Pronunciamento de Geraldo Cândido em 16/05/2002
Discurso durante a 62ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Demagogia das propostas apresentadas nessa semana pelo Governo Federal, no que tange aos direitos humanos no País. Impasse nas negociações entre a Federação Única dos Petroleiros - FUP e a direção da Petrobras.
- Autor
- Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
MOVIMENTO TRABALHISTA.:
- Demagogia das propostas apresentadas nessa semana pelo Governo Federal, no que tange aos direitos humanos no País. Impasse nas negociações entre a Federação Única dos Petroleiros - FUP e a direção da Petrobras.
- Aparteantes
- Chico Sartori.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/05/2002 - Página 8220
- Assunto
- Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. MOVIMENTO TRABALHISTA.
- Indexação
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- QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LANÇAMENTO, PLANO NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, SIMULTANEIDADE, VETO (VET), PROJETO DE LEI, AUTORIA, BENEDITA DA SILVA, SENADOR, GESTÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REGULAMENTAÇÃO, GARANTIA, DIREITO DE PROPRIEDADE, TERRAS, QUILOMBOS, COMUNIDADE INDIGENA.
- CRITICA, MANUTENÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, NEGRO, PAIS.
- SOLICITAÇÃO, DIREÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), FLEXIBILIDADE, NEGOCIAÇÃO, SOLUÇÃO, IMPASSE, FEDERAÇÃO SINDICAL, PETROLEIRO, IMPEDIMENTO, GREVE, SETOR.
O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Fernando Henrique Cardoso, mais uma vez, surpreende-nos com algumas iniciativas, pois sabemos que, por trás delas, há outros objetivos.
O Governo lançou, nesta semana, uma série de propostas - uma lista com mais de 500 itens - em relação aos direitos humanos, o que é uma tremenda demagogia. Na verdade, o Governo, que se renovará daqui a alguns meses, está propondo essas iniciativas para que o próximo Governo possa cumpri-las.
Sr. Presidente, não me surpreende que esse Governo, no mesmo momento em que vetava um projeto importante para a comunidade negra brasileira, lançava um plano de direitos humanos avançado e moderno.
Como todo o Governo Fernando Henrique Cardoso, no papel, as coisas são bonitas, mas, na prática, nada muda. De que adianta fazer um plano para o próximo Governo? Quando tem a oportunidade de mudar e fazer valer os direitos dos negros, o Governo se acovarda.
No dia 13 de maio de 2002, o Presidente vetou o Projeto nº 129, de 1995, de autoria da então Senadora e atual Governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva, que regulamentaria o direito de propriedade das terras tradicionais para as comunidades remanescentes dos Quilombos e o procedimento da sua titulação de propriedade imobiliária, na forma do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.
As justificativas para o veto foram várias: de inconstitucionalidade até uma questão semântica sobre a diferença entre “comunidades remanescentes” e “remanescentes dos Quilombos”. Mas a base do Governo nunca se manifestou sobre isso nos sete anos em que esse projeto foi discutido. Tratou-se de uma manobra para protelar a definitiva regulamentação desse dispositivo constitucional.
Em seguida, o Presidente lança o novo Plano Nacional de Direitos Humanos, antes mesmo que as promessas do primeiro tenham saído do papel. E já anuncia que, dos 518 itens dessa nova versão do Plano, apenas 156 devem ser executados neste ano. Isso sem falar que um dos temas mais polêmicos, que apareceu como carro-chefe do Plano nos jornais no dia seguinte, como símbolo de vanguarda deste Governo já em fim de festa, é na verdade uma medida proposta e defendida pelo PT há muitos anos: a união legal entre pessoas do mesmo sexo.
Outro ponto, ressaltado como pseudo-inclusão de excluídos, diz respeito aos negros, o que parece uma contradição. O Plano sugere a criação de cotas para oferta de emprego a negros nos setores público e privado e no ensino superior. Ora, se o Presidente quer mesmo acabar com a exclusão dos negros, por que, então, vetou o projeto que garantiria o direito de propriedade das terras dos quilombos aos negros mais pobres?
A data de 13 de maio, que alguns comemoram como o Dia da Abolição da Escravatura no Brasil, não é um dia de festa para os negros. É um dia de protestos e denúncias contra o que, para nós, continua sendo um tipo de escravidão. Isso porque a Lei Áurea não conseguiu, de fato, igualar brancos e negros na sociedade brasileira.
Quando deixo meu escritório no Rio de Janeiro e atravesso a Cinelândia, está ali a prova de que os negros continuam escravos. São escravos da miséria, da fome, do desemprego, da falta de moradia e educação. São meninos e meninas famintos, sujos, vendendo bala, cheirando cola, dormindo entre sacos de lixo. São mulheres que amamentam seus filhos sentadas nas calçadas imundas. Eles estão ali, todos os dias, escravos do descaso e do preconceito.
A Lei Áurea não trouxe os negros para dentro das casas, das escolas, das universidades, do mercado de trabalho. Os negros continuam na senzala em nosso País, mas numa situação ainda pior: antes, tinham casa e comida; hoje, têm apenas o chicote. A maior prova dessa situação foram os recentes atos do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
É preciso acabar com a hipocrisia. Se houvesse, de fato, abolição da escravatura negra no País, não estaríamos ainda hoje, no início do terceiro milênio, precisando de leis, que sequer saem do papel, para tentar inserir o negro na sociedade e dar-lhe direito, voz, vez e respeito. Medidas como as anunciadas pelo Governo no dia 13 de maio mostram que o mito da democracia racial no Brasil está caindo.
O fato é que ainda existe escravidão, e não só de negros. Há brancos fazendo trabalho escravo em nosso País. Na capital do Estado que me elegeu, as senzalas foram transferidas do quintal da casa grande para as favelas que subiram os morros, verdadeiros guetos de negros, pobres, excluídos do respeito da sociedade. É uma vergonha internacional!
Acredito, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que nosso único orgulho a ser comemorado neste ano foi o resultado da pesquisa do IBGE de 2000. A presença dos negros na população brasileira passou de 5% para 6,2%, em dez anos. Ao mesmo tempo, a quantidade de pardos caiu de 42,6% em 1999 para 39,1% em 2000.
Mas, segundo técnicos daquele Instituto, o crescimento do índice não indica o crescimento do número de negros e sim uma mudança de comportamento significativa. O negro não esconde mais que é negro. O negro está resgatando a sua cor e exibindo-a com orgulho, sem medo do preconceito que ainda reina em nossos tempos.
Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para concluir, eu queria abordar um tema também muito importante e preocupante: a campanha dos petroleiros no Brasil. Nesta semana, fomos procurados pelos dirigentes da Federação Única dos Petroleiros - FUP, que nos trouxeram a preocupação em relação ao andamento das negociações com a Petrobras.
Os dirigentes sindicais dos petroleiros, em âmbito nacional, estão preocupados com a intransigência da direção da empresa. O Sr. Francisco Gros está sendo muito rigoroso nas negociações, o que pode desencadear nova greve na Petrobras. Isso não interessa nem a nós, Parlamentares, nem à sociedade, nem aos sindicalistas, nem aos trabalhadores, já que ainda temos na lembrança a greve de 1998, que durou muitos dias e causou grandes prejuízos à Nação. Na época, os sindicatos foram punidos rigorosamente com uma multa de R$180 mil por dia, o que levou à falência os sindicatos dos petroleiros.
Quero compartilhar essa preocupação com os Colegas, porque, para nós, é muito importante que a direção da Petrobras tenha mais flexibilidade, seja mais sensível em aceitar a negociação com os petroleiros, para que ponhamos fim a esse impasse criado em função dessa dificuldade que se apresenta.
O Sr. Chico Sartori (Bloco/PSDB - RO) - Concede-me V. Exª um aparte?
O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Concedo o aparte a V. Exª.
O Sr. Chico Sartori (Bloco/PSDB - RO) - Agradeço a concessão do aparte, meu amigo, nobre Senador Geraldo Cândido, que muito honra o seu mandato pela cidade do Rio de Janeiro. Quando V. Exª faz críticas ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, devo ressaltar que Sua Excelência não faz distinção em ajudar as prefeituras de todos os Estados do Brasil, seja qual for o Partido, o PT, o PDT ou qualquer outro partido. Mesmo assim, tenho observado, mesmo antes de ter assumido este mandato, que o PT vota de forma contrária em quase todos os assuntos. Além disso, seus membros sempre diziam que o Plano Real era um plano eleitoreiro e não vigeria nem por 60 dias - o plano valeria somente nas eleições. Agora os candidatos dizem que o Plano deve ser mantido. Não vou citar nomes, pois gosto de fazer campanha somente em nome do meu candidato, dizendo o que ele vai ou não vai fazer. Além disso, não é época de campanha, e esses assuntos são de época de eleição. Contudo, devo dizer, repito, que tais políticos estão afirmando agora que o Plano Real deve ser mantido, que são favoráveis a ele, que não deve haver mudanças. Então, não há demagogia somente pelo lado do Governo; está havendo demagogia pelo lado do próprio PT, principalmente agora que o Partido está aparecendo nas pesquisas. Mas as pesquisas são para a época de campanha. O que importa mesmo são as eleições do dia 6 de outubro. Diria ao nobre Senador Geraldo Cândido, por quem tenho muita admiração, que há milhares de coisas boas no Governo Fernando Henrique Cardoso. Esse Presidente ficará marcado na História deste País como um dos estadistas que mais fez pela sociedade, principalmente pelos menos favorecidos. Não é possível citar tudo o que o Governo Federal fez, mas podemos destacar, em especial, a área da Saúde, que melhorou muito. O Ministro da Saúde, José Serra, fez um trabalho excelente. Agradeço por me ter concedido este aparte, nobre Senador Geraldo Cândido.
O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Senador Chico Sartori, agradeço a V. Exª por sua contribuição ao nosso debate, a qual ajuda a melhorar a nossa discussão. É uma intervenção importante, mas, com todo o respeito a V. Exª, quero discordar de algumas considerações que foram feitas.
Citarei três questões: em primeiro lugar, quanto aos indicadores econômicos e sociais colhidos pelo IBGE no censo de 2000, tais dados foram divulgados recentemente e demonstram que, no Brasil, a situação não andou tão bem como V. Exª diz. Os indicadores sociais são as principais testemunhas, pois demonstram que, em muitos aspectos, nosso povo está em pior situação do que há alguns anos. Outro ponto em que discordo de V. Exª diz respeito ao Plano Real. Senador Chico Sartori, creio que ninguém de bom senso poderá ter opinião contrária ao Plano Real pelo fato de ter sido lançado por Fernando Henrique Cardoso. A população sofreu muito com a inflação, um câncer que corroía o salário de todos os trabalhadores. O Plano Real é um aspecto positivo do Governo Fernando Henrique Cardoso que não podemos ignorar. Domar a inflação era algo difícil, e o projeto do atual Governo não deve ser descartado. Penso que qualquer governo de bom senso deve fazer um esforço para continuar a conter a inflação, que é um mal imenso para a população, principalmente para os assalariados. Finalmente, com relação à saúde, também discordo de V. Exª, já que observamos o ressurgimento de doenças, como a tuberculose, que estavam praticamente extintas desde meados do século passado. Há, outra vez, um recrudescimento da tuberculose nas cidades grandes, como Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Recife. Nas cidades mais pobres, os bairros da periferia têm tido, com freqüência, a presença de hepatite e de meningite, doenças graves, epidêmicas, que atacam freqüentemente as áreas de populações pobres, onde não existe saneamento básico. Há também a questão da dengue. No Rio de Janeiro, meu Estado de origem, que represento no Senado, tivemos neste ano uma epidemia de dengue sem precedentes, com mais de 100 mil pessoas atingidas e mais de 100 óbitos, o que é muito grave. Até o presente momento, a epidemia de dengue grassa nos Estados de Norte a Sul deste País.
V. Exª há de convir que, numa situação em que doenças epidêmicas, contagiosas, como a tuberculose, a hepatite, a meningite e a dengue, atacam a população do Brasil inteiro, isso significa que não tivemos uma ação efetiva do Ministério da Saúde no combate a essas doenças e endemias. Portanto, Senador, não concordo com V. Exª quanto à melhoria do atendimento à saúde da população. E ainda há outros aspectos. Agradeço a V. Exª pelo aparte, mas quero terminar com essa discordância.
Muito obrigado, Sr. Presidente.