Discurso durante a 70ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do relatório da Unesco, intitulado Mapa da Violência, sobre o aumento da violência registrado entre os jovens.

Autor
Lindberg Cury (PFL - Partido da Frente Liberal/DF)
Nome completo: Lindberg Aziz Cury
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Análise do relatório da Unesco, intitulado Mapa da Violência, sobre o aumento da violência registrado entre os jovens.
Aparteantes
José Fogaça.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2002 - Página 9335
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), RELATORIO, AUMENTO, HOMICIDIO, JUVENTUDE, BRASIL, COMENTARIO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AMPLIAÇÃO, SEQUESTRO.
  • CRITICA, AUSENCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, LEGISLATIVO, APOIO, JUVENTUDE, NECESSIDADE, REDUÇÃO, IDADE, RESPONSABILIDADE CIVIL, AUXILIO, POPULAÇÃO, COMBATE, DROGA, CRIAÇÃO, EMPREGO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, VIOLENCIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LINDBERG CURY (PMDB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a abordar um tema que está muito em evidência hoje em nosso País; aliás, serve de plataforma para todos os candidatos à Presidência da República. Refiro-me aos dados levantados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

São estarrecedores os números do Mapa da Violência III, divulgado no início deste mês pela Unesco. Dos 60 países avaliados pela Organização, o Brasil, lamentavelmente, ocupa o vergonhoso terceiro lugar em número de jovens assassinados - esse fato me chamou a atenção, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores -, ficando atrás somente da Colômbia e de Porto Rico.

Na Colômbia, como todos sabemos, o tráfico de drogas coloca os jovens desempregados em situação de combate.

E é uma triste notícia para o nosso País. Qual será o futuro dos nossos jovens?

Segundo a pesquisa, o índice de assassinatos de jovens entre 15 e 24 anos no Brasil aumentou 48% na última década. Na população em geral, o número de homicídios por cada cem mil habitantes cresceu 29% no mesmo período. Das 45.919 pessoas assassinadas no País em 2000, 17.762 eram jovens.

O estudo comprova que os jovens estão se tornando, de forma acelerada, as principais vítimas do homicídio. Em 1991, foram 35,2 assassinatos para cada cem mil jovens. Em 2000, essa proporção passou para 52,1 homicídios para cada cem mil jovens.

É lamentável que, de uma década para outra, o número de 35,2 passe para 52,1. Esse número gera uma preocupação em todos nós, que deveria estar presente naqueles que administram nosso País.

A pesquisa revela que o problema é mais grave nos centros urbanos. Considerando apenas as capitais do País, a taxa de homicídios de jovens chegou a 98,8 a cada cem mil jovens, no ano 2000, ou seja, a taxa praticamente dobrou, passando de 52,1 para 98,8, nas capitais, hoje. Isso significa que, de cada mil jovens que moram em uma capital, um é assassinado.

De acordo com o perfil traçado pela Unesco, as maiores vítimas são homens de 21 anos. Entre os jovens assassinados, 93% são do sexo masculino. A idade em que mais foram registrados homicídios, em 2000, foi a de 21 anos, com 2.220 casos. Entre 1998 e 2000, o uso de armas de fogo no homicídio juvenil cresceu de 66% para 74%.

Imaginem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que esse crescimento de 66% para 74%, numericamente, não tem grande expressão, mas, quando os transformamos nos valores que representam, torna-se algo incrível.

A pesquisa mostra que os três Estados com os índices mais altos de homicídios entre os jovens são Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo. Rio de Janeiro e São Paulo não são novidade, mas Pernambuco? Recentemente, talvez em conseqüência do desdobramento dos problemas de ordem social, principalmente o desemprego, esse Estado está inserido nesse contexto junto aos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, onde existe um dos maiores conglomerados de população em nosso País.

A pesquisa também informa que Brasília não é diferente. Em 1991, foram assassinados 221 jovens brasilienses, de 15 a 24 anos. Em 2001, esse número subiu para 341 assassinatos. Houve um crescimento da ordem de 54%.

Sr. Presidente, é lamentável que esteja ocorrendo isso em nosso País. Alguns números fornecidos pelas pesquisas indicam que os países que têm o maior índice de emprego, ou o menor índice de desemprego, apresentam os menores índices de criminalidade.

Chamou-me a atenção um crime que houve, dentro de um supermercado, há algum tempo, no Japão, cuja notícia repercutiu por muito tempo na imprensa. Perguntei a alguém daquele país por que esse crime ficou tão famoso. A resposta foi que não há crimes no Japão e, portanto, quando ocorre um fato como aquele assassinato, torna-se notícia e tem uma repercussão muito grande.

As pesquisas, realmente, têm procedência, porque é um País que tem os menores índices de desemprego, onde muitas empresas trabalham em âmbito familiar.

Sempre digo, nas minhas palestras, que temos que ter um respeito muito grande pelo Japão, porque é um País que saiu das cinzas da última guerra mundial destroçado pelas bombas atômicas, pelas experiências que foram feitas em Hiroshima. E esse povo saiu dessa situação, por meio da microempresa e daquilo que temos na nossa bandeira: Ordem e Progresso. Isso fez com que o País se tornasse um dos maiores produtores do mundo e considerado um dos maiores países em desenvolvimento. Temos que ter admiração por um povo organizado como esse.

Srªs e Srs. Senadores, não cansarei V. Exªs com mais números, mesmo porque tenho certeza de que a maioria já acompanhou essas infelizes estatísticas publicadas nos jornais no fim de semana. O que desejo trazer ao debate é a busca de soluções para enfrentar esse problema.

O Governo Federal tenta fugir da responsabilidade, dizendo que o crescimento da violência entre os jovens é culpa da falta de compromisso dos Governos Estaduais e dos Legisladores com políticas voltadas para essa faixa etária. Em termos, procede essa afirmação do Governo Federal, porque, se damos aos jovens o direito ao voto aos 16 anos, eles também deveriam responder civilmente pelos seus próprios atos.

O Congresso Nacional tem feito a sua parte. Recentemente, a Comissão Mista de Segurança Pública - de que participei como membro suplente - aprovou 21 projetos de lei e três Propostas de Emenda à Constituição, visando a combater a criminalidade no País. Entre essas propostas, estão a que proíbe a propaganda e limita o uso de armas de fogo; a que prevê a punição mais rigorosa para o crime de seqüestro, que, atualmente, tornou-se uma profissão em todos os Estados, principalmente nos três grandes centros citados há pouco: Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. São os chamados seqüestros-relâmpago. As vítimas não são apenas de famílias milionárias. Atualmente, também, está se irradiando o seqüestro de pobres, à procura de R$100,00, de R$200,00, de R$300,00 ou até de R$500,00. Imita-se tudo. No momento em que se divulga o caso na televisão, estamos, automaticamente, inserindo no contexto a oportunidade para que os bem-sucedidos seqüestros sejam avaliados e examinados por aqueles marginais especialistas na área.

Falei a respeito do combate ao narcotráfico e da criação de um sistema nacional antidrogas, além da instituição do Fundo Nacional de Segurança Pública e da regulamentação do Sistema Nacional de Segurança Pública, unificando as Polícias.

Por fim, a Comissão propõe ao Poder Executivo a adoção de um sistema interativo de segurança, composto por sistemas de inteligência, de conhecimento, de operações, disciplinar e correcional bem como comunitário e preventivo. Até a palavra “preventiva” deve ficar em nossa mente e fazer parte permanentemente das nossas preocupações. É muito mais fácil evitar o crime do que tentar corrigi-lo quando o fato ocorre.

Acreditamos que essas medidas em muito ajudarão a reduzir o índice de criminalidade em nosso País. Mas os Governos Federal e Estaduais também precisam fazer a sua parte, criando programas que beneficiem esses jovens e os tirem da lista de morte.

O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - Senador Lindberg Cury, quero registrar, e não poderia ser de outra forma, o grande apreço e admiração que tenho por V. Exª, que crescem quando traz à tribuna, com tanta ponderação, sabedoria e consciência, um problema dessa natureza. Os políticos, geralmente, não gostam de lidar com a questão da violência, com a qual é emocionalmente difícil lidar. Muitas vezes, corremos o risco, também, de redundarmos em propostas que possam estar inteiramente equivocadas e que possam fazer, ao contrário, o feitiço virar contra o feiticeiro. Mas V. Exª está direcionando seu pronunciamento em uma linha de muita moderação, consciência, cobrando das autoridades no nível que deve cobrar e mostrando que tem, sobretudo, sensibilidade social. Preocupa-me demais esta realidade dolorosa do nosso País onde os jovens matam e morrem com uma facilidade estupenda! Deixa-nos estarrecidos ver as estatísticas concentradas em jovens de 15 a 24 anos. Fui um dos grandes defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece o limite da imputação criminal em 18 anos de idade. No entanto, acompanhando os debates da Comissão que trata da questão da segurança, vi o registro, de resto também já testemunhado nos jornais, no noticiário policial, de que, atualmente, as quadrilhas que se formam para a prática de seqüestros estão utilizando jovens entre 16 e 18 anos para executarem as vítimas. O ato de execução, que é, muitas vezes, o de matar com um tiro na cabeça uma das vítimas, tem sido delegado a jovens de 16 a 18 anos, porque estes são inimputáveis. Isso me deixa absolutamente apavorado, porque sempre fui um defensor do Estatuto da Criança e do Adolescente e do limite da inimputabilidade em 18 anos. Mas não posso deixar de reconhecer que o Senador Iris Rezende tem alguma razão, tem um fundamento, pelo menos na prática da vida e do dia-a-dia, ao apresentar a proposta de emenda constitucional que reduz a inimputabilidade para 16 anos. Por outro lado, defendo, Senador Lindberg Cury, que a questão da segurança é pré-policial. Mas V. Exª tratou disso muito bem, pois falou da questão do emprego e do desemprego. Basta olhar essas estatísticas para ver, também, os níveis de violência que caracterizam uma região, um grande centro metropolitano ou outro do nosso País. Isso é inegável. Mas me parece que há também um enfoque falho e insuficiente nesse ponto: há a questão de emprego e desemprego, sim, mas há também a necessidade de uma ação comunitária, de uma ação governamental, de uma ação da sociedade e das autoridades. Há a necessidade de políticas públicas que sejam anteriores à ação policial, anteriores às chamadas ações de segurança. Há uma experiência extraordinária, realizada por um país como a Inglaterra, que demonstra o princípio do sentido comunitário da organização social. Criar vida comunitária também é uma forma de reduzir drasticamente os índices de criminalidade e violência, como demonstraram recentes estatísticas. Nas comunidades, nos grupos sociais onde há organicidade, ou seja, onde as pessoas se associam, vivem entrelaçadas em seus interesses e objetivos de vida, vivem em comunidade, seja por clubes sociais, seja por clubes de mães, seja por associações comunitárias, seja por qualquer forma de associativismo, está provado que nesses lugares caem drasticamente os índices de violência. No Brasil, infelizmente, por fazer parte do governo estadual, a autoridade responsável pela segurança tem um papel muito restrito, muito limitado, eu diria, ficando quase impossível de se cobrar algo dele nessa construção de vida comunitária. O Secretário de Segurança Estadual, que é responsável pelo comando da Polícia Civil e da Polícia Militar, é tão-somente o gestor de ações macropolíticas em termos de segurança pública. Talvez seja o caso de pensarmos em municipalizar não a polícia, não a corporação das Polícias Militares, não a Polícia Civil, mas municipalizarmos as ações voltadas, de forma integrada, para a segurança, incumbindo os municípios, por meio dos conselhos municipais e as cidades, de criarem esses padrões comunitários de vida associativa. Onde há vida comunitária não há crime. Onde há um entrelaçamento e parceria entre municipalidade e cidadãos, entre sociedade e Estado, o crime também se reduz sensivelmente. Essa é uma preocupação que tenho e creio que é um desafio para o próximo Presidente da República, e não deixa também de ser uma responsabilidade nossa, do Congresso Nacional, criar os mecanismos que possam reduzir os acidentes, as mortes, a violência. Já fizemos isso no âmbito do Código de Trânsito. Creio que está na hora de fazermos isso no âmbito da segurança pública. Municipalizamos o trânsito. Hoje, os pequenos e médios municípios cuidam do trânsito local mediante convênios com os governos estaduais. Talvez tenha chegado a hora de também fazermos uma espécie de entrelaçamento, de associação ou parceria de ações comunitárias entre Estado e Município para reduzir, nos focos mais concentrados, essa criminalidade, essa violência e esse número de mortes. Faço este registro como uma tentativa modesta de contribuição, mas, sobretudo, orientando-me pela visão, pelo pensamento, pela linha que V. Exª deu ao excelente discurso que faz nesta tarde. Obrigado, Senador Lindberg Cury.

O SR. LINDBERG CURY (PFL - DF) - Senador José Fogaça, V. Exª deu uma grande contribuição, pela sua experiência, à discussão do problema. Muito obrigado.

Eu ainda não estava no Senado, mas já acompanhava, pela mídia, o posicionamento sempre seguro e ponderado de V. Exª no que diz respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente. E hoje o que vimos é a realidade. Até peço permissão para que todas essas avaliações levantadas por V. Exª fossem incorporadas ao meu pronunciamento. V. Exª não se limitou a números, mas trouxe também linhas importantes que a sociedade tem de adotar. V. Exª fala que não se trata de um problema apenas do Governo. Realmente, não é um problema só do Governo, mas da sociedade, do sistema educacional e de todos aqueles que participam de um processo importantíssimo na recuperação daqueles que usam a droga. A droga, proveniente, talvez, do desemprego, da falta de instrução, da falta de educação, tem feito com que a criminalidade aumente cada vez mais.

Quero parabenizá-lo pelo brilhantismo do aparte de V. Exª, por quem tenho grande admiração. V. Exª sabe, Senador.

Hoje, grande parte da juventude está sem perspectivas. A maioria, pobre, precisa enfrentar desde cedo o mercado de trabalho para ajudar a família. Sem qualificação, esses jovens não conseguem o sonhado emprego e são jogados no crime. O destino é engrossar as estatísticas de homicídios.

            Os governos precisam investir mais na educação e na geração de empregos para esses jovens. Precisamos de políticas públicas que realmente ajudem a reduzir o problema e a criar esperanças no coração da nossa juventude. Assim como fez em outras campanhas de cunho nacional, como no combate ao fumo, o Governo Federal tem condição de promover uma ampla campanha pela vida de nossos jovens. O futuro do nosso País está em jogo e não podemos perder tempo.

Trata-se de uma questão sobre a qual o Senado tem uma responsabilidade muito grande. Quero aproveitar a oportunidade para dizer aos que acompanham a TV Senado que cada família deve dar sua contribuição.

Muito obrigado.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2002 - Página 9335