Discurso durante a 64ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise sobre o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, intitulado "Pelo fim das décadas perdidas: Educação e Desenvolvimento Sustentado no Brasil", a respeito da participação da escolaridade no processo de exclusão social e de concentração de renda no País.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Análise sobre o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, intitulado "Pelo fim das décadas perdidas: Educação e Desenvolvimento Sustentado no Brasil", a respeito da participação da escolaridade no processo de exclusão social e de concentração de renda no País.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/2002 - Página 8555
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, INCOMPETENCIA, GOVERNANTE, BRASIL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, DESIGUALDADE SOCIAL, MOTIVO, AUSENCIA, MELHORIA, EDUCAÇÃO.
  • COMENTARIO, PESQUISA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMPARAÇÃO, NIVEL, ESCOLARIDADE, SALARIO, TRABALHADOR, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NECESSIDADE, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO PUBLICO, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, A desigualdade é uma das características mais evidentes da sociedade brasileira. Nosso País figura entre aqueles cuja renda está concentrada nas mãos dos cidadãos mais ricos. O valor do coeficiente de Gini do Brasil, próximo a 0,60, somente é inferior ao do Malauí e ao da África do Sul. Quando comparamos a fração da renda nacional apropriada pelos 10% mais ricos àquela apropriada pelos 40% mais pobres, o Brasil, com uma proporção de 28 vezes, é campeoníssimo, muito à frente de Panamá, Peru e Botsuana, seus principais concorrentes nessa triste corrida, com valores entre 20 e 25.

Essas distorções da distribuição da renda nacional têm raízes históricas: elas são o resultado de nosso processo de formação como Estado e como Nação, a conseqüência do acúmulo de equívocos políticos e de planejamento de nossos dirigentes, em todos os regimes institucionais por que passou o País.

Equívocos, aliás, que levaram também ao desequilíbrio de desenvolvimento entre as regiões brasileiras, com a concentração do progresso e da riqueza no Sul e no Sudeste.

Nosso maior erro, porém, está certamente em não haver conseguido formular, implementar e operar uma política de educação consistente e de longo prazo, destinada a erradicar aquele que é um dos aspectos mais injustos dentre nossas desigualdades sociais: a desigualdade do acesso à instrução.

A perversidade do acesso desigual à educação reside precisamente no fato de que ele resulta da má distribuição da renda e, ao mesmo tempo, a realimenta, em um círculo vicioso. A criança de família pobre, quando consegue permanecer alguns anos na escola, ali recebe, em geral, uma instrução de má qualidade, porque nosso ensino público simplesmente não funciona. Os pais, por seu lado, também com baixa escolaridade e fisicamente esgotados pelo trabalho pesado em funções subalternas, não têm tempo nem capacidade para ajudá-la a aprender. Esse quadro produz o desânimo e leva muitas dessas crianças a abandonarem os estudos muito cedo.

Depois, tornada adulta, a pessoa estará menos habilitada para enfrentar o mercado de trabalho. Sua força de trabalho receberá menor remuneração e, quando chegar sua vez de ser pai ou mãe, continuará entre os pobres, não tendo opção senão a de matricular os filhos nas mesmas escolas públicas ineficazes e sendo, além de tudo, incapaz de ajudar o estudo dos filhos.

A possibilidade de ascensão social pelo desenvolvimento pessoal, portanto, é quase nenhuma em nosso País.

A pouca ou má escolaridade, assim, realimenta os processos de exclusão social e de concentração de renda. Esse terrível mecanismo social é revelado em estudo realizado por uma equipe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), integrada por Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques e Rosane Mendonça, intitulado “Pelo fim das décadas perdidas: Educação e desenvolvimento sustentado no Brasil”.

Esse trabalho, cujas conclusões mais importantes desejo apresentar a meus Pares, foi objeto de uma reportagem publicada no Jornal do Brasil do dia 22 de abril, assinada por Luciano Pires.

Segundo o estudo, de todas as variáveis socioeconômicas, o número de anos de escolaridade de um trabalhador é a variável a que está mais fortemente correlacionado seu nível salarial. Isso quer dizer que, embora exista ainda discriminação por raça e sexo -- com os melhores salários sendo auferidos por homens brancos, mesmo quando executam os mesmos serviços que negros e mulheres --, nenhuma dessas outras variáveis apresenta tão elevado coeficiente de regressão, que é uma medida estatística da correlação entre dois parâmetros.

Não se trata da simples valorização do conhecimento e da capacidade intelectual, que existe em qualquer sociedade moderna, sobretudo com o atual predomínio da tecnologia. As medidas estatísticas dos autores mostram que a valorização da escolaridade, medida em anos de freqüência, é significativamente maior que, por exemplo, a que existe nos Estados Unidos.

Lá, a defasagem salarial total, isto é, no mercado de trabalho como um todo, é 58% daquela vigente no Brasil. Essa diferença, lá como aqui, concentra-se na fração que mede a desigualdade entre trabalhadores com níveis de instrução diferentes. Apesar dessa semelhança, a defasagem salarial entre trabalhadores americanos devida a diferenças em nível de instrução é de apenas 17% da brasileira, enquanto a desigualdade entre trabalhadores americanos com mesmo nível de instrução é 93% daquela entre trabalhadores brasileiros.

Ou seja, quase não há diferença na discriminação puramente pessoal -- isto é, entre trabalhadores de mesmo nível educacional -- entre os mercados de trabalho americano e brasileiro. No Brasil, porém, o mercado hipervaloriza a escolaridade dos trabalhadores, pagando muito mais salário adicional por ano adicional de estudo, precisamente por ser essa uma mercadoria escassa por aqui -- trata-se de uma manifestação clara da velha lei econômica da oferta e da procura.

Vimos, pois, que a má qualidade da escola resulta em trabalhadores mal qualificados, condenados à baixa remuneração. Vimos, também, como esse quadro contribui para manter as injustiças sociais, dificultando -- senão quase barrando -- a mobilidade social. Resta dizer que a baixa qualificação do trabalhador brasileiro atravanca também o desenvolvimento do País, por faltar-nos capital humano para a competição internacional em ambiente de mercado globalizado altamente tecnológico.

Nada é mais enganador do que a visão segundo a qual nosso País poderia fazer de sua numerosa e despreparada população uma vantagem comparativa no mercado mundial, pelo baixo nível salarial vigente aqui. Até porque a China, com muito mais gente e com níveis salariais no limiar do trabalho servil, pode inundar o mundo com produtos de baixa qualidade e preço aviltado, a ponto de nos excluir totalmente desse nicho de mercado.

Não, Srªs e Srs. Senadores, essa não pode ser a opção do Brasil! Muito menos se o seu preço for a injustiça e a exclusão sociais.

Nosso lugar no mundo tem de ser outro, de fornecedor de produtos de alta qualidade, tanto oriundos do setor agrícola quanto dos setores industrial e de serviços. Para isso, e para pormos um fim na desigualdade social que nos humilha, temos de fazer uma completa reformulação de nosso sistema de instrução. E -- ponto fundamental -- temos de fazê-lo imediatamente, porque, como dizem os economistas do Ipea, já perdemos décadas demais.

“Educação de qualidade para todos”, assim, não pode ser mero slogan de campanha eleitoral de um ou outro grupo político, mas um compromisso geral da sociedade brasileira. Trata-se de um dever nosso, como formuladores da política nacional, em relação aos milhões de brasileiros de amanhã que, dependendo do que decidirmos e fizermos hoje, estarão na miséria ou terão vida decente.

Isso, porém, envolve mais que o esforço puro e simples de se colocar todas as crianças na escola. De nada adianta elas ficarem lá se a escola for um simples depósito de crianças durante o período diário de trabalho de suas mães, ou um simples refeitório que desobriga a família do encargo de alimentá-las. De nada adianta todas as crianças chegarem à oitava série, vacinadas e merendadas, se sequer sabem ler -- como tem sido freqüentemente constatado por pesquisas e sondagens realizadas com nossos estudantes.

Educação de qualidade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não depende somente de instalações físicas, de computadores, de antenas parabólicas e acesso à Internet, como nosso Governo gosta de anunciar que está fazendo. Não haverá educação de qualidade, neste País ou em qualquer outro, se não houver, nas salas de aula, professores qualificados e motivados, o que não se dará se continuarmos a desprezar a formação de professores e a sua justa remuneração pelo papel básico que exercem na formação dos cidadãos de amanhã -- ou seja, do futuro da Nação.

Isso, infelizmente, é o que está acontecendo. Os resultados recentes em análises comparativas entre os desempenhos de estudantes dos mais diversos países têm sistemática e repetidamente colocado nosso Brasil entre os últimos lugares. Temos os estudantes mais despreparados do mundo, mas nossas autoridades do setor ainda vêm a público dizer que esperavam resultados piores!

Atitude muito semelhante, por sinal, à do Presidente da República, ao declarar, certa vez, que este não era um país pobre, mas apenas injusto, como se ele não tivesse a obrigação, exatamente por estar em seu posto, de trabalhar duro para mudar isso! É como dizer que estamos conformados em colocarmo-nos entre os piores do mundo em qualidade da escola, em distribuição de renda e em falta de perspectivas para o futuro.

Mas não estamos conformados, de jeito nenhum, os que amamos o Brasil. Queremos escola e destino melhor para nosso povo. O conceito que as próximas gerações farão de nós depende do tratamento que dermos agora a esse problema, que já persiste por tempo excessivo.

Muito obrigado.


Modelo1 5/21/242:12



Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/2002 - Página 8555