Discurso durante a 69ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a saúde pública no Estado do Paraná.

Autor
Alvaro Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Reflexão sobre a saúde pública no Estado do Paraná.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2002 - Página 9128
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, INFLUENCIA, POBREZA, DESEMPREGO, PREJUIZO, SAUDE, POPULAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR).
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, AUMENTO, MORTE, DOENÇA, POPULAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR), COMPARAÇÃO, BRASIL, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, SAUDE PUBLICA, MELHORIA, POLITICA SANITARIA, VIGILANCIA SANITARIA.
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, PESQUISA, AMBITO NACIONAL, DEMONSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, BRASIL, SUBSIDIOS, POSTERIORIDADE, COBRANÇA, ATUAÇÃO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, MELHORIA, SAUDE.

O SR. ÁLVARO DIAS (PDT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quem passa pela Secretaria de Saúde Pública do Paraná, em Curitiba, lê uma frase que é ensinamento: “A saúde do povo é a suprema lei”.

No entanto, lamentavelmente, esse ensinamento não tem sido aprendido em função do insucesso governamental no que diz respeito à saúde pública no nosso Estado do Paraná.

Numa análise mais apurada e conseqüente sobre a questão Saúde, cujo determinante principal é a qualidade de vida das pessoas, veremos que ela permeia e transita por todas as políticas setoriais que compõem a Diretriz Global do Plano de Governo 2003 e 2006. Deve permear as políticas setoriais no programa de governo de todos aqueles que se dispõem a governar o Estado e o País, para atender ao ensinamento de que “a saúde do povo é a suprema lei”.

Os Conselhos de Saúde e o processo de pactuação intergestores surgidos após a Lei Orgânica da Saúde criaram condições privilegiadas de negociações para viabilizar a descentralização e a municipalização do SUS, preconizada pela IX Conferência Nacional de Saúde.

No entanto, a verdadeira municipalização ainda não é realidade para todo o País, embora tenha ampliado o acesso da população a serviço de saúde com maior qualidade, diferenciando modelos de atenção e qualificando a gestão descentralizada.

Ocorre, Sr. Presidente, que o processo de estruturação do SUS pode ser considerado um movimento contra o modelo político-econômico-hegemônico, de caráter excludente do Governo Federal. A saúde das pessoas, diz a Constituição, depende de fatores econômicos e sociais, como garantia do emprego, salário digno, moradia, alimentação, educação, transporte, lazer, enfim, qualidade de vida.

O Paraná, infelizmente, seguiu à risca a política neoliberal e excludente do Governo Federal. Deixou de apresentar e implantar proposta de desenvolvimento auto-sustentado para o Estado, aprofundando a crise sócio-econômica. O resultado foi o desestímulo à produção no campo e na agroindústria, forçando a migração populacional, principalmente para a Região Metropolitana de Curitiba, onde as pessoas, sem emprego e renda, incharam sua periferia, ali vivendo em péssimas condições de qualidade de vida.

Estudo da Fundação Getúlio Vargas, de julho de 2001, demonstra que 20% da população do Paraná vive abaixo da linha da pobreza. A pesquisa mostrou que quase 2 milhões de paranaenses têm menos de R$80 de renda per capita mensal. O maior número de indigentes foi registrado exatamente na Região Metropolitana de Curitiba. São 470 mil pessoas (só em Curitiba, 120 mil), vivendo com menos de R$80 mensais. A mesorregião com maior índice de pobreza no Estado é a Centro Ocidental Paranaense, que fica entre as regiões oeste e noroeste, com 40,87% da população na faixa de indigência, definida pela FGV. A mesorregião centro-sul paranaense, entre as regiões central e oeste, tem 38,63% dos habitantes nessa situação. Só em Guarapuava são 26,1 mil pessoas vivendo nessa faixa de indigência.

A avaliação das condições de vida e saúde da população paranaense, tal como a brasileira, aponta para um quadro de extrema gravidade, que se traduz na sobreposição de padrões de morbidade e mortalidade distintos. O avanço dos padrões ditos de modernidade (por exemplo, doenças crônico-degenerativas e violência), se associa à persistência de padrões identificados com o atraso e o subdesenvolvimento (como as doenças infecciosas e parasitárias).

No Paraná, o Governo, nos últimos sete anos, privilegiou a implantação de montadoras de automóveis, em detrimento de investimentos em outras áreas tradicionais da economia paranaense. Longe de nós nos opormos à instalação das montadoras. Mas o que não podemos admitir é o abandono de toda a área geográfica e econômica do Paraná, excluída das políticas públicas de estímulo ao desenvolvimento industrial.

Ao fazer propaganda maciça desta política, concentrada na região metropolitana, aumentou, em muito, os fluxos migratórios do interior para a capital de pessoas em busca de emprego e renda. Isso, associado a condições precárias de vida e trabalho, alterou de forma decisiva os padrões de morbidade e mortalidade. Diluiu-se a até então recente demarcação entre aquelas camadas da população expostas aos chamados “padrões de atraso” (restritos às áreas rurais e até então incipientes periferias urbanas) e aquelas que passaram a desfrutar dos “padrões de modernidade” (característicos de regiões desenvolvidas e industrializadas).

Simultaneamente, uma parcela significativa dessa população, submetida a condições precárias de vida, passa a ser absorvida como força de trabalho, seja no setor produtivo urbano, seja em grandes empreendimentos agropecuários, somando novos padrões de morbidade e mortalidade aos já existentes, a saber, o aumento da incidência das doenças degenerativas, cardiovasculares e mentais, acidentes e doenças do trabalho e outros eventos associados a causas externas, como as intoxicações e violências.

No ano de 1998, registraram-se 929.023 óbitos no Brasil. Destes, 27,6% foram devidos a doenças do aparelho circulatório; 14,9%, a causas mal definidas; 12,7%, a causas externas; 11,9%, a neoplasias; 9,9%, a doenças do aparelho respiratório e 5,2%, a doenças infecciosas e parasitárias.

No Paraná também, em 1998, a principal causa de morte foram as doenças do aparelho circulatório, com 18.676 óbitos (33,4%). Alimentação inadequada, sedentarismo, tabagismo e stress são apontados como os fatores de risco mais importantes.

Nos últimos anos, a violência foi a segunda causa de morte no País, afetando principalmente jovens em idade produtiva e na faixa etária de 14 a 49 anos.

Aqui, no Paraná, o índice de mortes causadas pela violência foi praticamente idêntico ao nacional: 12,1%, mas ficou em terceiro lugar como causa de óbitos. A segunda posição ficou com o câncer, que respondeu por 14,1% dos óbitos, com 7.868 casos fatais. No País, o câncer causou 110.765 óbitos em 1998. As localizações mais freqüentes foram nos aparelhos respiratório, digestivo e genital. As maiores taxas de mortalidade para o sexo masculino correspondem ao câncer de pulmão, estômago, próstata, esôfago e boca. Para o sexo feminino, câncer de mama, pulmão, estômago, cólon, ânus-reto e útero. No Paraná, as neoplasias figuram como a segunda causa de morte em 1998, com a ocorrência, com a ocorrência de 7.868 óbitos (14,1%).

Em um curto período, houve uma queda significativa na participação das doenças infecciosas e parasitárias na mortalidade brasileira. Elas passaram de segunda causa, em 1977, para a sexta posição, em 1998.

As doenças infecciosas e parasitárias causaram 2.208 óbitos no Paraná, em 1998, representando a sexta causa de morte no Estado. Esse número ainda pode ser considerado extremamente alto, visto que a maioria dos óbitos poderia ser evitada com um sistema de vigilância sanitária eficiente e eficaz. Pode-se citar como exemplo os dez óbitos por esquistossomose em 1998, quando se sabe que, apesar da comprovada transmissão autóctone desse agravo em um grande número de Municípios no Estado, no Paraná, aqui não está sendo desenvolvida nenhuma atividade de controle dessa doença.

Procede, portanto, a avaliação recente efetuada pelo Ministério da Saúde, na qual o Sistema de Vigilância Epidemiológica do Paraná foi classificado em 7º lugar, em nível nacional, com nota 58,55, num score que varia de 0 a 100, bem atrás do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que obtiveram, respectivamente, a primeira e segunda colocações. Diante desse quadro, fica evidente a necessidade urgente de reorganização do modelo de vigilância sanitária no Paraná, como instrumento de promoção, proteção contra enfermidades e acidentes e recuperação da saúde. Pode-se citar como deficiência do atual sistema o recente surto de cólera em Paranaguá (o único da Região Sul do Brasil), de diarréia, em Antonina, e de toxoplasmose em Santa Isabel do Ivaí, além da infestação em vários Municípios do Estado pelo mosquito transmissor da dengue, objeto de campanha nacional do Ministério da Saúde.

Outro fato igualmente relevante é o percentual de 7,06 de óbitos atribuídos no Paraná a causas mal definidas. Ainda que bastante inferior ao nacional, o percentual é revelador da deficiência tanto na assistência médica como também e principalmente na verificação de óbitos e no registro de dados. No Sul, estamos em situação melhor do que em Santa Catarina (14,23) porém pior do que o Rio Grande do Sul (5,57).

O “envelhecimento” da população do Paraná é mais um aspecto que não pode ser ignorado. Enquanto caiu a participação de crianças e jovens, cresceu a de adultos e idosos. O número de habitantes com 60 anos e mais cresceu progressivamente nos últimos anos de 5,1% para 6,9% e, no ano de 2000, para 8,14% na população do Paraná. Ressalte-se que a maior parte da população paranaense encontra-se na faixa de 15 a 49 anos. Estes dados mostram, portanto, que está havendo um envelhecimento progressivo da população paranaense, o que, do ponto de vista epidemiológico, torna-se muito relevante.

O grau de urbanização da população paranaense, crescente e acelerado, nas últimas décadas, traz consigo uma preocupação constante com os processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas, para adequação e funcionamento da rede de serviços sociais e de infra-estrutura urbana. O grau de urbanização do Paraná, de 79,74%, acompanha os índices da Região Sul, que cresceram de 74,1, em 1991, para 77,2, em 1996, e 80,9 em 2000.

Sr. Presidente, dados são importantes para a análise. Os dados estatísticos são quase sempre discutíveis no País e são colocados rotineiramente sob suspeita. Os dados são conflitantes quando se originam em organizações não-governamentais ou nos institutos de pesquisa, que trabalham, por exemplo, para as centrais sindicais; e aqueles que são fornecidos, oficialmente, por órgãos do Governo. De qualquer forma, os dados estatísticos oficiais, tanto quanto aqueles de instituições privadas, revelam a gravidade da situação da saúde pública no nosso País, e não é diferente no Estado do Paraná.

Daí, Sr. Presidente, a importância, sobretudo neste ano eleitoral, de realizarmos o diagnóstico da situação real da saúde pública no País, para se exigir, dos futuros governantes, uma atenção mais adequada a esta prioridade que é a saúde da população.

O Congresso Nacional se preocupou, e esta Casa, o Senado Federal, da mesma forma, aprovou aqui uma emenda constitucional obrigando as Unidades da Federação a aplicar 12% do Orçamento em saúde pública.

Não basta o cumprimento desse dispositivo constitucional, a aplicação dos recursos em valores significativos que possam oferecer mecanismos, instrumentos e infra-estrutura adequada para um melhor serviço de saúde. É preciso que os Governos atuem com competência e honestidade, aplicando com correção os recursos públicos, especialmente nesse setor fundamental, para que se alcance a boa qualidade de vida que se deseja, porque, do contrário, o texto frio da lei frustrar-se-á, já que por si só não oferecerá à população a qualidade de serviço público que ela exige e merece.

O ano eleitoral é o cenário adequado para que candidatos assumam compromissos. Sei que há a descrença generalizada da população em relação às promessas de campanha eleitoral, mas, de qualquer forma, não podemos prescindir de planos de governo que impliquem compromissos claros, visíveis, a fim de que a população possa cobrar dos eleitos.

É o que desejamos, Sr. Presidente. Que a eleição seja, sim, um motivo de esperança, que possa ser marco de um novo rumo para este País, mas que a população possa ser respeitada, especialmente nas suas aspirações maiores, no que diz respeito à boa qualidade de vida, para que o exercício da cidadania se dê de forma absoluta no nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2002 - Página 9128