Pronunciamento de Antonio Carlos Valadares em 23/05/2002
Discurso durante a 68ª Sessão Especial, no Senado Federal
Homenagem a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, pelo transcurso dos 50 anos de sua fundação.
- Autor
- Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
- Nome completo: Antonio Carlos Valadares
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.
POLITICA SOCIAL.:
- Homenagem a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, pelo transcurso dos 50 anos de sua fundação.
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/05/2002 - Página 8989
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
- Indexação
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- HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB).
- APRESENTAÇÃO, DADOS, AUMENTO, FOME, POBREZA, AMBITO INTERNACIONAL, DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, CRIAÇÃO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, DIREITOS, ALIMENTAÇÃO.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Ramez Tebet; Excelentíssimo Reverendíssimo Dom Jayme Henrique de Chemello, Presidente da CNBB; Dom Alfio Rapisarda, Núncio Apostólico; Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília; Dom Marcelo Pinto Carvalheira, Vice-Presidente da CNBB; Dom Raymundo Damasceno Assis, Secretário-Geral da CNBB; Srªs e Srs. Senadores, demais autoridades eclesiásticas presentes a esta solenidade, meus senhores e minhas senhoras, a CNBB, ao completar 50 anos de sua existência, elaborou um documento que, tenho certeza, figurará nos anais da história brasileira como um contributo inestimável à melhoria das relações entre o Poder Público, o poder político e as comunidades brasileira e mundial.
O aconselhamento aprovado pelos membros da CNBB demonstra a sua identificação com o povo brasileiro e com a população mundial do sofrimento induzido pela injustiça social, pela miséria sem conta, pela humilhação da fome. Assinalo que, dentre tantos pontos relevantes deste documento, chamou-me a atenção a injustiça social aqui dita, que assume proporções de ofensa a Deus, que nos criou à Sua imagem e semelhança, e se opõe ao mandamento do amor fraterno que Jesus Cristo institui como lei da nova e eterna aliança. O resgate da dignidade dos pobres não pode limitar-se à assistência emergencial, mas exige a transformação da sociedade e da economia em uma ordem voltada para o bem comum.
A propósito desse aconselhamento e - podemos dizer - dessa denúncia, destacamos que o nosso mundo de hoje, crivado pela miséria, pela pobreza de muitos e pela violência, é o mundo que efetivamente comete a injustiça social aqui instalada. Basta que recordemos alguns números decorrentes da ambição desmedida de forças poderosas que formam um verdadeiro império invisível e consolidado naquilo que chamamos mercado financeiro.
Trazemos alguns dados que demonstram, insofismavelmente, a injustiça social a que se refere a CNBB. Das 60 mil empresas transnacionais, pelo menos 200 delas controlam 60% do PIB do planeta. É a verdadeira monopolização da economia mundial: 200 empresas controlam 60% da riqueza do planeta.
A automatização do capital faz com que pelo menos US$1 trilhão mude de mãos no mundo. E o que representa esse trilhão de dólares que circula no mercado financeiro globalizado unificado? Desse capital, 80% são flutuantes ou especulativos e apenas 13% representam algum investimento. Esses são dados contundentes das Nações Unidas que colhi para enfatizar a luta que a Igreja, neste momento, vem encetando em favor dos mais pobres.
Apesar do desenvolvimento ocorrido na agricultura, com o avanço de novos métodos de práticas agrícolas e com o surgimento de tecnologias inovadoras que aumentaram substancialmente a produção agrícola, a fome ainda tem campeado. Como foi dito pela Organização das Nações Unidas, mais de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo. E os dados dos estudiosos da matéria mostram uma situação incrível, ou seja, embora a produção de alimentos seja suficiente para alimentar o dobro da população mundial, ainda assim, diariamente, 100 mil pessoas morrem por falta de comida.
O assunto “alimentação” não preocupa apenas os estudiosos de hoje, mas preocupou também os estudiosos de ontem, como Josué de Castro, grande brasileiro, que causou admiração não só a nós, brasileiros, mas a todo o mundo civilizado, com seus artigos, inclusive com o livro Geografia da Fome, que estampava a realidade mundial, o recrudescimento desse processo de inanição, de matança coletiva, que já se processava há mais de 30 anos.
Em seu livro Fome: Um Tema Proibido, ele disse:
O subdesenvolvimento não é, como muitos pensam equivocadamente, insuficiência ou ausência de desenvolvimento. O subdesenvolvimento é um produto ou um subproduto do desenvolvimento, uma derivação inevitável da exploração econômica colonial ou neocolonial, que continua se exercendo sobre diversas regiões do planeta.
E, como em uma antevisão daquilo a que estamos assistindo nos dias de hoje, ele falou há mais de 40 anos:
É urgente restabelecer o equilíbrio econômico do mundo, aterrando o largo fosso que separa os países bem desenvolvidos dos países subdesenvolvidos, sem o que é bem difícil que se consiga a verdadeira paz e tranqüilidade entre os homens. Nenhuma tarefa internacional se apresenta mais árdua, mas, ao mesmo tempo, mais promissora para o futuro do mundo do que a do desenvolvimento econômico dessas áreas mais atrasadas, onde os recursos naturais e os potenciais geográficos se conservam relativamente inexplorados.
E, adiante, acrescenta:
Essa tremenda desigualdade social entre os povos divide economicamente o mundo em dois mundos diferentes: o mundo dos ricos e o mundo dos pobres; o mundo dos países bem desenvolvidos e industrializados e o mundo dos países proletários e subdesenvolvidos. Esse fosso econômico divide hoje a humanidade em dois grupos que se entendem com dificuldade: o grupo dos que não comem, constituído por dois terços da humanidade que habitam as áreas subdesenvolvidas do mundo, e o grupo dos que não dormem, que é o terço restante dos países ricos, com receio da revolta dos que não comem.
São palavras proféticas ditas por um homem que dedicou toda a sua vida ao estudo das injustiças sociais decorrentes da fome.
O Brasil ocupa uma posição humilhante no mapa do desenvolvimento humano, conforme consta do Relatório do Desenvolvimento Humano 2001, divulgado pela Organização das Nações Unidas - ONU. Como sabemos, o IDH mede as realizações de um país em termos de esperança de vida, nível educacional e rendimento real ajustado.
Em matéria de desenvolvimento humano, o Brasil perde para a Colômbia, Venezuela, Panamá, México, Trinidad e Tobago, Costa Rica, Chile, Uruguai e Argentina, entre outros. É deficitária a oferta de bens no plano social, no Brasil. Em primeiro lugar, está a Noruega, país em situação de superioridade na oferta de bom desenvolvimento humano, além da Austrália, do Canadá, da Suécia e da Bélgica.
Recentemente, as nações mais desenvolvidas do mundo, juntamente com as menos desenvolvidas que participam das Nações Unidas, assinaram documento denominado Declaração do Milênio, em que vários princípios foram aprovados, tais como o da liberdade, da igualdade, da solidariedade, da tolerância, da responsabilidade comum, da paz, da segurança, do desarmamento, do desenvolvimento e da erradicação da pobreza. Sobre o desenvolvimento e a erradicação da pobreza, é dito nessa Declaração:
Não pouparemos esforços para libertar os nossos semelhantes, homens, mulheres e crianças, das condições abjetas e desumanas da pobreza extrema, à qual estão submetidos atualmente mais de um milhão de seres humanos. Estamos empenhados em fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos e em libertar toda a humanidade da carência.
E, mais na frente, afirma-se:
Decidimos, ainda, reduzir para a metade, até ao ano de 2015, a percentagem de habitantes do planeta com rendimentos inferiores a um dólar por dia e a das pessoas que passam fome e, de igual modo, reduzir para a metade a percentagem de pessoas que não têm acesso à água potável ou carecem de meios para obtê-la.
É dito isso como se essa fosse uma simples operação aritmética. Há 800 milhões de pessoas morrendo de fome, e a Organização das Nações Unidas, da qual fazem parte as nações mais poderosas e mais industrializadas do mundo, afirma, de forma cabal, simples, como se fosse uma conta aritmética, que somente no ano de 2015 é que teremos condições de reduzir de 800 milhões para 400 milhões o número de pessoas que estão morrendo de fome no mundo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, membros da CNBB, as conseqüências da fome são a perda do potencial humano e o comprometimento da capacidade das novas gerações, que deverão conduzir os destinos da humanidade no novo milênio que se inicia. Segundo a FAO, existem populações vítimas de escassez de alimentos em 88 países do mundo, a maior parte deles localizada na África e na Ásia. Em nosso continente, nove países integram essa estatística, e, lamentavelmente, o Brasil é um deles.
As maiores causas da fome em nosso País são, sem dúvida, como acentua o documento da CNBB, a perversa concentração de renda e as desigualdades regionais. Sabemos que milhões de brasileiros, principalmente os das Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, vivem em péssimas condições, no mais completo estado de pobreza.
Segundo dados revelados por Dom Mauro Morelli, incansável batalhador da luta contra a fome em nosso País e em prol da segurança alimentar, cerca de 40% da população brasileira do meio rural, justamente onde os alimentos são produzidos, vive abaixo da linha de pobreza, em condições subumanas.
Estatísticas não faltam. Um estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas estima que cerca de 60 milhões de brasileiros já se encontram abaixo da linha de pobreza.
Portanto, Sr. Presidente, a fome e a pobreza são entraves definitivos para a continuidade do desenvolvimento da sociedade. A chave para derrotar a fome está em concentrar esforços para se saber tanto o que pode ser feito como também onde devem ser removidas as barreiras e expandidas as oportunidades. A conscientização dos jovens - que representam cerca de 18% do total de 6 bilhões de habitantes do planeta - quanto à gravidade do problema da fome, da subnutrição e das suas conseqüências desastrosas para o futuro da humanidade pode ser um dos vetores dessa ação.
A FAO tem reafirmado que “qualquer estratégia destinada a erradicar a fome deve basear-se em dois objetivos principais: aumentar a produção de alimentos para dar de comer a uma população mundial cada vez maior e melhorar as condições de vida para que todos possam dispor do mínimo vital em matéria de alimentação”. Isso significa que os países em desenvolvimento, os mais afetados pelos problemas da fome e da subnutrição, devem dedicar uma atenção muito maior ao setor agrícola, se quiserem reduzir a pobreza.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, autoridades eclesiásticas aqui presentes, em outubro do ano passado, em comemoração a um evento internacional, hoje aprovado mundialmente, o Dia Internacional da Fome, tive a ocasião de apresentar uma proposição no Senado Federal, que foi apoiada praticamente pela totalidade dos Srs. Senadores, que introduz na nossa Carta Magna um dispositivo que assegura o direito à alimentação como condição indispensável para a correção das injustiças sociais em nosso País. Trata-se da Emenda Constitucional nº 21, de 2001, que, como disse, foi apoiada por quase a totalidade dos Srs. Senadores e por todos os partidos políticos que compõem esta Casa. Inserir esse direito em nossa Carta Magna - disse naquela ocasião - é a confirmação desse nobre pensamento em não permitir que ninguém venha a morrer no Brasil por falta de um prato de comida.
Essa previsão constitucional não tem o objetivo de forçar uma distribuição aleatória ou demagógica de cestas básicas sem critério ou sem motivação. A principal finalidade é assegurar aos segmentos mais pobres da população o estabelecimento de políticas públicas consistentes que evitem a fome e a miséria, e assim cada brasileiro poder usufruir uma alimentação adequada à sua sobrevivência.
Ao enaltecer os 50 anos da CNBB, nessa homenagem de iniciativa do nobre Senador Pedro Simon, uma figura histórica desta Casa, que tem um passado de relevantes serviços prestados a este País, um homem católico de coração e solidário ao sofrimento dos mais pobres, quero afirmar que homenagem mais justa não poderia haver no âmbito do Senado Federal.
Louvo a iniciativa do Senador Pedro Simon, porque acompanho o trabalho religioso dos nossos Bispos em Sergipe, Estado que tenho a honra de representar nesta Casa, e destaco as palavras sempre generosas de Dom Lessa em relação aos mais pobres, a sua luta edificante para corrigir as distorções e as injustiças sociais que atormentam a nossa população. Toda essa luta desenvolvida em Sergipe desencadeia, sem dúvida nenhuma, o espírito de solidariedade entre os cristãos do nosso Estado.
Finalmente, ao encerrar a minha participação nesta solenidade, e relembrando que o Senado Federal deverá se posicionar dentro em breve em relação a essa Emenda Constitucional nº 21, que atende aos objetivos da CNBB e do povo brasileiro, cito aqui uma frase, pronunciada há mais de duzentos anos por Jean-Jacques Rousseau, sobre as leis: “Entre o fraco e o forte, é a liberdade que oprime e é a lei que liberta”.
Muito obrigado.
(Palmas.)