Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Ponderações sobre a situação da educação no Brasil, conforme análise de dados estatísticos.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Ponderações sobre a situação da educação no Brasil, conforme análise de dados estatísticos.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/2002 - Página 9852
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, AMPLIAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, AUMENTO, MATRICULA, ENSINO FUNDAMENTAL.
  • ANALISE, RESULTADO, PESQUISA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, INEFICACIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PRODUTIVIDADE, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, AUMENTO, RENDA PER CAPITA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • REIVINDICAÇÃO, AUTORIDADE, ELABORAÇÃO, EXECUÇÃO, POLITICA, EDUCAÇÃO, REDUÇÃO, DIFERENÇA, BRASIL, PAIS INDUSTRIALIZADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é inegável que a educação, no Brasil, experimentou uma notável expansão nos últimos anos, em conformidade com o preceito constitucional que a declara “direito de todos e dever do Estado e da família”. Em sua mensagem ao Congresso Nacional, no início da presente sessão legislativa, o Presidente Fernando Henrique alinhavou os avanços obtidos por seu governo na área educacional, destacando que a expansão do sistema se acelerou em todas faixas e até se aproximou da universalização, no caso do ensino fundamental.

Essa expansão do ensino, Srªs e Srs. Senadores, é incontestável e altamente meritória. Nenhum de nós desconhece a importância de um bom e universalizado sistema educacional para promover a qualidade de vida das pessoas e para dar suporte ao processo de desenvolvimento de uma Nação.

No entanto, nobres colegas, essa conquista não nos autoriza uma celebração despreocupada, já que o nosso sistema educacional, cotejado com a experiência internacional, tem um fraco desempenho, refletindo o atraso de uma década em relação aos países com padrão de desenvolvimento semelhante ao nosso.

Essa é a conclusão, por exemplo, dos pesquisadores Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques e Rosane Mendonça, todos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, que procuraram relacionar o nível de educação do trabalhador brasileiro com a desigualdade de renda, no plano interno; e também com a produtividade e o nível de desenvolvimento brasileiro, confrontado com os de outros países.

Antes, porém, de comentar a referida pesquisa, gostaria de fazer algumas breves ponderações sobre a situação em geral da educação em nosso País. Impõe-se reconhecer, como já salientei, que o Brasil deu largos passos, nos anos mais recentes, na expansão do ensino e no combate ao analfabetismo.

O índice de analfabetos adultos no Brasil, que era de 20,1% em 1991, desceu a 13%, em 1999. Apesar disso, a escolaridade média ainda é muito baixa: 65% dos brasileiros com idade acima de 15 anos não completaram o período mínimo de oito anos de estudos recomendado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - Unesco. Além disso, quase a metade dos estudantes da educação básica, que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, está deslocada das séries correspondentes à sua idade - vale dizer, estão atrasados, por motivo de repetência ou de abandono escolar.

O cuidado com o educando, Sr. Presidente, deve começar cedo, na mais tenra infância. Foi-se o tempo em que as instituições que atendiam crianças de até seis anos eram consideradas prestadoras de assistência social. Hoje, as crianças têm seu primeiro aprendizado nessa faixa etária, em creches (até três anos) e em pré-escolas (dos quatro aos seis anos), que são responsáveis pela educação infantil.

Infelizmente, Sr. Presidente, o número de crianças que têm acesso à educação infantil é baixíssimo. De acordo com o Censo Escolar, 5 milhões e 900 mil crianças - menos de um terço contingente com essa faixa etária - estão sendo atendidas nesse nível de ensino. Embora não seja obrigatória, a educação infantil propicia melhor rendimento nas etapas vindouras, reduzindo de forma significativa os índices de repetência e de evasão escolar.

No ensino fundamental, estamos próximos de atingir a tão sonhada universalização. Nada menos que 97% das crianças e dos adolescentes entre 7 e 14 anos estão matriculados nessa etapa, que vai da 1ª à 8ª séries, de acordo com o Censo Escolar. De acordo com a já citada Mensagem Presidencial, cinco milhões de novas matrículas foram acrescentadas ao ensino fundamental, entre 1994 e 1999, representando um crescimento de 16%. Paralelamente, o número de estudantes com atraso escolar foi reduzido de 66%, em 1994, para 42%, no ano 2000, e o número de estudantes que concluíram essa etapa cresceu, no mesmo período, 67%.

Deve-se ressaltar, aqui, a presença do Poder Público: nove entre dez alunos nessa faixa etária estudam em escolas da rede pública. Dos 35 milhões de estudantes do ensino fundamental, 48,6% estudam nos estabelecimentos da rede municipal; 42,3%, na rede estadual; e apenas 9,1% em escolas particulares.

Apesar de o ensino fundamental estar quase universalizado, a etapa que apresentou maior crescimento na última década foi o ensino médio, com um salto de 4,5 milhões de matrículas, em 1994, para 8,4 milhões, no ano passado. Também nesse nível de ensino a presença do Poder Público se destaca, respondendo, somadas as três esferas de governo, por 86,8% das matrículas. O crescimento do número de matrículas se explica, entre outros fatores, pelo menor índice de repetência no ensino fundamental, mas, ainda assim, a situação deixa a desejar, já que somente um terço da população na faixa etária apropriada está nas escolas de nível médio.

Essa expansão no ensino médio se tem refletido no ensino superior, que experimentou um aumento de matrículas de 43,1% entre 1994 e 1999. Apesar desse crescimento, temos um dos menores indicadores no que respeita à população universitária: pouco mais de 11%, contra 42% na Argentina e 24% na Bolívia. Há de se observar, ainda, que esse crescimento tem ocorrido com maior intensidade na rede privada - 16,9% de aumento das matrículas, em 1999, enquanto a rede federal mostrou um acréscimo de 8,4% e as estaduais expandiram 10,3%.

Dessas estatísticas, pode-se concluir que a educação se expandiu muito nos últimos anos em nosso País, mas que, mesmo assim, tem um longo caminho pela frente, se quisermos, minimamente, alcançar o patamar em que estão os países de idêntico nível de desenvolvimento. Poderíamos ainda, aqui, comentar a situação dos cursos de pós-graduação, dos programas de alfabetização de adultos, dos cursos supletivos e dos cursos profissionalizantes, entre outros aspectos do ensino no Brasil, mas semelhante abordagem fugiria ao nosso escopo, que é o de chamar a atenção para o nosso atraso comparativo no sistema educacional.

O que se tem observado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que, malgrado esse crescimento acelerado nos últimos anos, ainda estamos em situação de inferioridade - não em cotejo com as nações desenvolvidas, mas com aquelas de padrão de desenvolvimento análogo ao nosso; e mais, que a educação no Brasil, efetivamente, tem-se expandido rapidamente, mas com uma perda qualitativa já auferida em diversas pesquisas.

Essa defasagem, freqüentemente, impede que o cidadão venha a desfrutar integralmente de sua cidadania, ocasionando-lhe prejuízos de toda ordem e repercutindo negativamente no processo de desenvolvimento nacional. Os pesquisadores do IPEA, já mencionados no começo deste pronunciamento, em seu trabalho recentemente publicado que se denomina Pelo Fim das Décadas Perdidas: Educação e Desenvolvimento Sustentado no Brasil, esclarecem: “O objetivo básico deste artigo é apresentar, para a realidade brasileira, um diagnóstico das relações entre educação e desigualdade que justifique a necessidade de definir uma política de expansão acelerada da educação de modo a assegurar as bases de um desenvolvimento sustentável.”

Ao analisar o funcionamento do mercado de trabalho, Ricardo Barros, Ricardo Henriques e Rosane Mendonça identificaram na heterogeneidade da escolaridade dos trabalhadores “o principal determinante do nível geral da desigualdade salarial observada no Brasil”. Confrontando com a realidade internacional, eles puderam ainda concluir que essa heterogeneidade responde, de forma significativa, pelo excesso de desigualdade no Brasil em relação ao mundo industrializado. Ou seja: nos países desenvolvidos também se observa essa desigualdade salarial decorrente dos níveis de escolaridade e qualificação, mas não nas proporções desmedidas que temos no Brasil.

Lembrando que a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconômico está vinculada à continuidade do processo educacional, a pesquisa relata que isso se dá por duas formas distintas: de um lado, a expansão educacional aumenta a produtividade e contribui para o crescimento econômico, gerando renda e reduzindo a pobreza; de outro, ela promove maior igualdade e mobilidade social, no seio da classe obreira.

Ao relacionar expansão educacional com crescimento econômico, redução das desigualdades e da pobreza, os pesquisadores lembram que “a educação é um ativo que pode ser reproduzido e geralmente é ofertado à população pobre por intermédio da esfera pública”. Em outros termos, Sr. Presidente, os pesquisadores demonstram que a educação é um mecanismo disponível ao Poder Público para promover a classe trabalhadora mais carente e para alavancar o desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, alertam para o fato de que a melhoria dos níveis de educação não deve ser perseguida unicamente por seus efeitos econômicos, porque, antes de mais nada, trata-se de um imperativo para o exercício da cidadania, com impacto relevante, por exemplo, sobre o crescimento populacional, o ambiente familiar, a queda na mortalidade infantil e a participação política.

Comparando dados atuais e de pesquisas recentes, da realidade brasileira e de países industrializados, os estudiosos identificaram, na diferença de escolaridade formal dos trabalhadores, a principal explicação para o hiato entre a renda per capita do Brasil e das demais nações pesquisadas. No início dos anos 90, a renda per capita brasileira correspondia a um terço da média das nações industrializadas. Eles demonstram, no trabalho, que uma elevação da educação formal aos níveis daqueles países já permitiria ao Brasil dobrar sua renda per capita, que passaria a representar dois terços da média daquelas nações.

A pesquisa faz algumas advertências sobre o desempenho da educação no Brasil. Descreve, por exemplo, a evolução da taxa de analfabetismo, que, até meados do século passado, caía oito ou nove pontos percentuais por década, e que, na segunda metade do século, continuou caindo, mas com menor intensidade - em média, três pontos percentuais por década. E revela que a escolaridade média da população adulta, que, no início do século passado, aumentava um ano a cada década, experimentou igualmente uma evolução mais lenta a partir dos anos 50, à base de 0,5 ano por década.

Os autores destacam, no trabalho, que o processo de desenvolvimento econômico brasileiro, aí incluído o período do chamado “milagre econômico”, reforça as conseqüências da heterogeneidade educacional, por estar, sistematicamente, associado a um lento processo educacional. “O progresso tecnológico claramente venceu a corrida contra o sistema educacional. Vitória de Pirro, anunciando um triunfo perverso da sociedade brasileira” - pontificam.

Finalmente, Srªs e Srs. Senadores, os pesquisadores do IPEA constatam que o Brasil está com um atraso, “em termos de educação, de cerca de uma década em relação a um país com padrão de desenvolvimento similar ao nosso”; e lembram que o crescimento econômico não deve ser visto como um fim em si mesmo, pois “o desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a vida que levamos e as liberdades de que desfrutamos”.

Apesar de todas as advertências, os pesquisadores do IPEA afirmam que sua análise não deve conduzir ao ceticismo, uma vez que a desigualdade social e econômica brasileira, embora vergonhosa, não decorre de uma fatalidade histórica. Também eu, Srªs e Srs. Senadores, concordando com os pesquisadores, quero salientar o nosso atraso educacional para reivindicar das autoridades competentes a formulação e execução de políticas que reduzam, em curto prazo, o hiato entre o nosso nível de desenvolvimento e o das nações desenvolvidas.

Muito obrigado.


Modelo1 5/17/2411:02



Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/2002 - Página 9852