Discurso durante a 70ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Problemática do trabalho infantil no Brasil.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Problemática do trabalho infantil no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2002 - Página 9378
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, AUMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, INFERIORIDADE, AMBITO NACIONAL, CONTRIBUIÇÃO, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PESQUISA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ENCAMINHAMENTO, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), DENUNCIA, EXPLORAÇÃO, MENOR, EMPREGADO DOMESTICO, CRIME, TRAFICO, DROGA, UTILIZAÇÃO, ARMA DE FOGO, PROSTITUIÇÃO, AUXILIO, RENDA MENSAL, FAMILIA, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO, CRIANÇA.
  • ANALISE, NECESSIDADE, POLITICA, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, PEDIDO, APOIO, AUTORIDADE PUBLICA, PREPARAÇÃO, FUTURO, CIDADANIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o trabalho infantil, como todos sabemos, é uma nódoa que há muito estamos tentando extirpar da vida social brasileira. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam a existência, em nosso País, de aproximadamente 6,6 milhões de crianças trabalhadoras, em que pesem os programas governamentais e os esforços da coletividade desenvolvidos para mudar essa situação.

Diga-se, de passagem, que essa triste realidade não é exclusivamente brasileira. Em todo o mundo há cerca de 246 milhões de crianças e jovens, com idade entre 5 e 17 anos, trabalhando. Desse total, 180 milhões exercem funções arriscadas, de acordo com a OIT, principalmente na agricultura e na construção civil.

No Brasil, o número de crianças empregadas tem diminuído significativamente desde 1992, passando de 8,4 milhões para os atuais 6,6 milhões. Para isso, sem dúvida, têm contribuído os projetos governamentais Bolsa-Escola e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). A própria sociedade vem reagindo a essa situação, por entender que o trabalho nessa faixa etária, com carga horária extensa e freqüentemente mal remunerado, além de retirar a criança da escola, acaba por impedir a sua formação e por suprimir a infância precocemente. A legislação brasileira, pelos mesmos motivos, proíbe o trabalho de menores de 14 anos e, dessa idade até os 16, só admite a condição de aprendizes.

Apesar dos sucessos que se vêm obtendo nessa área, a situação é preocupante. Primeiramente, porque o número de trabalhadores infantis - 6 milhões e 600 mil - ainda é muito elevado, conferindo-nos uma vexatória liderança em toda a América Latina; em segundo lugar, porque a redução do trabalho infantil foi bastante expressiva nos primeiros anos da década passada, mas vem passando por visível desaceleração - praticamente se estagnou nos últimos anos, segundo avalia o coordenador da OIT no Brasil, Pedro Américo Oliveira; finalmente, constata-se que 10% de toda a população infantil brasileira “trabalha”, se é que se pode usar esse termo, em atividades as mais degradantes, como prostituição e tráfico de drogas.

Em relação ao tráfico, o jornal O Globo publicou recente pesquisa da ONG Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social, que relata a existência, somente no Rio de Janeiro, de 5.369 menores que trabalham, armados, para 337 bocas-de-fumo. De acordo com a pesquisa, que será encaminhada à OIT para demonstrar a necessidade de políticas especiais para esse contingente, o número de jovens envolvidos no tráfico é maior nos locais onde há guerras de quadrilhas ou freqüentes confrontos com a polícia, porque eles não questionam as ordens dos chefes. O levantamento revela, ainda, que muitos gerentes de bocas-de-fumo têm apenas 16 anos, e que jovens de 13 anos envolvidos com o tráfico preferem receber armas como pagamento.

Por sua vez, o mapa do trabalho infantil elaborado pela OIT revela outros dados bem representativos da vida brasileira. Entre esses, destaca o fato de 560 mil crianças entre 5 e 17 anos trabalharem como domésticas. Embora um grande contingente se concentre na faixa entre os 15 e os 17 anos, o número de domésticas com idade inferior a 15 anos ainda é gritante: nada menos que 229 mil, com destaque para as Regiões Nordeste (77 mil) e Sudeste (73 mil), seguindo-se: Região Sul (29 mil), Centro-Oeste (26 mil) e Norte (24 mil).

A revista Época, numa de suas últimas edições, ao esclarecer que as crianças podem fazer trabalhos domésticos em casa ou fora de casa, relata um caso típico: mesmo estando os pais empregados, a renda familiar é insuficiente para pagar uma creche. Nessas condições, a filha mais velha, Waldilene, de apenas 8 anos, é obrigada a cuidar dos dois irmãos menores e a fazer todo o trabalho de casa: arrumar as camas, lavar a roupa e esquentar a comida. Obviamente, essa menina, citada na reportagem, além de ter abandonado os estudos, não está vivendo a infância a que deveria ter direito.

“Até pouco tempo atrás - comenta a reportagem -, a carga horária de meninas como Waldilene não deveria merecer a atenção de estudiosos. Afinal de contas, pais que mandam uma filha de oito anos cuidar de crianças era apenas uma realidade familiar, nunca um indicador socioeconômico.” A própria revista, ao afirmar que “pela tradição familiar não há nada de errado em começar a trabalhar cedo”, faz o alerta da professora de Direito do Trabalho Oris de Oliveira, da USP: “Desde que a criança possa também estudar e ter tempo para brincar, e desde que o trabalho não seja uma tarefa desumana, desproporcional a suas forças e sua idade.”

Infelizmente, Srªs e Srs. Senadores, a realidade brasileira não se enquadra na advertência da professora. Nossa dura realidade mostra que muitas crianças, como a citada Waldilene, trabalham duro em casa porque os pais, trabalhando fora, ainda assim não podem pagar uma creche. Em outros casos, a criança trabalha fora para aumentar a renda familiar, quiçá para garantir a própria sobrevivência, submetendo-se a uma carga exaustiva e a salários irrisórios.

No caso específico do trabalho doméstico, a revista destaca ainda uma constatação do estudo: a existência de crianças e adolescentes que trabalham para famílias também de pequenos rendimentos, de classe social próxima à delas: “Na maioria dos casos, são miseráveis contratados por pobres”, salienta a ONG.

São fatos conhecidos, Sr. Presidente. Um exemplo típico desse acontecimento é o da doméstica que destina uma parcela do seu minguado salário para que uma parente ou uma vizinha cuide de seus filhos menores. Essa situação reforça a necessidade que temos de expandir o número de creches gratuitas e em horário integral para atendimento às pessoas carentes.

O número de crianças e adolescentes que trabalham profissionalmente ou com sobrecarga de horário, no Brasil, é tão grande que o trabalho infantil tem um peso econômico considerável, não só pelo rendimento que obtêm - irrisório e à custa de muito sacrifício, mas às vezes condição de sobrevivência -, como, também, pelo fato de viabilizarem o emprego dos pais.

“De fato - comenta a revista Época -, os pequenos trabalhadores ajudam a manter a engrenagem econômica das metrópoles. Ao radiografar o trabalho doméstico dos meninos e meninas, viu-se que ele os tira da miséria e dá condições para que trabalhadores se mantenham empregados.”

A complementação da renda familiar se torna evidente, Srªs e Srs. Senadores, quando se analisa a origem das crianças que trabalham como domésticas. Em 54% dos casos, a mãe ganha menos de um salário mínimo, e em 36% ganham menos de dois salários mínimos mensais. Quanto aos pais, 42% deles ganham menos de um salário mínimo e 36% ganham menos de dois.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o trabalho doméstico é apenas uma das modalidades do trabalho infantil. Há outras talvez mais violentas ou arriscadas, como o trabalho no tráfico; ou mais degradantes, como a prostituição. Nem por isso podemos fechar os olhos para essa realidade que “mata” a infância, que leva centenas de milhares de crianças e adolescentes brasileiros a se tornarem adultos antes da hora, prejudicando irreversivelmente, já que o tempo não volta, o seu desenvolvimento psíquico, intelectual e emocional.

É forçoso que nós, brasileiros, nos unamos, juntamente com nossas autoridades, para pôr um fim a esse resquício do regime escravagista, para que nossas crianças possam usufruir adequadamente dessa importante fase da vida, que é a infância, e preparar-se para um futuro risonho, com perspectivas de emprego digno e de pleno exercício da cidadania.

Muito obrigado!

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2002 - Página 9378