Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o agravamento da crise econômica no sistema globalizado e suas repercussões para o quadro brasileiro.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações sobre o agravamento da crise econômica no sistema globalizado e suas repercussões para o quadro brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2002 - Página 8161
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, INSUCESSO, CAPITALISMO, CRITICA, GLOBALIZAÇÃO, PREJUIZO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, EXCESSO, PROTECIONISMO, PAIS INDUSTRIALIZADO.
  • COMENTARIO, CRISE, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, EFEITO, ECONOMIA NACIONAL, CRITICA, ATUAÇÃO, ARMINIO FRAGA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), ABERTURA, AUMENTO, IMPORTAÇÃO, AMPLIAÇÃO, DIVIDA EXTERNA.
  • COMENTARIO, INSUCESSO, REAL, AUMENTO, POBREZA, AMPLIAÇÃO, DIVIDA INTERNA, DIVIDA EXTERNA.
  • REPUDIO, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, PREJUIZO, VITORIA, CANDIDATURA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ALEGAÇÕES, AUMENTO, RISCOS, CRISE, ECONOMIA NACIONAL.
  • APOIO, DECLARAÇÃO, ECONOMISTA, BANCO MUNDIAL, CRITICA, ATUAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), RECOMENDAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, PREJUIZO, ECONOMIA.

O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando a crise do sistema capitalista se globaliza e se aprofunda, é natural - isso já ocorreu várias outras vezes - que os que são encarregados de comandar o processo, os tecnocratas - o Presidente do bancos centrais, o Presidente da República, os ministros de Estado -, entram, como não poderia deixar de ser, em perplexidade crescente. Isso aconteceu em várias crises do capitalismo, principalmente a partir daquela de 1873. Enfim, em 1929, a situação piorou. E a crise atual é mais profunda e mais geral do que a de 1929.

Naquela ocasião, a Professora Joan Robinson, notável pesquisadora e cientista inglesa, contava como, ao participar de encontros com os maiores economistas do mundo, ouvia as mais variadas, opostas e confusas questões por parte desses economistas, sociólogos, pensadores, diante do caos semeado pela crise.

É muito natural que não apenas a perplexidade e a confusão se estabeleçam; é natural que, por exemplo, os partidos socialistas e de esquerda também entrem em perplexidade, em confusão, e, quando tentam assumir a administração do capitalismo, ocorrem fenômenos como os que presenciamos com Tony Blair, na Inglaterra trabalhista, e na França mais recentemente. Quando no poder, também os partidos de esquerda parecem não ter propostas para sair da crise e acabam entrando num neoliberalismo insatisfatório, confuso e, assim, acabam desfechando medidas completamente anti-sociais, contrárias aos interesses dos trabalhadores, contrárias aos interesses das classes majoritárias numericamente. Desse modo, eles recebem o repúdio das urnas. Muitas vezes, o susto antecede a perdição total. Na França, percebemos que, quando a Direita, por meio de Le Pen, tem uma votação assustadora e retumbante, os Partidos de Esquerda se unem para tentar salvar alguma coisa.

Também é natural que, tal como acontece nos Estados Unidos, os governos que se vêem perdidos e repudiados nas pesquisas eleitorais comecem a utilizar instrumentos, os mais condenáveis possíveis. Por exemplo, quando o Presidente do Banco Central afirma, depois de ter dito várias vezes, que ele e o Ministro Pedro Malan haviam criado uma proteção, que o Brasil não ia se contagiar com a crise da Argentina ou com qualquer outra; eles que garantiram que o Brasil era uma ilha de tranqüilidade e que os problemas que desmancharam a Argentina, que decompuseram a Argentina, que desestruturaram a Argentina não iriam, de forma alguma, perturbar a estabilidade brasileira.

Ora, como pode S. Exª, o Presidente do Banco Central, e o Ministro da Fazenda garantirem que isso não iria acontecer?

Naturalmente, naquela ocasião, parecia que o seu Partido - o PSDB - iria conseguir uma vitória tranqüila nas eleições.

Mas eis que, de repente, a coisa muda, e a subida de candidatos de Oposição - Lula, Ciro Gomes - fazem tremer o poder político constituído neste Brasil.

Então, percebemos que passam a recorrer a uma espécie de terrorismo financeiro. Terrorismo financeiro! Já tive oportunidade de dizer aqui e em outros lugares que os maiores políticos brasileiros, políticos com “p” minúsculo, são os tecnocratas, os economistas no poder. Qual foi o político brasileiro que elegeu 23 Governadores de Estado em uma eleição? O plano deles: o Plano Cruzado, que elegeu 23. E ele foi oxigenado, mantido a duras penas até as eleições e deu a vitória a 23 Governadores.

Quando em 1994 o Plano Real passa a ser articulado pelos criadores do Plano Cruzado, o FMI disse que aquele plano era eleitoral e que o Plano Real não poderia durar mais do que três meses. Isso foi o que disse o FMI.

É que o FMI não sabia que o povo brasileiro podia ser mais anestesiado do que o povo argentino e servir de cobaia para essa experiência fantástica e genocida que é o neoliberalismo aplicado na periferia - mas jamais no Centro, porque lá eles continuam com protecionismo. Lá eles continuam taxando e sobretaxando as nossas exportações; lá eles continuam doando US$190 bilhões para a agricultura e a pecuária norte-americanas, dando lucros estrondosos para aqueles setores que estavam em crise, em colapso, com dificuldades.

Não é de se estranhar, também, que agora, em pleno neoliberalismo, venham aqui - ao Sul, ao Paraná, a Santa Catarina - oferecer dinheiro aos fazendeiros para que não plantem soja. Ora, isso foi o que o Presidente Roosevelt fez em 1933: pagar para não plantar. Agora, em vez de fazerem isso nos Estados Unidos, - e fazem isso lá com US$190 bilhões de subsídios - eles, os norte-americanos, globalizam a crise e vêm pagar, oferecer aos fazendeiros do Paraná e de Santa Catarina dinheiro, dólares, para que não plantem soja, a fim, obviamente, de sobrar espaço no mercado mundial e eles poderem vender mais caro a sua produção.

O que estamos presenciando é também um outro contágio. Esse contágio da Argentina qualquer criança entende que era inevitável. Se aquele País é o segundo maior comprador das exportações brasileiras, é óbvio que uma economia derrubada como a da Argentina somente poderia causar grandes dificuldades à economia brasileira. Isso é indiscutível.

Mas eles, do Banco Central e do Ministério da Fazenda, disseram que não haveria contágio. De repente, o Presidente do Banco Central declara que é perigoso, sim! Que estamos correndo um sério risco. E o sério risco é devido a um motivo político, porque eles só pensam em política, só fazem política e má política. Sempre fizeram isso.

Então, do ponto de vista econômico o FMI tinha razão: o Plano Real é insustentável. Como é que, aparentemente, ele conseguiu durar mais de quatro anos? Muito simples. Os preços subiram até o zênite e os salários foram congelados no nadir; preços lá no alto, preços de Primeiro Mundo, preços de Japão, em que o custo de vida é o mais elevado no mundo, e salários de Terceiro Mundo, salários de R$200,00 por mês. Eles que haviam prometido quando terminasse o primeiro “império” do Presidente Fernando Henrique Cardoso que os salários estariam em US$250.00. O Fernando Collor tinha prometido que o salário mínimo estaria em US$300.00 antes do término de seu Governo.

Então, com os US$80.00 atuais, vemos que aconteceu o óbvio. Arrocharam os salários, arrocharam os vencimentos; a inflaçãozinha foi se acumulando e, hoje, por exemplo, dão um calote mensal de 80% no meu ordenado. E 80% é o reajuste nesses últimos quatro anos que eu devia ter ganho como professor aposentado e não recebi, como funcionário público e não recebi.

Não sei como é possível discutir uma coisa dessas. Nunca houve, na história econômica do Brasil, um arrocho tão grande quanto este, imposto pelo Plano Real, pelo Sr. Fernando Henrique Cardoso. Por ocasião dos 84% de inflação, ao término do Governo Sarney, havia reajuste até quinzenal. O reajuste mensal era generalizado e algumas categorias conseguiam até reajuste quinzenal de salário. E estamos há quase oito anos sem ver 1% de reajuste. Portanto, são caloteiros. Digo isso porque sou um dos caloteados. São caloteiros, mas não têm coragem de dar calote lá fora, nos banqueiros, nos ricos, nas empreiteiras. Têm coragem, sim, de dar calote nos desempregados, nos que estão recebendo este vis e aviltados salários e vencimentos, pagos por esses enxugadores. “Vamos enxugar o Estado!” - dizem. É o Plano Real! E, ao enxugar o Estado, obviamente, o poder é capital. Capital é poder sobre coisas e pessoas. Logo, ao acabarem com o enxugar o poder, enxugam o capital. E enxugaram tanto o capital que até os bancos tiveram de ser socorridos pelo tal do Proer, que passou aos bancos mais de vinte bilhões. E assim, de solavanco em solavanco, de tranco em tranco, o real foi durando e perdurando, e a sociedade brasileira não fez como a argentina: não foi para a rua, não bateu panela, não fez greve. A diferença entre o Brasil e a Argentina é a nossa paciência, que parece ser interminável.

Não venham, agora, jogar a culpa na Oposição nem dizer que, com a subida de alguns Líderes da Oposição, existe, novamente, um risco sistêmico: “É um risco sistêmico se fulano ganhar, se o Lula ganhar, se não sei quem vencer.” Isso é uma arma que, obviamente, instaura o terrorismo no Banco Central, no poder, e conspurca completamente o processo eleitoral. Vamos vencer ou perder, mas sem utilizar armas completamente inaceitáveis, armas indignas e aviltantes.

O Plano Cavallo, a dolarização do peso, o arrocho salarial, a venda das empresas estatais a preço de banana, lá na Argentina - não se sabe se falamos sobre a Argentina ou sobre o Brasil, tamanha é a semelhança entre os dois; todos os dois entraram na neoliberalização e foram vítimas dela, como não poderiam deixar de ser. Ao estabelecer uma taxa de câmbio absurda - um real por um dólar -, obviamente o mercado brasileiro foi invadido pela produção externa. Aqui, entrou de tudo, quebrando as fábricas de sapato, de porcelana, de brinquedo, as autopeças etc. Quebraram tudo e fecharam os empregos.

Na Argentina, aconteceu a mesma coisa. Só que, na Argentina, o Sr. Cavallo começou com essa experiência, que levou Menem para a cadeia e ele próprio, Cavallo, para a cadeia; Alberto Fujimori foi para a cadeia; Bucaram, El Loco, fugiu do Equador. Esses são os resultados dessas experiências destruidoras, economicidas.

Ao importarmos de tudo, a nossa dívida externa se elevou à estratosfera, US$230 bilhões, e tornou-se impagável. Aí, tivemos de parar de importar, não porque os tecnocratas ou o Governo FHC quisessem parar de importar e inverter o processo. Agora, é "exportar ou morrer". Eles, os importadores universais de tudo, os responsáveis pela abertura irresponsável, agora dizem que o mundo é outro e que temos que exportar, "exportar ou morrer". E não vamos conseguir exportar muito porque todos os países, que não são idiotas e governados por pessoas alienadas, já fecharam as suas portas há muito tempo.

A União Européia, os Estados Unidos e todos os países do mundo já estão sob uma proteção contra essa situação que se agrava, fechando seus mercados para as importações daqueles que estão desesperados, produzindo com salários de R$200,00 por mês.

Obviamente que, se pudessem exportar, como pretendem, destruiriam os parques industriais e as sociedades organizadas, protegidas, protecionistas. De modo que, então, foi uma completa alienação o que fizemos. Somos comandados pelo processo.

Gustavo Franco colocou um real por um dólar, mas o mundo acabou dizendo a ele que aquilo era loucura, ocasiona, sustenta e subsidia as importações e provoca o aumento da dívida externa.

Essas importações foram, em grande parte, sustentadas pelo endividamento externo crescente brasileiro. Esse endividamento tinha que ter um limite, e teve um limite, aliás, dois: o da própria dívida externa e o de sua irmã gêmea, a dívida interna, crescem juntas.

Vou apenas terminar o que eu estava querendo dizer hoje, lendo o que disse o ganhador do Prêmio Nobel da Economia do ano passado, Joseph Stiglitz, Vice-Presidente e Economista Chefe do Banco Mundial de 1997 a 2000, que destaca a culpa do Fundo Monetário Internacional pela tragédia Argentina: “Muitos economistas americanos sugerem que a crise teria sido evitada se a Argentina seguisse religiosamente os conselhos do FMI, em especial cortando gastos mais duramente. Mas latino-americanos acham que o plano completo do Fundo Monetário Internacional, se seguido, teria levado a uma crise ainda maior e mais rapidamente. Na minha opinião, os latino-americanos é que estão certos”.

É o Professor Stigletz quem afirma isso. Então, não foi por falta de avisos que a crise ocorreu.

E aqui os nossos subalternos políticos, politiqueiros e tecnocratas dizem o seguinte: "Estamos fazendo o dever de casa." Meu Deus, aonde chegamos? Uma Nação como o Brasil, que deveria ter pelo menos resquícios de soberania, está muito satisfeita em fazer o dever de casa, aquilo que eles nos mandam como se fôssemos crianças. E ainda afirmam que fizemos o dever de casa melhor do que a Argentina. Onde vamos parar?

Acho que houve uma mudança substancial. Foram oito anos de sofrimento, de inconsciência, de destruição e de empobrecimento. Esses oito anos serviram, sim, para despertar a consciência do povo brasileiro. Não bateremos panela nas ruas, mas estamos aguardando as urnas se abrirem para colocarmos lá o atestado da nossa consciência e da nossa insatisfação diante de tudo isso que ocorreu no Brasil e que teve o silêncio da sociedade, anestesiada pela propaganda, pelas mentiras e até mesmo pelo desemprego e pela desorganização da sociedade.

Espero que as próximas eleições venham mostrar que não estamos fazendo o dever de casa, não, que não somos crianças para fazer dever de casa e seguir o quê? Stiglitz e tantos outros dizem que está totalmente errado, esse dever de casa não deve ser feito. Está aqui, Stiglitz, Prêmio Nobel, do passado.

A quem seguir diante desse caos? Aqueles que nos mandavam importar, aumentando a dívida externa, ou os que agora pretendem que, agora, exportemos, batendo nas portas fechadas dos mercados que já perdemos na época anterior, na fase em que paramos de exportar? Reduzimos as exportações para aumentar as importações. Atualmente, não há como, de uma hora para outra, num golpe de mágica, restabelecer, readquirir os mercados perdidos, principalmente numa situação como essa, em que eles estão se fechando cada vez mais, e assim por diante.

A taxa de juros a 49% é um crime contra a coletividade. É impossível desenvolver qualquer economia e qualquer sociedade pagando esse índice a título de juros aos agiotas. A agiotagem foi constitucionalizada e institucionalizada, deixou de ser crime. Os agiotas estão aí, cada vez mais ricos. Um desses bancos, que há pouco tempo estava correndo um risco sistêmico de quebradeira, agora, apresenta, em seu balanço, 311% de lucro, durante o ano passado.

Assim, nem o Brasil, com toda a sua capacidade de resistir, seria capaz de agüentar mais um quadriênio, mais o “Terceiro Reinado” desse grupo que afastou os militares, para comandar, despoticamente, autoritariamente o nosso País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2002 - Página 8161