Discurso durante a 62ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Sanção da Lei 10.304/01, fruto de projeto de lei de sua autoria, que transfere terras de propriedade da União para o Estado de Roraima.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Sanção da Lei 10.304/01, fruto de projeto de lei de sua autoria, que transfere terras de propriedade da União para o Estado de Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2002 - Página 8248
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, LEGISLAÇÃO, AUTORIA, ORADOR, TRANSFERENCIA, TERRAS, DOMINIO PUBLICO, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), MELHORIA, ADMINISTRAÇÃO, UTILIZAÇÃO, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, DESNECESSIDADE, FISCALIZAÇÃO, EXECUTIVO.
  • ESCLARECIMENTOS, OBEDIENCIA, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ELABORAÇÃO, LEGISLAÇÃO, LEITURA, CONCLUSÃO, RELATORIO, AUTORIA, JOSAPHAT MARINHO, EX SENADOR, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em fins do ano passado, o Presidente da República sancionou a Lei n.º 10.304, fruto literal de um projeto de minha autoria, elaborado nesta Casa, que transfere ao domínio do Estado de Roraima as terras que, até então, pertenciam à União.

A sanção da lei deu-se no dia 05 de novembro de 2001, exatos 20 dias após a aprovação do projeto que tramitava na Câmara e que, poucos dias antes, retornara ao Senado.

Quero enfocar este tema, Sr.a Presidente, tanto por sua real importância para meu Estado, quanto pelo alcance social de que se reveste. Também, e principalmente, para melhor explicar ao meu querido povo de Roraima o significado dessa conquista em nossas vidas e no quotidiano de quem lavra e semeia a terra, produzindo riquezas e levando à mesa o sustento nosso de cada dia.

A conquista primeira, aquela que realmente a todos interessa, é o fato de, a partir de 05 de novembro - dia da sanção da lei -, ter-nos tornado, de fato e de direito, os legítimos proprietários, os tutores legais de nosso próprio chão, até então dominado, tutorado, monitorado e gerenciado pelo Poder Executivo central. No popular, curto e grosso, Brasília, à distância de mais de 2.000 quilômetros de nós, mandava e tinha a posse legal de nossas terras. Não tem mais. Não manda mais. A terra é nossa e somente a nós - como é em todos os demais Estados da União -, somente a nós, repito, cabe dizer o que faremos e o que produziremos em nossa terra, em nosso chão.

Entretanto, Sr.ª Presidente, há quem diga, em meu Estado, que o que fiz não foi bom. Entendo, perfeitamente, neste particular, que alguns se movam pela falta de imaginação e outros, por motivos poucos ortodoxos. Por essa razão, não se interessam pela legalização da terra até que outros, nestes dias que antecedem as eleições, usem da paixão e da falácia desmedida para atacarem o inatacável.

A bem da verdade, Sr.ª Presidente, nada disso importa. O que realmente vale a pena é que Roraima é o legítimo possuidor de suas terras e esse fato está acima de questões menores. Por si só, a Lei n.º 10.304, carinhosamente apelidada de Lei Marluce Pinto - se me constrange dizê-lo, também não nego que sinto uma pontada de orgulho pelo carinho de meu povo -, representa o início de um novo ciclo de desenvolvimento para Roraima. Com essa visão, com esse sentimento, todo cidadão de bem - roraimenses e brasileiros que livremente escolheram Roraima para instituir seus lares - deve encarar o futuro daquele Estado. Aliás, um futuro mais promissor, bem mais próximo do que muitos imaginam.

Sr.ª Presidente, ao formular meu projeto de lei, tive o cuidado de analisar em profundidade todas as possibilidades e óbices, sem os quais a matéria poderia ficar prejudicada por inconstitucionalidade no mérito.

Recorri, inicialmente, ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, amparando-me no §2º do art. 14, que expressa textualmente: “Aplicam-se à transformação e instalação dos Estados de Roraima e Amapá as normas e os critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia, respeitado o disposto na Constituição e neste ato.”

Ora, Srª. Presidente, se a Lei Complementar n.º 41, de 22 de dezembro de 1981, que criou o Estado de Rondônia, entre suas muitas regras, fixou a responsabilidade de a União transferir ao domínio do novo Estado a posse e a administração dos bens móveis e imóveis - incisos I e II do art. 15 -, nada mais justo, portanto, do que o proposto no projeto de lei de minha autoria. Afinal, fiz valer o disposto no § 2º do art. 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição de 1988, que manda seguir os mesmos critérios usados na criação do Estado de Rondônia. Trata-se, até esse ponto, de simples analogia.

Ao aprofundar minha análise, deparei com normas constitucionais permanentes, que, por mais que desejasse, não poderia ignorar. A Constituição não se pode infringir. Aliás, qualquer adolescente deste imenso País que tenha freqüentado os bancos escolares sabe que direitos e deveres são escritos em nossa Carta Magna, a cujas diretrizes todos nos sujeitamos.

A todos os Estados da Federação, sem exceção, cabe o respeito às normas constitucionais. Está escrito no art. 20, incisos II e XI, respectivamente: “São bens da União: as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; (...) as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”.

Acerca da mesma questão, o § 2º do mesmo art. 20 da Constituição Federal ressalta: “A faixa de até 150 quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”.

Srª. Presidente, vale ressaltar que, desde o tempo do Império, vem sendo preocupação constante dos governantes e legisladores a fixação da faixa de fronteira, que tem sofrido variação quanto ao tamanho, sempre gerando discussões sobre sua verdadeira natureza jurídica.

É de 1850 a primeira lei brasileira a estabelecer um limite fronteiriço. Trata-se da Lei n.º 601, de 08 de setembro, que, em seu art. 1º, fixou “uma zona de dez léguas contínuas aos limites do Império com países estrangeiros para, nas terras devolutas nela existentes, se estabelecerem colônias militares e se fazerem concessões gratuitas a colonos brasileiros”. O objetivo da criação da faixa de fronteira foi a segurança, a nacionalização e o progresso.

A partir de então, o texto foi mantido na primeira Constituição da República, a de 1891, cujo art. 64 deixou aos cuidados do legislador a determinação da largura dessa faixa para a defesa das fronteiras, a construção de fortificações militares e estradas de ferro federais.

A Constituição de 1934, art. 166, elevou a faixa para 100 quilômetros e a Constituição de 1937, art. 165, fixou-a em 150 quilômetros, mantidos na Constituição de 1988.

Assim, vemos que o domínio da União sobre a faixa de fronteira e a dimensão dessa faixa decorrerem de todas as nossas Constituições e também das correspondentes leis ordinárias. Todavia, não há impedimento legal para que na faixa se produza, haja proprietários, fazendeiros, cidades etc...etc...

Em obediência à Constituição, portanto, foi que elaborei meu projeto de lei e, apenas assim, amparado na Constituição, pôde ser aprovado nas duas Casas do Legislativo.

Foi também embasada na Constituição que inseri em meu projeto que as terras transferidas ao Estado deveriam ser utilizadas em atividades de assentamento e de colonização, podendo ser adotado o regime de uso previsto no Decreto-Lei n.º 271, de 28 de fevereiro de 1967. Elucidei, também, que o arrendamento por estrangeiros, caso haja, apenas se fará com obediência aos limites, condições e restrições estabelecidos na legislação federal.

Foi esse projeto, Srª Presidente, elaborado na forma relatada, com emenda de minha autoria, necessária para adequar normas atualizadas, que apresentei nesta Casa e vi transformado na Lei nº 10.304, de 5 de novembro de 2001, para a alegria de meu povo e autonomia de Roraima.

            Gratificação ímpar, devo dizer, tive quando, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, foi designado para relatar meu projeto o saudoso Senador Josaphat Marinho, emérito jurista deste País que, literalmente, assim findou seu relatório:

O projeto, bem elaborado e aperfeiçoado com emenda da própria autora, atenta pelas particularidades da Constituição e as respeita, ao tempo em que a justificação demonstra a necessidade da transferência proposta. Em face dessas normas e circunstâncias, o projeto se afigura perfeitamente jurídico, em todas as latitudes, e merece aprovação, com a emenda que altera a redação do art. 2º.

Mais, Srª Presidente, creio que não precisa ser dito. Não vim aqui nesta tarde apenas para relatar a história de um projeto, coisa que todos sabemos de cor e salteado como elaborar. Tampouco vim aqui para exaltar algo que queira impingir como mérito meu. Vim para relatar a conquista de todo um povo, o povo de Roraima, que alguns tentam afigurar como de somenos importância.

As palavras de Josaphat Marinho, esse inigualável mestre de muitos e muitos mestres do saber jurídico, em particular do Direito Constitucional, bastam para calar os que, em suas limitações tediosas e devaneios megalomaníacos, tentam enodoar o crescimento de uma sociedade que anseia por dias melhores e justiça social.

Meus parabéns, meu povo de Roraima. Não fosse sua luta, sua vontade e sua garra, talvez ainda hoje estaríamos a mercê de burocratas distantes de nós, para alforriar um pedaço de chão que sempre nos pertenceu.

A terra é nossa, a terra é sua. A lei nos garante isso.

Srª Presidente, meus nobres colegas, para uma elucidação, ressalto que desde os idos de 1943, quando o ex-Presidente da República Getúlio Vargas criou os Territórios, o Estado de Roraima, que pertencia ao Estado do Amazonas, passou, por decreto-lei, para o domínio da União. Não é justo, no entanto, que um Estado já constituído não tenha o domínio das suas terras.

Estive no Incra na semana passada, como também já estive em várias autarquias, com Ministros, para solucionar esse problema. A lei tem 120 dias para ser regulamentada, podendo o Senhor Presidente prorrogá-la por mais 45 dias. Os 120 dias já foram completados no dia 5 deste mês e ainda estamos aguardando, em Roraima, a sua regulamentação.

O que me dá tranqüilidade, no entanto, Srª Presidente e meus nobres colegas, é que as terras de Roraima, já não é mais patrimônio da União. Assim, este projeto não só foi salutar para o engrandecimento do nosso Estado como também para dar total autonomia ao novo Estado de ter as suas terras, de fato e de direito, como todos os Estados têm, com exceção ainda do Estado do Amapá. Inclusive, já fui procurada por Parlamentares daquele Estado, que solicitaram a cópia do meu projeto para que também possam fazê-lo em relação ao seu Estado.

Agradeço a V. Exªs pelo tempo que me concedeu.

Sr. Presidente, desço desta tribuna com a certeza de que este projeto foi a solução para o Estado de Roraima.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2002 - Página 8248