo Congresso Nacional - o que é muito importante -, mas que possamos, sobretudo, participar da Rio+10 com o compromisso da implementação da Agenda 21, com o compromisso de compatibilizar a defesa do meio ambiente e a resolução da problemática social dos 50 milhões de pobres, pois as mazelas sociais contribuem, com certeza, para que haja mais e mais degradação ambiental.

Outro aspecto a que aqui quero dar ênfase, Sr. Presidente, é o fato de que, no dia da aprovação da Convenção de Quioto, segundo entendimento estabelecido entre o Presidente Ramez Tebet e os Líderes governistas, no caso os Senadores Geraldo Melo, Artur da Távola, Romero Jucá, Vice-Líder, e o Relator Romeu Tuma, com os quais conversei, teremos, na pauta, a aprovação da Convenção 169 da OIT, que é a Convenção dos Povos Indígenas.

Essa Convenção recebeu relatório favorável do Senador Romeu Tuma e há mais de um ano aguarda entrar na pauta para ser votada. Lamentavelmente, passou-se mais de um ano e esse relatório não foi votado. O Regimento Interno desta Casa diz que um projeto, após receber parecer e ser enviado à Mesa, deve ser votado em, no máximo, 30 dias. Infelizmente, neste caso, o Regimento Interno não foi cumprido, e lamento que tenha acontecido exatamente no elo mais fraco.

Fico preocupada inclusive porque, neste momento, com certeza, já começa a haver movimentos no sentido de protelar a matéria. Mas espero que, como o Governo quer chegar a Rio+10 com o dever de casa feito, o faça também em relação à Convenção 169. A polêmica inventada artificialmente de que, ao aprovar essa Convenção, estaríamos fazendo com que os povos indígenas se constituíssem em uma nação dentro da nossa Nação é falaciosa, não é verdadeira e faz parte de um pensamento atrasado, que acredita que o conceito estabelecido na Convenção 169 vai favorecer a algum interesse de internacionalização dessas populações em nosso País.

O conceito estabelecido dá total autonomia aos países e reconhece a soberania dos povos que vivem dentro do seu território. De sorte que não temos que ter essa preocupação em aprovar a Convenção 169 para que as populações indígenas possam também contar com esse instrumento que lhes assegura uma série de benefícios que destacarei a seguir. Apenas para criar um sentimento positivo em relação à sua aprovação, devo dizer que os países que já ratificaram a Convenção 169 da OIT são os seguintes: Argentina, em 2000; Bolívia, em 1991; Colômbia, em 1991; Costa Rica, em 1993; Equador, em 1998; Guatemala, em 1996; Honduras, em 1995; México, em 1990; Paraguai, em 1993; Peru, em 1994; Venezuela, em 2001; Noruega, em 1990; Países Baixos, em 1998, Dinamarca, em 1996; e assim por diante.

No caso brasileiro, temos um dado importante para apresentar na Rio+10: dos cinco milhões de índios que havia à época do descobrimento, e que foram massacrados há bem pouco tempo, restavam apenas 250 mil índios e, hoje, graças a Deus, com o crescimento populacional, essa população aumentou para 500 mil. Isso é positivo para o Brasil e está associado à luta e à resistência desse povo pela demarcação de seus territórios, pelo reconhecimento e valorização da sua cultura, pelo direito de continuar a existir, valorizando os seus aspectos sociais, culturais, morais, em todos os sentidos da sua existência humana. E isso é positivo.

Todavia, com a aprovação da Convenção 169, poderemos ampliar os direitos das populações indígenas, direitos estes que não são diferentes do que prescreve a nossa Constituição de 1988, em seu art. 231, quando estabeleceu que as comunidades indígenas têm o direito aos territórios que tradicionalmente ocupam. Tudo o que está aqui na Convenção, nesse acordo internacional sobre os povos indígenas, também está assegurado e até de uma forma melhor dentro da Constituição Federal, que é a extensão de todos os direitos humanos aos povos indígenas no mesmo grau do resto da população do Estado, ou seja, não pode haver dois pesos e duas medidas, não pode haver seres humanos de primeira classe e de segunda classe.

O termo “povos indígenas” foi utilizado reconhecendo a autonomia desses povos, com a expressa ressalva de que não tem o mesmo significado do adotado pelo Direito Internacional, razão pela qual não compromete em nenhum momento a soberania dos Estados. O convencimento internacional é de que não existe esse perigo de, ao adotarmos o termo “povos indígenas”, estarmos dando aos índios o estatuto de um povo dentro de um povo, de uma nação dentro de uma nação, e que ainda ampliaria os seus direitos com relação à participação em todas as instâncias de tomada de decisão, em qualquer órgão ou instituição responsável por políticas públicas ou programas que tenham relação com os seus direitos.

Tenho até ouvido aqui, de forma positiva, de alguns Srs. Parlamentares a idéia de que os índios, de forma competente, capacitada e comprometida com a causa indígena e com uma política voltada para os seus interesses, podem assumir a direção do órgão indigenista, que seria a Funai.

A Convenção 169 contempla, entre outros, os seguintes direitos:

·     Direito coletivo dos povos indígenas sobre os territórios que tradicionalmente ocupam e o direito de uso, administração e conservação dos recursos naturais;

·     Direito de dispor de meios de formação profissional, acesso à saúde, assistência social no mínimo iguais aos demais cidadãos;

·     Direito de desenvolver atividades tradicionais como caça, pesca, coleta, artesanato e empreendimentos comunitários, os quais deverão ser estimulados e apoiados pelo Estado.

E aí acho interessante fazermos uma análise. Quando assimilamos os índios em nossa cultura e eles se transformam naquilo que somos, a primeira coisa que fazemos, pelo viés etnocêntrico, o viés conservador e atrasado, é considerar que eles não são mais índios, pois agora querem médico, querem transporte de carro, não querem mais andar de canoa, querem comprar e vender, isso e aquilo. Ora, nós dizemos para eles que o que eles são é feio, não é evoluído; que a nossa cultura e o nosso referencial são o máximo em termos de processo civilizatório. E quando essa “civilização” se dá, passamos a criticá-los porque eles já deixaram de ser aquilo que eram e agora, portanto, não têm mais direitos.

Nós não deixamos de ser brasileiros se formos morar em outro país. Eu não deixo de ser acreana por estar morando em Brasília, da mesma forma os Cachinauas, Jaminauas, os Madijas, todos os índios deste País não deixam de ser índios por entrar em contato com os brancos.

É por isso que a aprovação dessa Convenção é fundamental e importante para as populações indígenas. Ela significa, pelo que entendi da palavra dos Srs. líderes, uma postura positiva da parte do Governo, em não fazer apenas aquilo que está na moda, que gera Ibope, que é a ratificação do Protocolo de Quioto, mas também de ratificar a Convenção 169, que há anos está tramitando no Congresso Nacional, ficou por mais de um ano e cinco meses na mesa, quando o prazo máximo seria de 30 dias. Agora, se Deus quiser, pela mobilização do povo, pelo compromisso assumido com os Srs. líderes, que, de uma forma sensível e respeitosa para com a problemática indígena, concordaram em colocar na pauta no mesmo dia da aprovação do Protocolo de Quioto, chegaremos a Joanesburgo para participar da Rio+10 com o dever de casa feito, com duas lições, o Protocolo de Quioto e a Convenção 169.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2002 - Página 7863