Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Realização de sessão do Congresso Nacional pelo Dia de Combate à Prostituição Infantil. Análise do relatório da Organização Internacional do Trabalho - OIT que mostra o quadro da exploração infantil no Brasil e no mundo. (como Líder)

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Realização de sessão do Congresso Nacional pelo Dia de Combate à Prostituição Infantil. Análise do relatório da Organização Internacional do Trabalho - OIT que mostra o quadro da exploração infantil no Brasil e no mundo. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2002 - Página 8160
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, SESSÃO EXTRAORDINARIA, CONGRESSO NACIONAL, COMEMORAÇÃO, DIA, COMBATE, PROSTITUIÇÃO, INFANCIA.
  • ANALISE, DADOS, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, AMBITO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, BRASIL, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CRIANÇA.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje foi realizada uma sessão extraordinária do Congresso Nacional versando sobre o Dia de Combate à Prostituição Infantil que será sábado, dia 18. Não posso deixar de pronunciar-me sobre o assunto, pois já presidi uma CPI sobre o trabalho escravo infanto-juvenil.

O trabalho infantil é um problema social crônico. Não apenas um problema brasileiro, mas um drama que aflige toda a humanidade, possuindo íntima vinculação com as condições econômicas.

Onde quer que exista uma criança trabalhando, em mais de 90% dos casos, há a necessidade dos pais a exigir os braços de seus filhos para sua própria sobrevivência.

Na maioria das vezes trabalhando apenas para conseguir comida, a criança não compromete apenas sua saúde, mas a própria esperança de vida, uma vez que a educação passa a ser um luxo inacessível.

Atualíssimo relatório elaborado pela Organização Internacional do Trabalho e divulgado em 6 de maio passado afirma que cerca de 246 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos - uma em cada seis - são submetidos a trabalho infantil no planeta. Mostra também a referida informação que esse problema continua persistindo, em superioridade numérica e em forma desumana de trabalho, na Ásia, em região do Pacífico, na África, na América Latina e no Caribe.

Dos 246 milhões de crianças e adolescentes no trabalho, 72,7% - ou seja, 179 milhões - correm risco de vida no trabalho, sobretudo em obras, e 8.400 milhões desenvolvem as piores e intoleráveis formas de trabalho, que incluem escravidão, prostituição e recrutamento forçado para frentes de guerra.

Na Ásia e na região do Pacífico, 16% da população infantil, entre 5 e 14 anos, estão trabalhando. Esse percentual representa o fantástico número de 127.300 milhões crianças. Na África, a situação é ainda mais perversa: 41% das crianças são utilizadas como força do trabalho. Sem um número definido, a OIT acredita que, pelo menos, 120 mil tenham sido forçadas a pegar em armas como soldados, carregadores militares e escravos sexuais.

O relatório cita a Tanzânia, onde crianças com até 8 anos de idade são obrigadas a fazerem escavações a 30 metros abaixo do solo, durante 8 horas por dia, sem iluminação e sem ventilação adequadas.

Na Turquia, 80% das crianças que vivem nas zonas rurais - algo em torno de 1 milhão - continuam trabalhando sem remuneração alguma.

Na América Latina e região do Caribe, o relatório indica que 17,4 milhões de crianças são exploradas nas mais diversas formas de trabalho, grande parte em trabalhos desumanos e não raramente induzidos à prostituição.

Em nosso País, a OIT afirma que caiu o número de crianças no trabalho. Um dado positivo, sem dúvida, mas que, de acordo com o relatório, ainda não é motivo para festejarmos. Nossas crianças representam 10% dos casos mundiais de piores formas de obter renda, inclusive a prostituição.

O relatório indica que, de 1992 a 1999, houve uma queda de 23% no número de nossas crianças que trabalham.

Em síntese, ainda temos 6,6 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, sendo que 85% delas têm entre 5 e 14 anos. O agravante, que nos coloca com 10% dos casos mundiais de piores formas de trabalho, são nossas crianças usadas na exploração sexual, no tráfico de drogas, no trabalho doméstico, no narcoplantio e em trabalhos forçados.

Para a OIT, no Brasil continua a ostentar o terceiro lugar no ranking dos países latino-americanos na exploração do trabalho infanto-juvenil. Antes de nós estão o Haiti e a Guatemala. Piora esse quadro, quando 16% de nossas crianças trabalhadoras, nos termos da Organização Internacional do Trabalho, atuam em condições deploráveis de miséria, sem segurança, comprometendo sua saúde e afastadas da escola.

Essas informações, Sr. Presidente, mesmo com as estatísticas mostrando uma diminuição de 23% dos casos, ainda provocam profundo desalento.

O que esperar de uma criança que arrebenta seus pulmões em carvoarias; que inala cola tóxica em fábricas de sapatos; que corta toneladas de cana durante 12 horas por dia; que está na agricultura e na pecuária, no plantio e na colheita; que não é alfabetizada; trabalha de graça ou por um prato de comida?

Se de um lado temos uma legislação considerada a mais avançada do mundo em termos de proteção aos direitos da criança e do adolescente, de outro lado parece não termos vontade e determinação suficientes para fazê-la vigorar em plenitude.

O art. 227 da Constituição Federal merece destaque especial neste momento. Lá está escrito:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Pena, digo eu, que a beleza das palavras, nas normas escritas, continuem apenas palavras escritas em vez de se materializarem em luz no fim desse túnel de desesperança.

Afinal, em solo brasileiro, as estatísticas afirmam que mais de um milhão de nossas crianças trabalham na agricultura, 60% trabalhando mais de 40 horas semanais; 15% delas, com idades de 10 a 14 anos, não sabem ler nem escrever; 58% não recebem remuneração direta, cujo pagamento fica embutido nos salários dos pais; 70% recebem menos de meio salário mínimo.

Das 6,6 milhões do relatório da OIT, mais da metade, com idade entre 7 e 14 anos, a idade do ensino obrigatório, não freqüenta salas de aula.

Sabemos, Sr. Presidente, que o mapa da exploração infanto-juvenil no Brasil compreende 26 Estados e o Distrito Federal, onde as tarefas são as mais distintas, entre as quais destaco: a cata de laranja e tomate; corte de cana; colheita de algodão, café e erva-mate; o trabalho nas plantações de fumo, na pecuária, nos seringais, nos sisais, na pesca, nas carvoarias, na quebra de pedras, em fábricas de gesso e calçados; na extração de sal, na cata de lixo, na venda ambulante e, também, na mais grave, deprimente, indigna, injusta, covarde, vil e revoltante das explorações: a sexual.

A meu ver, diante das muitas preocupações e do muito que os Governos Federal, Estaduais e Municipais vêm fazendo para dar um basta nesse cancro social - que compreende todas e quaisquer formas de exploração de nossas crianças -, o importante é atacar de frente os adultos promotores dessa desgraça. Está claro que, por trás dessa situação, existe uma engrenagem perversa, lubrificada e amparada nos porões do desmando, inclusive oficiais.

A alegria que hoje sentimos pela redução de 23%, constatados no relatório da OIT - o que representou a salvação de mais de 2 milhões de crianças -, dilui-se diante da tristeza que sentimos pela existência dos mais de 6 milhões que ainda trabalham e são explorados.

No mundo inteiro, um movimento se alastra, com iniciativas concretas, visando a tornar mais rigorosos os códigos de ética e de conduta contra o trabalho infantil. Na Europa e nos Estados Unidos, grandes lojas já exigem um selo que garante a ausência de crianças na produção de artigos importados. Aqui no Brasil, grandes empresas já possuem creches e escolas que atendem os filhos dos funcionários. A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, com apoio do Unicef e da OIT, criou o programa Empresa Amiga da Criança, que é uma campanha de conscientização para a não utilização da mão-de-obra infantil.

Sr. Presidente, meus nobres Colegas, precisamos trilhar os caminhos que deságuem numa política concreta de atendimento às necessidades básicas das crianças. A educação dever ser a base dessa política, pois, sem educação, não há democracia consolidada nem justiça social.

Se a pobreza é a principal causa a levar nossas crianças ao trabalho, este persiste, também, pela tolerância e pela indiferença ao problema. O futuro a Deus pertence, e às crianças também. Ações isoladas, mesmo as de cunho permanente, criadas pelo Poder Público e abraçadas por aqueles que enxergam o futuro, não darão o resultado que almejamos caso não sejam ampliadas e sistematicamente aplicadas.

Vamos fazer isso. Vamos fazer valer esses resultados de agora, vamos acelerar o percentual de redução e atingirmos, em tempo recorde, os 100%. Vamos dispensar, com as cabeças bem erguidas, o título de exploradores da infância, algo que realmente envergonha o nosso País.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2002 - Página 8160