Discurso durante a 69ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as disfunções na distribuição de poder entre os entes da Federação e a conseqüente falta de coerência nas políticas públicas.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre as disfunções na distribuição de poder entre os entes da Federação e a conseqüente falta de coerência nas políticas públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2002 - Página 9192
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CRISE, FEDERAÇÃO, BRASIL, INSUCESSO, DISTRIBUIÇÃO, PODER, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, RESULTADO, FALTA, ORGANIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PREJUIZO, SAUDE, EDUCAÇÃO, AUMENTO, DIVIDA EXTERNA, POBREZA, REDUÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, INCAPACIDADE, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, "se há uma coisa mal resolvida na vida política brasileira é a relação entre as instâncias de poder. Se você examinar nossa história, vai notar um pêndulo entre movimentos de centralização e descentralização. A Constituição jogou o pêndulo para a descentralização, mas ele ficou no meio do caminho. Estamos vivendo agora o fenômeno do federalismo truncado. Embora a Constituição tenha decidido pela descentralização, não completou o movimento. Você desmontou o Estado centralizado do regime militar, mas não criou no seu lugar um genuíno Estado federativo."

São palavras do professor Eduardo Giannetti da Fonseca, que sintetizam a gravidade da crise federativa em que vivemos e que é causa de muitos males nacionais, como a falta de coerência de políticas públicas.

Não se trata de discussão acadêmica, teórica ou especulativa. A crise do federalismo revela uma relação incoerente entre os entes da federação, causa desperdício de recursos públicos, já escassos, irresponsabilidade social e perda de muitas vidas humanas.

Enquanto milhões de pessoas são infectadas pela dengue em todo o Brasil, e muitas mortes ocorrem, assistimos estarrecidos a uma discussão trágica sobre a responsabilidade do combate ao mosquito da dengue.

A verdadeira questão não é se o mosquito é federal, estadual ou municipal. A verdadeira questão é: quem é responsável pela morte de inúmeras pessoas, no caso de uma doença que poderia ser efetivamente combatida?

Certamente, na origem desse e de outros inúmeros problemas, está o federalismo truncado, em que a União continua forte, tal como durante o regime autoritário, com poder de arrecadar quase ilimitado, de se endividar, de emitir moeda, de fixar taxas de juros, taxas de câmbio e administrar o orçamento conforme seus interesses.

No Governo Fernando Henrique Cardoso, a carga tributária passou de 27% para 34%, o que significa que mais de um terço da renda nacional vai para o setor público, desestimulando as atividades produtivas e a criação de novos postos de trabalho, e impossibilitando a manutenção de pequenas empresas.

Pior que isso é a falta de retorno, em serviços públicos decentes, dessa brutal carga tributária, extraída de forma quase desumana de pessoas pobres, que pagam um imposto elevado até sobre a comida, sobre a cesta básica, sobre o mínimo de calorias para a alimentação de um ser humano.

É impossível haver crescimento econômico com esse tipo de federalismo, em que os brasileiros são obrigados, em média, a trabalhar 124 dias por ano só para pagar tributos.

Se considerarmos que, além da brutal carga tributária, o endividamento público vem crescendo e hoje se situa em torno de 5% do Produto Interno Bruto, vemos que o Estado se apropria de aproximadamente 40% do PIB, com uma péssima distribuição de renda entre pessoas, entre setores econômicos, entre regiões e entre União, Estados e Municípios.

Poderíamos dizer que estamos vivendo um federalismo truncado e perverso, em que o Governo Federal evitou fazer uma reforma tributária que desse maior competitividade à nossa economia, em que fossem verdadeiramente respeitados os princípios do federalismo fiscal.

Apesar dessa verdadeira derrama que tem sido conduzida pelo Governo Federal, continuamos com um desequilíbrio crônico nas contas públicas, com as finanças públicas em situação crítica, com dívida pública interna caminhando para os R$700 bilhões.

As taxas de juros inconstitucionais e escandalosas praticadas no Brasil contribuem para o aumento exagerado dessa dívida pública quase impagável e impossibilitam a realização de investimentos em setores de infra-estrutura da economia, como energia, transporte e saneamento básico.

É chegado o momento, e já estamos atrasados, de dar um basta nessa situação. Não podemos continuar tolerando uma situação decorrente desse federalismo truncado e perverso, em que 24 milhões de domicílios não dispõem de rede de esgoto, 8 milhões não têm água encanada e quase 9 milhões não têm coleta de lixo; em que pessoas continuam a morrer de dengue e a qualidade do ensino continua muito baixa, com crianças na 5ª série primária sem saber ler nem escrever.

Para que exista uma verdadeira democracia no Brasil, para que não haja desequilíbrio entre os Poderes, mas que eles atuem com separação e harmonia, para que tenhamos uma verdadeira federação, com respeito aos direitos e garantias individuais, é fundamental que União, Estados e Municípios dividam receitas, obrigações e responsabilidades de maneira correta e eqüitativa, tendo em vista o interesse da coletividade.

É preciso maior respeito pelo dinheiro do contribuinte, é preciso maior rigor no gasto público para que cada centavo seja aplicado efetivamente em benefício do nosso povo. É preciso coragem para cortar gastos supérfluos, tanto no Executivo, como no Legislativo e no Judiciário.

Não podemos continuar a ter um federalismo falso, só no papel, em que as relações entre União, Estado e Municípios são assimétricas e desequilibradas. Precisamos de um modelo mais justo, em que os entes federados cumpram suas obrigações de prestar verdadeiros serviços públicos, de melhor qualidade e com menores custos.

É essa a nossa luta, uma luta pela democracia e pelo bem-estar do nosso povo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2002 - Página 9192