Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao enfoque econômico adotado pelo governo Fernando Henrique Cardoso para reduzir a inflação no país.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Críticas ao enfoque econômico adotado pelo governo Fernando Henrique Cardoso para reduzir a inflação no país.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2002 - Página 7875
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, CAPITALISMO, EXPLORAÇÃO, TRABALHADOR, AUMENTO, DESEMPREGO, REDUÇÃO, QUALIDADE DE VIDA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTROLE, INFLAÇÃO, AUMENTO, CUSTO DE VIDA, AUSENCIA, REAJUSTE, SALARIO, CRESCIMENTO, DESEMPREGO, POBREZA.

O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Joseph Schumpeter, conhecidíssimo economista e pensador, dizia que o principal defeito que ele detectava na formação e na prática dos economistas não era nenhuma insuficiência de seu instrumental teórico e técnico, mas a falta de perspectiva histórica. Na sua História da Análise Econômica, também alerta para o fato de que as estatísticas costumam ser totalmente enganosas e de que, para compreendê-las, é preciso conhecermos o seu substrato epistemológico.

Esse é realmente o defeito que observamos constantemente. Por isso, a toda hora, vemos interpretações totalmente diferentes a respeito de informações estatísticas que nos são fornecidas pelos órgãos encarregados de levantar dados.

Não são apenas os enganos e as ilusões, amorc precision, como dizia Keynes, a precisão fictícia, a precisão mentirosa que os economistas e alguns cientistas sociais costumam emprestar aos seus papers, às suas produções e às suas colaborações tecnocráticas com o Governo. As ilusões, a ideologia, as distorções, a mentira e o obscurecimento do real se tornam mais importantes e mais vitais em ocasião de crise. Tendo lecionado onze disciplinas - dez no curso de Economia e uma no de Sociologia -, penso que posso dizer que a crise econômica, financeira, política e social é a menos estudada das fases da conjuntura de nossa sociedade.

Todos gostaríamos que não houvesse descida e depressão, mas apenas retas tranqüilas em que pudéssemos trafegar eternamente, transmitindo aos nossos filhos e netos a mesma tranqüilidade e estabilidade que usufruímos durante a nossa existência. Mas não é assim e não pode ser assim.

Na pág. 14 de O Desafio da Guerra, publicado pela Biblioteca do Exército Nacional, Bouthoul e Carrére apontam para 344 guerras. Como se pode falar em estabilização, em estabilidade e em crescimento auto-sustentado? Eu, que passei tantos anos estudando esse desenvolvimentismo e suas correntes, inclusive com curso na Itália a respeito da economia svillupo do desenvolvimento, obviamente, não iria aqui tentar reproduzir todas essas ilusões e enganos que os anos 50 legaram às décadas seguintes e que estão presentes até hoje em praticamente todos os discursos.

São todos desenvolvimentistas. Eles não percebem a totalidade em que estamos inseridos e não querem percebê-la. É uma das formas de escapismo, de fuga, não apenas para nos iludir, para nos enganar, fingindo, pretending, mentindo para nós mesmos e para todos, durante mais cem anos - para repetir Lord Keynes -, sobre o que estava acontecendo, dizendo que o que é útil para o capitalismo é justo para a sociedade.

Isso acontece como se não houvesse antagonismos, classes sociais diferentes, interesses e conflitos constantes e permanentes, que se vão engrossando, até se manifestar numa dessas inúmeras crises iniciadas em 1810, na Inglaterra - crises do capitalismo.

Feita essa introdução, gostaríamos de alertar para o fato de que, repartir os fenômenos, como se houvesse uma crise da educação, uma crise da saúde, uma crise das finanças públicas, uma crise da dívida pública, uma crise das relações internacionais, uma crise da balança comercial, uma crise do balanço de pagamento, uma crise da criminalidade, uma crise do empobrecimento, como se pudéssemos secionar o mundo, dividi-lo em pequenos pedaços, dá a ilusão de que cada uma dessas crises pode ser administrada tranqüilamente. Essa é, portanto, uma das técnicas da mentira, da construção ideológica, do fingimento que os candidatos a postos políticos, principalmente, são levados a adotar, para não mostrar a profundidade e as dificuldades reais que eles enfrentarão, dentro de pouco tempo, ao assumirem a Presidência da República e os cargos da administração pública em geral.

Há falta de conhecimento histórico. Não percebemos, por exemplo, que não há capitalismo sem dívida pública. Nunca houve capitalismo sem dívida pública. Os Estados Unidos fizeram a sua guerra da independência no final do século XVIII e, já em 1820, a dívida pública pesava, era carregada com dificuldade pelo povo norte-americano. A partir daí, ela não parou de crescer. Nos últimos sessenta anos, os Estados Unidos conheceram 57 anos de déficit orçamentário. E querem nos impor um superávit orçamentário!

O capitalismo jamais provou ser capaz de viver e de se reproduzir, durante um período razoável, com superávit orçamentário. É por isso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na página 242 de seu livro intitulado As Idéias em seu Lugar, confessa que é impossível equilibrar o orçamento e pagar a dívida externa. E o que ele faz? Ele quer impor não apenas um equilíbrio orçamentário, que ele disse ser impossível, mas um superávit orçamentário: arrecadar mais do que gastar.

Inúmeros autores e inúmeros gênios da economia afirmaram e provaram que o capitalismo é eivado de vícios. Um desses vícios é, justamente, a insuficiência de demanda. O capitalismo não gera uma demanda suficiente, e esse fato pode ser observado em diversos níveis. No nível da aparência: se o sistema capitalista tem que reduzir custo, tem que reduzir salário. Então, ao reduzir salário, os trabalhadores criam um excedente e esse excedente não pode ser consumido por eles porque, se o for, o lucro desaparece. O capitalismo, então, cria desigualdade distributiva necessária e uma insuficiência de demanda.

Em 1818 - antes, em 1776, Adam Smith já dizia coisa parecida -, Robert Malthus, que para mim foi um gênio, um dos poucos gênios que a história do pensamento econômico conheceu, dizia: “Quando lanço meus olhos pelo mundo e vejo imensas forças produtivas desempregadas, quando vejo o desemprego e pergunto por que ele existe, só posso responder que é por insuficiência de demanda efetiva”. Insuficiência de demanda!

E, num país miserável, num país em que a exclusão é visível, num país em que o arrocho salarial é uma herança histórica perversa, neste nosso País de famélicos, vêm agora os neoliberais, capitaneados pelo ex-marxista Fernando Henrique Cardoso, dizer que o problema do Brasil e da América Latina de um modo em geral é que consumimos demais; o problema não é de insuficiência de consumo, mas de excesso de consumo, dizem eles, e, portanto, é necessário reduzirmos salários, enxugarmos, invertendo totalmente aquilo que, a partir de Malthus, correntes importantes do pensamento econômico, coroadas com Lord Keynes, discípulo de Malthus, afirmam.

Há aqueles que diziam que com o reemprego haveria um equilíbrio automático em pleno emprego, que o sistema capitalista funcionava de tal maneira que abria oportunidade de emprego para todos e, portanto, a sua marcha trazia consigo a possibilidade de todos os trabalhadores estarem empregados. A crise vem e mostra que isso é mentira. Isso que o Senhor Fernando Henrique Cardoso e seu governo adotaram como diagnóstico é mentira, é um engano, é um engodo.

Diante dessa necessidade de combater a inflação, que eles dizem ser decorrente de excesso de demanda, de consumo excessivo, principalmente no primeiro reinado, eles vieram e deixaram os preços subir. Rubens Ricupero, então Ministro, declara tranqüilamente que deixaram os preços subir livremente e seguraram os salários, congelaram os salários - preços de Primeiro Mundo, preços de economia japonesa, preços de Tóquio, custo de vida lá em cima e salários miseráveis, congelados; os preços subindo até as camadas geladas da estratosfera e os salários congelados. Assim se combateu a inflação, foi a âncora da fome que permitiu o êxito aparente do Plano Real durante o tempo em que ele durou.

Assim, é óbvio que os problemas sociais, o desemprego, a fome, a agressividade, teriam que crescer neste País e não poderiam ser escondidos pela estatística durante muito tempo.

Há cerca de vinte dias, quando um ilustre membro da ONU passou no Brasil cerca de dezoito dias, disse que a nossa situação correspondia, em termos de agressividade, mortalidade, mortes violentas, a três guerras sociais. Conseguimos manter o Brasil estabilizado, de acordo com a fala do Governo, com três guerras sociais ocorrendo, de acordo com a expressão que aprendi com esse técnico da ONU.

Desde Adam Smith se percebeu, e dizia Malthus para repeti-lo, que o capitalismo é incompatível com a felicidade humana. Malthus dizia que se os trabalhadores estavam sendo desempregados pelas máquinas, pelos equipamentos, pela eficiência, e se era impossível a aumentar a demanda efetiva para absorver a produção total, a única solução seria criar consumidores improdutivos. Aqueles que foram expulsos pela porta da indústria deveriam ser novamente empregados pela janela dos serviços públicos. Ele defendia que uma das soluções seria aumentar o número de funcionários, de padres, de professores, de juízes, ou seja, o número de consumidores improdutivos - de acordo com sua expressão -, para estabilizar o capitalismo. E dizia ele mais: se houvesse objeção a isso, essa transferência, essa absorção dos desempregados em setores improdutivos ou destrutivos dos setores bélicos da defesa, ou seja, um dos setores contemplados nesse livro dos princípios de Thomas Robert Malthus.

Mas estamos diante do absurdo dos absurdos. O desemprego se tem manifestado crescente nas crises do capitalismo, pois a tecnologia capitalista, que é labour saving, que poupa mão-de-obra, concorre com os trabalhadores e os expulsa, ou seja, a tecnologia capitalista tem a mão da máquina que compete com a mão-de-obra, expulsando o trabalhador. Assim, quanto mais desenvolvida for a tecnologia, maior será a tendência para o desemprego capitalista, o desemprego tecnológico. Isso foi constatado no início dos anos 20.

No início dos anos 20, só os Estados Unidos conseguiram manter o desemprego em 4%. A Suécia tinha 17% de desemprego; a Inglaterra, 12%, e assim por diante. Mas os Estados Unidos investiram muito nos anos 20. A produção de carros, por exemplo, passou de dois milhões, no início dos anos 20, para 5,3 milhões em 1929. E foram investimentos tão fantásticos e tão grandes que provocaram a crise de 1929.

Em 1929, produziram 5,3 milhões de carros, uma produção excessiva, sobreacumulação de capital, o que faz com que a margem de lucro caia. A partir daí, verificamos que houve uma queda fantástica da produção e do emprego nos Estados Unidos, pois a capacidade de produção ultrapassou os limites que o capitalismo lhe concedia. A produção do setor automobilístico, por exemplo, o setor mais emblemático, passou de 5,3 milhões, em 1929, para 900 mil, em 1931. De 5,3 milhões para 900 mil. Imaginem o desemprego gerado com isso, as falências de montadoras, distribuidoras, etc., no setor que era o que mais gerava emprego.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF) - Não comecei ainda, mas já estou concluindo, Srª Presidente.

Realmente, eu não fui feito para ser Senador. O meu lugar é outro e tenho que reconhecer isso com a verdade que sempre me acompanhou. Sou mesmo é professor. Os meus alunos não eram obrigados a me escutar. Nunca fiz uma chamada na minha vida e nunca preparei uma aula. Estudo sem parar e, na universidade, só me ouve quem quer.

O que eu estava tentando dizer, e vou concluir, é que o desemprego em 4% nos Estados Unidos só foi mantido por meio de investimentos crescentes. E esses investimentos levaram os Estados Unidos à maior das crises que o mundo já tinha conhecido, a crise de 1929.

Se, em 1929, os Estados Unidos produziram 5,3 milhões de carros, em 1943, 14 anos depois, produziram apenas 700 mil. Em 14 anos, a produção caiu de 5,3 milhões para 700 mil no setor mais dinâmico da economia norte-americana.

E ficamos pensando que isso é brincadeira! Não é não! Essa crise é uma crise de 1929 potencializada, globalizada, com os problemas todos exacerbados. E ela encontra já o Estado, o Governo, que retirou, em parte, a economia capitalista daquela crise, aumentando os seus gastos, comprando o excedente, pagando para não plantar, como Roosevelt fez nos Estados Unidos. No Brasil, agora, estão querendo pagar aos plantadores de soja dos Estados da Região Sul para que eles não plantem soja.

Agora há a globalização dos problemas e da tentativa de resolvê-los. Em grandes áreas do Brasil, como o Nordeste, há falta de capital. O problema deles era excesso de capital; o nosso é escassez de capital ainda em alguns setores, não em São Paulo - a crise paulista é uma crise de excesso de acumulação. E não conseguimos compreender a especificidade dos nossos problemas.

Desde os anos 30 até hoje, para terminar, houve apenas três anos de superávit orçamentário nos Estados Unidos, governo capitalista; nos outros anos todos houve déficit. O Governo entrava em déficit e cobria esse déficit com novas emissões. Para gastar mais, o Governo aboliu o ouro e a prata como moeda e passou a instilar, na economia, o papel pintado, o state money, o papel moeda inconversível, que o Governo gasta à vontade até agora, pois entramos na fase do enxugamento, na fase do estrangulamento dos Estados, da tal responsabilidade fiscal e outros nomes bonitos com os quais a burrice tende a se afirmar neste País.

Completo engodo! Completo equívoco! Se reduzirmos salário, se reduzirmos renda, se reduzirmos a capacidade dos Estados e Municípios de gastarem - e a União só trabalha para pagar a dívida externa -, como é que o Brasil, com o empobrecimento geral, a anorexia, poderá sair dessa crise? É impossível. Isso é uma sangria perversa. Estão retirando as forças vitais da economia brasileira em nome do combate à inflação.

Para dissertar sobre isso, eu precisaria de umas duas horas. Não é que eu seja contra o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e contra essas formas de combate à inflação, que coloca mecanismos que são piores do que a inflação para substituí-la. Posso eliminar a inflação e, por exemplo, deixar um resíduo inflacionário bem pequeno, que crescerá mês a mês e ano a ano, até chegar a 78%. Setenta e oito por cento é aquilo que deixo de receber todo mês como funcionário, porque os preços subiram 80% no primeiro e no segundo reinados do Presidente Fernando Henrique Cardoso. E não tive reajuste algum. Jamais conheci um arrocho com este. A inflação não conseguia me arrochar tanto. No entanto, o combate à inflação, nesses moldes, consegue fazê-lo.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso intuía isso. Em seu livro Capitalismo e Escravidão, disse que a escravidão no Brasil foi abolida porque ela não conseguia explorar tanto os trabalhadores quanto o capitalismo. De acordo com Fernando Henrique Cardoso, o capitalismo veio porque o desenvolvimento da economia brasileira e da indústria exigiam mais exploração dos trabalhadores do que a escravidão podia fazê-lo. Isso está na tese de doutorado do Presidente, que a está provando, porque Sua Excelência está arrochando o povo como ninguém jamais arrochou e retirando os direitos sociais como ninguém jamais retirou.

Peço desculpas! Passei a semana inteira sem falar nada. Penso que o homem aprendeu a falar, mas não aprendeu a ouvir. Neste plenário, silencioso na minha cadeira, aprendo a ouvir. Algumas vezes, fico satisfeito com o conteúdo que escuto; em outras ocasiões, fico menos satisfeito, mas tenho de fazê-lo.

Já havia dito, escrito e falado que as próximas eleições trariam duas opções para os políticos: o silêncio ou a mentira. O silêncio é escapista. O silêncio de quem está no primeiro lugar, que era da Governadora Roseana Sarney e agora é daqueles que ocupam os primeiros lugares. Os marqueteiros falam por trás, falam no lugar da intelligentsia dos partidos, dos sociólogos, dos “politicólogos”, dos economistas. Agora, são os marqueteiros os filósofos que estão ditando suas estratégias mentirosas que só têm um objetivo: vencer ou vencer, como dizia, infelizmente, Fernando Collor de Melo.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2002 - Página 7875