Discurso durante a 68ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, pelo transcurso dos 50 anos de sua fundação.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, pelo transcurso dos 50 anos de sua fundação.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2002 - Página 8993
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ELOGIO, ASSISTENCIA RELIGIOSA, ASSISTENCIA SOCIAL, REALIZAÇÃO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, INCENTIVO, EDUCAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, COMBATE, FOME, MISERIA, VIOLENCIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, falarei pelo Bloco da Oposição, que, hoje, é composto pelo Partido dos Trabalhadores e pelo PPS.

Prezado Dom Jaime Henrique Chemello, Presidente da CNBB; Dom Alfio Rapizarda, Núncio Apostólico; Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília; Dom Marcelo Pinto Carvalheira, Vice-Presidente da CNBB; Dom Raimundo Damasceno Assis, Secretário-Geral; Srªs e Srs. Senadores, é bonita a história que inspira a Campanha da Fraternidade deste ano: “Por uma terra sem males”, baseada em um mito guarani, em que o grande pai Nhanderuvuçu, diante de tanta maldade que estava ocorrendo, resolveu provocar um incêndio na Terra. Eis que o Pajé Guiraypoty resolveu instalar-se com a sua família numa cabana, fugindo para o litoral. Ali, abrigados, tiveram um certo receio, porque as águas começaram a subir, e a casa, então, começou a flutuar e foi levada para o céu. E o que aconteceu no céu? Surgiu uma terra sem males, onde ninguém envelhece, ninguém sofre, ninguém tem fome e ninguém morre.

Seria possível construirmos uma sociedade solidária e fraterna, sem males, a começar pelos povos indígenas, baseados nos valores do reino divino, conforme ressaltou Dom Luciano Mendes de Almeida, em seu artigo na Folha de S. Paulo, de fevereiro último: “Cresça a esperança da vida plena que Jesus para todos conquistou”?

É com júbilo que venho prestar esta homenagem especial à CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, pela passagem de seu cinqüentenário.

Gostaria de informar que meus Colegas de Bancada, a Senadora Heloísa Helena, os Senadores Geraldo Cândido, Tião Viana e José Eduardo Dutra queriam participar com apartes, mas, segundo o Regimento, em sessão especial, como a de hoje, não são permitidos apartes.

Criada numa reunião no Palácio de São Joaquim, com o objetivo de traçar linhas diretivas de ação pastoral e deliberar sobre os assuntos ligados à igreja, a CNBB desenvolve no Brasil, desde então, um trabalho ímpar na evangelização, na promoção da família cristã e das vocações sacerdotais e em diversos campos da vida brasileira.

Depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, o Episcopado latino-americano reuniu-se no ano de 1968, em Medellín, na Colômbia, para implementar o Concílio no Continente. A reunião levou a Igreja a enfrentar a pobreza crescente, buscando a transformação das estruturas sociais injustas que dominam a região. Dez anos após, em Puebla, o Episcopado decidiu embrenhar-se na difícil tarefa de superar a situação de marginalização, opressão e exclusão em que vive enorme parcela do povo da região. 

Nessa época, a CNBB cuidou da reforma litúrgica e da tradução de novos livros para, na década de 70, distinguir-se como defensora dos direitos humanos, lutando contra a tortura, reivindicando o retorno da democracia ao Brasil. Protegeu os direitos dos trabalhadores urbanos e dos lavradores, criou as comunidades eclesiais de base e socorreu os povos indígenas.

Nos anos 80, a CNBB conseguiu elevar sua voz nos trabalhos constituintes, conseguindo manter o ensino religioso nas escolas públicas. Lutou pela renovação da ação catequética e pelo aumento das vocações sacerdotais, empreendendo, na década seguinte, os caminhos da nova evangelização.

Entre as ações positivas da CNBB estão as Campanhas da Fraternidade, que se inspiraram no espírito renovador do Concílio Vaticano II. Concebidas e estruturadas no Concílio, no Plano Pastoral de Emergência e no Plano Pastoral de Conjunto, acabaram recebendo o aval do Papa que, a partir de 70, envia uma mensagem especial, na Quarta-Feira de Cinzas, abertura da Campanha.

O primeiro tema adotado pela Campanha da Fraternidade versou sobre liturgia, e os seguintes contemplaram a vida interna da Igreja e a renovação cristã. Em uma segunda fase, como já ressaltou o autor do requerimento desta homenagem, Senador Pedro Simon, a Igreja, preocupada com a exclusão social, cuidou para que as campanhas tratassem assuntos do interesse direto da população, como trabalho, saúde, educação e violência. Finalmente, a partir de meados da década de 80, os temas voltaram-se para situações existenciais do povo, como fome, terra, menor, negro, mulher, trabalho, encarcerados, juventude, moradia, família, excluídos, política, educação, desempregados, drogas, para chegar, este ano, aos povos indígenas, com o lema “Por uma terra sem males”.

A Campanha da Fraternidade consiste em uma ampla atividade de evangelização libertadora, desenvolvida durante a Quaresma, baseada em um tema específico que leva o cristão a seguir os preceitos evangélicos de repartir o pão com quem tem fome, dar de vestir ao maltrapilho, libertar os oprimidos e promover a todos. Sua principal finalidade consiste em despertar o cristão para a busca do bem comum e da fraternidade, tendo em vista uma sociedade mais justa e solidária.

Outra atividade da CNBB é a Pastoral da Criança, uma das mais importantes organizações do mundo a cuidar da saúde, nutrição e educação da criança, do ventre materno aos seis anos, envolvendo a família e a comunidade. Graças a esse trabalho, que se utiliza de metodologia própria e atua principalmente nas periferias das grandes cidades e nos bolsões de miséria de pequenos e médios municípios brasileiros, a mortalidade infantil, nos locais assistidos, chega a ser 50% menor do que naqueles em que a Pastoral não está presente.

A dinâmica da Pastoral da Criança consiste em treinar líderes comunitários, que residem no local, para dar assistência integral às famílias. Alguns projetos complementares, como a geração de renda, a alfabetização de adultos e a participação no controle social dão suporte material às famílias e às comunidades.

Lembro-me quando, no início dos anos 90, o Padre Ricardo Resende chamou diversos Deputados e Senadores para acompanharmos uma situação, no sul do Pará, que ele considerava como escravidão de trabalhadores rurais. Para lá fomos e ouvimos dezenas de depoimentos, em Rio Maria, a respeito da situação que caracterizava o trabalho e as suas condições. Os trabalhadores nos disseram que o proprietário da fazenda ou o gerente anunciava que iriam para uma fazenda, a 400 ou 500 km dali, cortar a floresta, preparar a terra etc. Ficariam ali por algum tempo, recebendo uma remuneração. Passadas quatro semanas, um trabalhador se dirigiu ao gerente da fazenda:

- Já está na hora de receber.

- Por enquanto, o senhor não pode receber.

- Como não? Afinal, trabalhei um bocado e preciso enviar o dinheiro para a minha família.

- Mas o senhor, por enquanto, comprou mais na venda do que o que tem direito de receber.

- Bom, se for assim, eu vou embora.

- Se quiser ir embora, então vai levar um tiro.

E muitos levaram tiros, tipicamente uma situação de falta de liberdade, daquela liberdade que nos fala Amartya Sen, em Desenvolvimento como Liberdade, quando diz que o desenvolvimento só terá sentido na medida em que houver a ampliação da liberdade de escolha de todos os seres humanos.

Para enfrentar o novo milênio cristão, o Papa João Paulo II publicou a carta Tertio Millenio Ineunte, em que frisa a importância permanente da ação evangelizadora, que leva aos homens a boa nova da salvação. Seguindo a orientação papal, a CNBB pretende desenvolver o diálogo ecumênico, para que as igrejas cristãs possam, solidariamente, enfrentar os graves problemas introduzidos pela globalização no mundo moderno. A cooperação com o Conic - Conselho Nacional das Igrejas Cristãs - e o diálogo inter-religioso contribuem para a criação de um clima de solidariedade entre os fiéis, que podem e devem agir em conjunto, divisando melhores perspectivas para a população brasileira.

Neste ano, para comemorar o 36º Dia Mundial das Comunicações, a CNBB elegeu o tema “Internet: novo fórum para a proclamação do Evangelho”. A modernização se faz necessária frente à onda de globalização que assola o mundo, a fim de que o testemunho evangélico também possa ser dado de forma padronizada. O terceiro milênio está a exigir um novo perfil do comunicador católico, que precisa adaptar-se às diferentes exigências da comunidade.

Prevendo, para o início do milênio, um Mutirão Nacional pela Superação da Miséria e da Fome, a CNBB convocou um esforço coletivo, para garantir a todos os brasileiros o direito à vida e à alimentação, na busca de uma sociedade justa e fraterna, conforme os planos de Deus.

Esse programa insere-se na ação evangelizadora da Igreja, ao lado de outros projetos modernos, como a construção de um milhão de cisternas no semi-árido brasileiro, a campanha pela aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, a campanha pela participação consciente no processo eleitoral, a criação de comitês contra a corrupção eleitoral e outras ações em defesa da soberania nacional e da segurança alimentar, ameaçadas por interferências internacionais.

Seria importante, Sr. Presidente Ramez Tebet, que nesta oportunidade o Congresso Nacional ouvisse de V. Exª o empenho, que sei que é de todas as Lideranças, no sentido de que possamos, efetivamente, votar o Estatuto dos Povos Indígenas.

Este será um ano de grande importância para o Brasil. Além do cinqüentenário da CNBB, os católicos brasileiros receberam, no dia 19 último, a notícia da canonização de Amabile Lucia Visitainer, em religião Madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus, fundadora da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, ato que foi testemunhado pelo Presidente Ramez Tebet.

Fazemos votos de que Madre Paulina inspire os brasileiros na escolha de seus candidatos nas eleições que se avizinham. E esperamos que os próximos Presidente da República, Governadores de Estados e Parlamentares sejam capazes de exercer suas funções dentro do espírito cristão de proteção aos menos favorecidos que campeia na CNBB. É preciso diminuir a exclusão social no País, atender de forma mais humana aos carentes, tornar a distribuição de renda mais justa e acabar com a fome e a miséria que, vergonhosamente, ainda atingem tantos brasileiros.

Queremos cumprimentar Dom Jayme Chemello, Dom Marcelo Carvalheira, Dom Raymundo Damasceno e todos os Cardeais, Arcebispos, Bispos, religiosos e leigos, que nesses 50 anos trabalharam na CNBB, pela magnífica obra que desenvolvem no Brasil. Sua presença constante nos grandes momentos da vida do País e sua permanência na distribuição do bem servem de exemplo a todos nós, preocupados com os graves problemas sociais que atingem nosso País. É claro que Dom Helder Câmara, Dom Luciano Mendes de Almeida e tantos outros aqui já homenageados são figuras de inspiração e exemplo para todos nós.

Se olharmos com atenção as exigências evangélicas e éticas da superação da miséria e da fome, concluiremos que, ao lado de outros, para a finalidade de construir um Brasil justo, teremos que instituir, o quanto antes, o direito inalienável de todos participarem da riqueza da Nação, por meio de uma renda modesta, porém suficiente, para suprir as necessidades vitais, o que denominamos de renda de cidadania. Ou seja, não importa origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica, todos devem ter o direito de receber essa renda básica incondicionalmente. Dessa maneira, estaremos muito mais próximos de atingir uma terra sem males.

Sr. Presidente, quando a Senadora Heloísa Helena, assim como nossos companheiros, estudava os textos de Karl Marx, Che Guevara, Carlos Marighela e tantos outros, encontrou o mesmo que consta nos textos do Deuteronômio, nos livros do Êxodo ou de Isaías e nas passagens do Evangelho, como aquelas em que São Paulo recomenda aos coríntios que, para que haja justiça e igualdade, conforme está escrito. É preciso que todo aquele que teve uma safra abundante não tenha demais e todo aquele que teve uma safra pequena não tenha de menos.

Sr. Presidente, são muitas as passagens tanto do Novo Testamento quanto do Antigo Testamento em que encontramos esse grande anseio que não era apenas do povo judeu e do povo palestino, mas sim de todos os povos do mundo: realização de justiça, como expresso na palavra Tzeda Ka, que, em hebraico, quer dizer aspiração de justiça social, justiça na sociedade.

Nossos cumprimentos, do PT e do PPS, à CNBB.

Muito obrigado.

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2002 - Página 8993