Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O PAPEL DO BRASIL NO PLANO INTERNACIONAL DIANTE DA EVOLUÇÃO DA POLITICA EXTERNA NORTE-AMERICANA, CARACTERIZADA PELO UNILATERALISMO E PROTECIONISMO COMERCIAL, CONFORME INTERPRETAÇÃO DO EMBAIXADOR RUBENS BARBOSA, DISPONIVEL NO SITE WWW.ENAI.ORG.BR.

Autor
Paulo Hartung (PSB - Partido Socialista Brasileiro/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O PAPEL DO BRASIL NO PLANO INTERNACIONAL DIANTE DA EVOLUÇÃO DA POLITICA EXTERNA NORTE-AMERICANA, CARACTERIZADA PELO UNILATERALISMO E PROTECIONISMO COMERCIAL, CONFORME INTERPRETAÇÃO DO EMBAIXADOR RUBENS BARBOSA, DISPONIVEL NO SITE WWW.ENAI.ORG.BR.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2002 - Página 8833
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, POLITICA EXTERNA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNILATERALIDADE, EXCESSO, PROTECIONISMO, MERCADO INTERNO, AUMENTO, COMBATE, TERRORISMO, PREJUIZO, POLITICA INTERNACIONAL.
  • APREENSÃO, ATUAÇÃO, BRASIL, POLITICA INTERNACIONAL, NECESSIDADE, INTEGRAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, INCENTIVO, COMERCIO EXTERIOR, CRESCIMENTO ECONOMICO.

O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está cada dia mais complexo o cenário para a atuação do Brasil no plano internacional. No último dia 16 de maio, em seu discurso na reunião de cúpula da União Européia e da América Latina e Caribe, o Presidente Fernando Henrique Cardoso propôs trocar o medo do terrorismo por uma “agenda da esperança”. Dois dias depois, o Vice-Presidente norte-americano voltou a aterrorizar a opinião pública de seu país ao afirmar ser “quase certa” a perspectiva de novos atentados terroristas nos Estados Unidos, comandados pela organização Al Quaeda.

Apesar da coincidência ou do acaso na flagrante diferença de perspectivas, a declaração do Vice-Presidente americano, na minha opinião, não foi uma resposta e nem teve como objetivo contestar a posição brasileira. Talvez nem mesmo tenha tomado conhecimento dela. É o mais provável. Foi uma ação foi voltada para o público interno, uma tentativa de desviar a atenção da opinião pública norte-americana das acusações de setores importantes da imprensa e da oposição democrata de que houve descaso do Governo Bush para impedir os atentados de 11 de setembro.

O importante, no entanto, é termos em mente o desencontro das prioridades e o que isso pode significar em termos concretos na realidade atual. Ou seja, enquanto a diplomacia brasileira propõe mudar a agenda internacional, reforçando, nas palavras do próprio Presidente, temas como “o comércio aberto, uma nova arquitetura financeira para o mundo, a luta contra a pobreza e a exclusão social e cultural”, os Estados Unidos reforçam a sua retórica de guerra contra o terror.

Sr. Presidente, após os atentados de 11 de setembro, foi extremamente comum ouvirmos dizer que o mundo não seria mais o mesmo dali para frente. De tão usada, a imagem desgastou-se rapidamente. O que poucos ousaram a afirmar, naquele delicado momento, foi que as mudanças que estavam por vir não dependiam tanto do alcance da ação criminosa dos terroristas, mas sim do sentido que teria a reação norte-americana e o futuro da sua política externa.

Apesar de sua gravidade, os atentados não criaram um mundo novo, mas tiveram o papel de legitimar concepções mais duras e cruas em termos de política exterior norte-americana, posições que já se desenvolviam há algum tempo e que ainda guardavam um certo pudor para serem mostradas abertamente.

Segundo alguns analistas, consolidou-se no governo norte-americano a supremacia de uma visão de política externa que está sendo caracterizada como uma política unilateral e globalizante. Uma política que se confere o direito de intervir em qualquer assunto ou parte do planeta sempre que forem contrariados os seus interesses ou posições políticas, ideológicas, comerciais e outros.

O Embaixador Rubens Barbosa, em excelente estudo apresentado no XIV Fórum Nacional promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos, disponível no site www.enai.org.br, expõe uma interpretação bastante rica da evolução da política externa da administração George Bush, que, recolocada em primeiro plano, após os ataques de 11 de setembro, têm oscilado entre uma posição multilateralista e uma crescente unilateralista. Há uma tendência em restringir as relações com o fóruns multilaterais - e estamos assistindo a isso quase que mensalmente -, e à la carte, como estão dizendo alguns analistas, dando prioridade à defesa de interesses nacionais, ao invés de soluções de consenso internacional.

O crescente unilateralismo torna-se expresso na rejeição a qualquer acordo que possa restringir a ação do governo norte-americano. São os casos da recusa em ratificar o Protocolo de Kyoto e o abandono dos compromissos assumidos para a constituição do Tribunal Penal Internacional. No primeiro caso, a administração Bush opta por uma legislação interna de controle de emissão de poluentes e, no segundo, argumenta que o tratamento de crimes por cortes especiais seria suficiente. Nos dois exemplos a postura é a mesma: permitir o trato pontual dos problemas e evitar assumir obrigações permanentes que possam gerar constrangimentos futuros aos interesses norte-americanos.

Também é possível interpretar certos aspectos da política externa norte-americana como parte de uma estratégia de fortalecimento político eleitoral do governo, em particular a sua subordinação a interesses eminentemente paroquiais. O Presidente George W. Bush foi eleito por uma escassa maioria, em um pleito que teve seus resultados discutidos na justiça. Um governo que começou fraco e que busca consolidar sua posição no Legislativo por meio de concessões localizadas, paroquiais, a despeito dos antagonismos que essas provocam no âmbito internacional.

Os principais exemplos vêm da frente econômica, destacando-se o protecionismo à importação de produtos siderúrgicos e a Lei Agrícola. São ações que contrariam e podem inviabilizar iniciativas multilaterais de amplo alcance, como as negociações da Alca e a nova rodada da OMC. Mas, há casos de submissão do relacionamento político internacional a um paroquialismo que envolve até questões de cunho familiar. O discurso de George W. Bush sobre a suspensão do embargo econômico a Cuba está sendo interpretado como um show de marketing destinado a fortalecer a candidatura de seu irmão entre a comunidade cubano-americana da Flórida.

O ex-Ministro Luís Felipe Lampreia, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, alertou contra o risco de estar sendo gerada uma postura antiamericana no Brasil, em função dos recentes desentendimentos com os EUA. Os preconceitos devem ser evitados, especialmente nas discussões sobre assuntos internacionais, mas, isso não nos pode levar a desconsiderar os fatos, e esses falam por si próprio. Por um lado, não há porque superestimar as divergências atuais, tendo em vista as relações históricas entre os dois países e o conjunto de interesses comuns que os vincula no presente e no futuro. Por outro, não é possível entender a mudança de prioridades da agenda internacional sem considerar a política norte-americana. Os Estados Unidos representam hoje mais de 30% do PIB mundial. São responsáveis por cerca de 25% da produção industrial, são grandes exportadores de bens culturais - o cinema americano está presente em todo o mundo - e os maiores investidores e receptores de investimentos. Isso sem falar do enorme poderio militar, único entre os países desenvolvidos para exercer o poder de controle no âmbito mundial. A reorientação das suas diretrizes tem, portanto, reflexo prático e imediato para o mundo e para o Brasil.

As mudanças nas primazias da agenda internacional também resultaram numa redução do peso relativo da América Latina na conjuntura atual e, em conseqüência, do próprio Brasil. Sendo o desenvolvimento e a abertura comercial temas centrais, a América Latina cresce naturalmente de importância, tendo em vista as relações cruzadas com a União Européia e com os Estados Unidos e as potencialidades e necessidades específicas da nossa região. Sendo a segurança e a guerra ao terror os temas centrais, há um natural deslocamento geopolítico das prioridades mundiais. A questão da segurança não é menos importante para a América Latina, em especial a atuação do narcotráfico e do crime organizado internacional na região, e esse é um espaço para a repactuação de agendas. Porém, ainda há um enorme caminho a ser percorrido para que o assunto seja tratado nos marcos de uma política de desenvolvimento regional.

A tendência ao fortalecimento de correntes políticas nacionais contrárias aos processos de integração cooperativa no plano internacional é outro dado preocupante da conjuntura. O acirramento das tensões internacionais e da intolerância está criando o ambiente propício para o recrudescimento de posições ultranacionalistas e fundamentalistas. O conflito entre Israel e os palestinos, que mereceria um pronunciamento específico, é o exemplo mais extremado de até onde o enfraquecimento das posições progressistas e favoráveis a uma globalização cooperativa podem levar a humanidade. No âmbito europeu, o avanço da ultradireita sinaliza um futuro no qual só tendem a crescer as dificuldades para uma agenda baseada no desenvolvimento e no combate às desigualdades internacionais.

Em conjunto, Sr. Presidente, há diversos elementos que indicam um período de maiores complicações para o Brasil no plano internacional. Motivos de sobra - e, aí, vem a minha reflexão propositiva - para reforçarmos nossa atuação para a premência de uma readequação das estratégias brasileiras de integração regional e mundial, assim como da sua articulação com as nossas estratégicas de desenvolvimento.

O Brasil se depara com uma situação limite. Nosso futuro é mais dependente da integração econômica competitiva no âmbito internacional do que outros países menos desenvolvidos. Na prática, o Brasil é um eventual parceiro e um potencial concorrente para outros países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, não dispomos de elementos suficientes para induzir alterações substanciais na agenda internacional. Por isso é que a nossa integração no mundo deverá ter como base a superação de nossas vulnerabilidades econômicas e sociais; caso contrário corremos o risco de uma diplomacia de discursos. Precisamos de uma política de defesa dos interesses nacionais, articulada com uma perspectiva de inserção global com capacidade de decisão.

Embora não seja esse o espaço, vale a pena recordar temas tantas vezes abordados, inclusive por mim desta tribuna, como temas decisivos para o futuro do País: política industrial e de comércio exterior, ampliação do comércio exterior, superação das desigualdades regionais e sociais e o fortalecimento de um novo conceito de nacionalismo, cosmopolita e de braços dados com uma globalização solidária.

O novo quadro impõe uma postura mais comprometida com a política regional e com o futuro do Mercosul. Abre também a oportunidade de atualização da leitura nacional do tema de segurança global em termos de uma política regional. O peso estratégico do Brasil na América do Sul fortalece um maior envolvimento com uma política de combate ao crime em escala internacional, o crime organizado, o narcotráfico, fato que também casa com nossas prioridades internas. A integração comercial no âmbito continental, com a criação da Alca e com a nova rodada da OMC, também deverá passar por um processo de revisão, de forma a ser enquadrada numa perspectiva mais ampliada de posicionamento estratégico do País.

Em resumo, Sr. Presidente, é o momento de repensarmos o papel do Brasil no plano internacional, nesse contexto da globalização e quais as estratégias para atingir nossos objetivos de desenvolvimento econômico, de inclusão social, de avanço e de felicidade para o nosso povo.

O ideal seria que esse assunto fosse assumido como um debate de interesse nacional, comprometendo todas as forças políticas com a busca de alternativas práticas.

Sem dúvida, um enorme desafio para um ano eleitoral.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2002 - Página 8833