Discurso durante a 69ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre artigo do economista Paulo Nogueira Batista Júnior, intitulado "O efeito FHC", no qual aponta o distanciamento entre a retórica e a realidade da política econômica do governo.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Comentários sobre artigo do economista Paulo Nogueira Batista Júnior, intitulado "O efeito FHC", no qual aponta o distanciamento entre a retórica e a realidade da política econômica do governo.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2002 - Página 9121
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PAULO NOGUEIRA BATISTA, ECONOMISTA, CONTESTAÇÃO, CRITICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), POSSIBILIDADE, ELEIÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, DESAJUSTAMENTO, ECONOMIA.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, DIVIDA EXTERNA, DESEMPREGO, REDUÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, IMPOSSIBILIDADE, CRITICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um artigo hoje do Economista Paulo Nogueira Batista Júnior sobre o efeito Fernando Henrique Cardoso, que merece uma reflexão do Senado Federal.

O Efeito FHC.

Ultimamente, tem-se falado muito no “efeito Lula”. O coitado ainda não é (e talvez nunca chegue a ser) presidente da República, mas já produz os seus efeitos econômicos e impactos sobre as expectativas dos mercados, prenunciando (segundo alguns) futuras catástrofes à moda argentina.

Lula tem feito um enorme e comovente esforço para neutralizar essa onda e tornar-se palatável ao establishment. Segundo publicou a Folha (e não houve desmentido), o candidato do PT chegou a dizer que não é contra a Alca, pois isso significaria ser contra uma política de livre comércio. Declarou, também, que renovará o acordo com o FMI, porque pretende “assumir os compromissos assumidos por este país”. Porta-vozes econômicos do partido asseguram que o PT manterá o modelo de metas para a inflação e a política de superávits fiscais primários. Só falta prometer que Pedro Malan continuará ministro da Fazenda [o que certamente não é o propósito, com todo o respeito ao Ministro da Fazenda].

Não obstante, a onda continua. Os elevados prêmios de risco pagos pelo Brasil vêm sendo atribuídos à insegurança provocada pela falta de consistência das propostas econômicas de Lula e outros candidatos da oposição. O “efeito Lula” ganhou vida própria e parece operar independentemente do que diga ou prometa o líder nas pesquisas de intenção de voto.

Não podemos esquecer, entretanto, que existe um efeito muito mais palpável e danoso do que qualquer outro. Afinal, trata-se de um velho conhecido nosso: o efeito FHC.

Talvez nunca tenha existido um governo em que é tão grande a distância entre retórica e realidade. A retórica é de austeridade, equilíbrio, disciplina. A realidade é, em muitos aspectos, quase diametralmente oposta: déficits, instabilidade e fragilidade financeira.

A comparação dos indicadores macroeconômicos brasileiros com os de outros países não é, em geral, favorável a nós. Peço a paciência do leitor para mencionar alguns exemplos.

            E, aí, é que Paulo Nogueira Batista destrincha alguns dados importantes sobre o setor público brasileiro e a condução dos nossos dados fundamentais macroeconômicos.

O setor público brasileiro suporta hoje uma pesada carga de juros. Levantamento publicado pelo FMI, com dados para sete países da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela) e cinco países do Leste da Ásia (Coréia do Sul, Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia), mostra que o Brasil ocupa, nesse particular, posição de grande destaque.

No período 1996/2000, a despesa de juros do governo geral (incluindo governo central, governos estaduais e municipais) alcançou, no caso brasileiro, 8% do PIB e 20,5% do gasto público total. Nenhum dos outros 11 países registra dados próximos aos do Brasil A média simples para a carga de juros do governo geral dos outros países latino-americanos foi de 2,6% do PIB e 10,9% do gasto público total nesse período. Para os asiáticos, 2,3% do total do PIB e 10,4% do gasto público.

Alega-se, às vezes, que a dívida pública brasileira não é elevada para padrões internacionais. Isso era certamente verdade no início da era FHC. Com o passar dos anos e o rápido crescimento da dívida, a afirmação já não é tão válida. No Brasil, a dívida bruta do governo geral alcançou nada menos do que 71,3% do PIB no final do ano passado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o dado correspondente para fins de 2001 foi 55,4% do PIB. Na Alemanha, na França, e no Reino Unido, a dívida bruta do governo geral também é menor do que no Brasil.

Em alguns países desenvolvidos (Canadá, Itália e Japão, por exemplo), o governo geral apresenta um nível de endividamento bruto mais elevado do que no caso brasileiro. Mas, mesmo nesses países, a fragilidade financeira do setor público não é um problema tão grave quanto no Brasil. No nosso caso, a dívida é de prazo mais curto e carrega taxas de juro muito mais altas. E o risco de que surjam dificuldades de refinanciamento é mais elevado. No que diz respeito às contas externas, o Brasil também não se sai bem em comparações internacionais. Projeções para 2002 referentes a um conjunto de 25 economias “emergentes”, publicadas pela revista The Economist, indicam que só dois (Polônia e República Tcheca) apresentarão déficits em conta corrente superiores ao do Brasil como percentagem do PIB. Nesse levantamento, as economias do Leste da Ásia aparecem todas com posição superavitária, assim como a Argentina, a Venezuela e a Rússia.

Em termos de crescimento econômico, a nossa performance relativa também tem sido sofrível. Em 2000 e 2001, o PIB dos países em desenvolvimento cresceu 5,7% e 4%, em média. O do Brasil, 4,4% e 1,5%.

A comparação não nos favorece nem mesmo em termos de inflação, cujo controle é a grande realização da era FHC. A taxa de inflação média (preços ao consumidor) nos países em desenvolvimento foi de 6,1%, em 2000, e 5,7%, em 2001. No Brasil, 7% e 6,8%, respectivamente.

Mas, em tempos de eleição, nada disso importa. O governo continuará ministrando, sem pestanejar, as suas lições de sucesso, responsabilidade e seriedade.”

As observações aqui contidas estão a indicar que seria próprio ao Governo Fernando Henrique Cardoso e aos seus porta-vozes um maior grau de humildade, ainda mais depois da notícia hoje publicada segundo a qual a dívida mobiliária do governo federal em títulos públicos cresceu 1,11%, em abril, passando de R$626,3 bilhões, em março, para R$633,3 bilhões. Portanto, desde o início do Governo Fernando Henrique Cardoso, a dívida mobiliária federal cresceu de cerca de R$61 bilhões para mais de R$633 bilhões, o que significa uma multiplicação por mais do que dez.

Assim, Sr. Presidente, convenhamos, faz-se necessária uma postura de maior cuidado quanto às críticas sobre a possibilidade de Lula ser eleito Presidente do Brasil. Temos a convicção de que, do ponto de vista, inclusive, dos investidores externos, haverá, a médio e longo prazos, a avaliação de que Lula terá as condições para fazer do Brasil uma sociedade onde o crescimento seja mais estável, mais acelerado. E, justamente pelos esforços que serão realizados para melhorar a distribuição da renda e erradicar a pobreza com instrumentos racionais de política econômica, a nossa expectativa é que o Brasil se tornará uma nação mais equilibrada e, por isso, terá um crescimento econômico muito mais estável. Conseqüentemente, as condições de segurança para o povo brasileiro serão, inclusive, maiores.

Os próprios investidores internacionais, hoje tão preocupados com os rendimentos de curtíssimo prazo, verificarão que os investimentos poderão ser ainda mais seguros no Brasil, em função de uma perspectiva de médio e de longo prazo muito mais saudável.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2002 - Página 9121