Discurso durante a 62ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Constrangimento com as sucessivas manifestações de autoridades econômicas e de outros setores da vida nacional, que têm responsabilizado o Senado por eventuais prejuízos causados pela não-aprovação da CPMF. Repercussões do julgamento dos envolvidos na chacina de Eldorado de Carajás.

Autor
Fernando Ribeiro (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PA)
Nome completo: Fernando de Castro Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. JUDICIARIO.:
  • Constrangimento com as sucessivas manifestações de autoridades econômicas e de outros setores da vida nacional, que têm responsabilizado o Senado por eventuais prejuízos causados pela não-aprovação da CPMF. Repercussões do julgamento dos envolvidos na chacina de Eldorado de Carajás.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2002 - Página 8223
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. JUDICIARIO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AMEAÇA, IMPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, RESPONSABILIDADE, AUSENCIA, APROVAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), PREJUIZO, ESTABILIDADE, GASTOS PUBLICOS, POSSIBILIDADE, RESTRIÇÃO, SERVIÇO, AREA, SAUDE, PREVIDENCIA SOCIAL, ATRASO, LIBERAÇÃO, PROJETO, INTERESSE SOCIAL, ESTADOS.
  • QUESTIONAMENTO, INFERIORIDADE, PERCENTAGEM, ARRECADAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), DESTINAÇÃO, SAUDE, EXERCICIO FINANCEIRO, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, SETOR.
  • DISCORDANCIA, EXTENSÃO, PENA, CORONEL, POLICIA MILITAR, ACUSADO, HOMICIDIO, ESTADO DO PARA (PA), MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA).

O SR. FERNANDO RIBEIRO (PMDB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trazem-me hoje à tribuna dois assuntos que, em mim, causaram profunda motivação para vir e registrar a posição de um Parlamentar novo aqui nesta Casa, ainda aprendendo o ofício de representar o seu Estado no Senado da República, mas profundamente imbuído dos melhores propósitos em relação aos temas que digam respeito ao seu Estado do Pará e ao País como um todo.

Não poderia deixar de registrar o profundo mal-estar que sinto ao me defrontar diariamente com noticiários e manifestações sucessivas de setores do Governo em relação à votação da CPMF. Não desejo aqui abordar, de forma técnica, todas as implicações dessa contribuição, que, instituída em 1993, era inicialmente para ser temporária, mas, ao longo do tempo, vem sendo renovada e tendo a sua alíquota elevada. Na visão da maioria da sociedade, a CPMF já se tornou um tributo permanente. Causam-me profundo constrangimento as manifestações do Governo - que exerce uma pressão que considero legítima, pois esta é uma Casa política, o Governo é uma instituição política, e política se faz por meio de jogos de pressão -, causam-me profundo constrangimento as sucessivas manifestações de autoridades da política econômica e de outros setores como que a responsabilizar o Senado da República por eventuais prejuízos causados pela não-aprovação imediata da CPMF. Temos responsabilidades para com o ajuste fiscal e o bom andamento das contas públicas, é bem verdade, mas também somos responsáveis pela tramitação normal das matérias aqui tratadas, com a apreciação de todos os seus aspectos, com todo o critério.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a mim me causa profundo mal-estar ver o Senado, aqui e ali, tratado como uma mesa de barganha, num processo em que se acusam determinados partidos. Não tenho procuração para defender qualquer partido em relação à questão da prorrogação ou do estabelecimento de uma operação padrão para a apreciação da CPMF.

Fico também profundamente contristado quando vejo a chantagem - e aqui podemos usar essa palavra - que o Governo usa para ameaçar o Congresso Nacional perante a opinião pública, procurando dar a impressão de que a não-aprovação imediata dessa medida poderá nos levar aos caminhos hoje trilhados pela Argentina e poderá implicar uma série de restrições nos serviços da área de saúde, de previdência social, de projetos, enfim, com que o Governo se defrontar.

Paradoxalmente a isso, vemos contínuas notícias de aumento de arrecadação, recordes de arrecadação sucessivamente batidos pelo Governo, o que é motivo de regozijo para a equipe econômico e também, em última análise, de tranqüilidade para os rumos da economia do País. Não se pode usar apenas da CPMF como desculpa para atrasos de cumprimentos de obrigações por parte do Governo, atrasos para liberações de projetos de interesse dos Estados, muitas vezes projetos de interesse social.

O Governo ontem anunciou o represamento ou o bloqueio de recursos em diversas áreas. Sra Presidente, surpreende-nos que, entre os valores tidos como passíveis de retenção, esteja grande parte dos recursos de alguns Ministérios de grande importância pelo caráter social e econômico - como o da Agricultura, por exemplo, que terá 21,9% do seu orçamento retido, em função hipoteticamente da não-aprovação imediata da CPMF no Senado -, enquanto que as despesas, por exemplo, da Presidência da República estejam restritas apenas num percentual de 6,3%.

Sra Presidente, Srªs e Srs Senadores, como disse, causa-me profundo mal-estar toda essa pressão, esse posicionamento não só das autoridades governamentais, que, em última análise, como já disse, considero legítima, uma vez que vivemos de um intercâmbio de pressões, mas também da mídia, que tenta usar isso como uma arma eleitoral contra os Parlamentares, sem levar em consideração que, seguramente, 90% da sociedade brasileira sofre na pele a injustiça de mais esse perverso imposto, que tributa o rico e o pobre da mesma forma. Para o pobre, esse imposto é pesado, obrigando-o, no fim do mês, a recorrer ao cheque especial para o pagamento de contas, enquanto que, para o primeiro, o imposto não faz a menor diferença.

Acredito que há um profundo desconhecimento do que pensa a sociedade. Tive a oportunidade de, na sexta-feira, em Belém, ter um encontro com alguns empresários. A pergunta unânime que me foi feita, ao fim da conversa, já descontraidamente, é o que poderia ser feito no Congresso Nacional para se buscarem outras alternativas que não obrigassem o Governo a se valer de medidas como a CPMF para o equilíbrio das suas contas públicas.

Gostaria, em relação a esse assunto, de enfatizar que, do montante dos recursos arrecadados com a CPMF, que inicialmente eram vinculados à saúde, apenas 36% são nela hoje aplicados. Ou seja, apenas 36% do que é arrecadado ou do que seria arrecadado com a CPMF para o ano de 2002 será aplicado na área de saúde. Vê-se que houve, ao longo do tempo, um desvio de outras fontes de recursos da saúde, sem o que não estaríamos hoje nessa contingência de agravamento dos problemas do setor, uma vez que se procura criar a idéia de que, sem essa contribuição, sem a imediata aprovação dessa medida, será criado um caos no setor. Não, o setor está e sempre esteve um caos.

Não quero que meu pronunciamento aqui seja confundido com qualquer aprovação ou desaprovação a pessoas que passaram pelo setor de saúde e que hoje são candidatas a cargos majoritários neste País. Mas é incontestável que, se houve avanços, como, por exemplo, no estabelecimento de política especial para determinadas doenças, quebras de patentes, instituição dos genéricos, há também a deplorável situação de calamidade nos postos de saúde de certos rincões, que, muitas vezes, não têm uma simples sutura ou um remédio para dor de barriga de criança. Particularmente em meu Estado, o setor de saúde não usufrui de qualquer benefício que possa ser atribuído diretamente à cobrança da CPMF.

Em última análise, recordo, como observador, a luta do Dr. Adib Jatene por recursos para a saúde. Creio que o Dr. Adib Jatene não sabia que a idéia por ele restaurada, de um imposto já extinto, fosse de tamanha importância para a estabilidade das contas públicas em nosso País. Entendo que, se verdadeiro for o grau de importância da CPMF nesse processo, deveria sim o Dr. Adib Jatene ser candidato à Presidência do Brasil, porque ele, com o seu imposto, teria achado a fórmula mágica para a estabilidade das contas públicas, o que é o objetivo de qualquer governante.

Sras e Srs Senadores, além desse assunto, desejo também registrar que, no meu Estado, às primeiras horas da madrugada de hoje, encerrou-se uma parte do julgamento dos envolvidos e acusados no lamentável, triste, deplorável, vergonhoso episódio denominado Chacina de Carajás. Para nós, paraenses, é motivo de profunda consternação. Não poderia deixar de mencionar esse episódio aqui, sem, entretanto, absolutamente formular juízo sobre culpabilidade ou não dos que estavam sentados no banco dos réus, porque não sou juiz e a função de julgar cabe à Justiça. Mas, com a certeza de que aquele lamentável e deplorável episódio, que vitimou 19 pessoas desprotegidas, desassistidas da sociedade e atingiu outras tantas, vitimará por muito tempo outros tantos que estão se vendo na iminência da condenação, como o comandante da operação, Coronel Pantoja, que recebeu esta madrugada uma pena de mais de duzentos anos de prisão. Certamente, não posso concordar com a extensão de uma pena dessas. Não estou em absoluto defendendo a impunidade. Acho que os responsáveis têm que ser julgados e pagar pelos seus crimes. Todavia, penso que, sob pena de se levar essa questão a outros confrontos e não aprender as lições da tragédia que foi para nós todos, paraenses e brasileiros e cidadãos ardorosos defensores da paz, alguns pontos devem ser observados. Primeiro, certamente faltam outros responsáveis no banco do réus em que se ontem sentou o oficial da Polícia Militar responsável pela operação. A passionalidade e a falta de critérios podem ter levado a que, para se remediar um crime hediondo, se cometam outras injustiças também.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2002 - Página 8223