Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Análise da política de juros elevados praticada pelo governo brasileiro.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Análise da política de juros elevados praticada pelo governo brasileiro.
Aparteantes
Lindberg Cury.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2002 - Página 10019
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, TAXAS, JUROS, PROVOCAÇÃO, DIFICULDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, AUMENTO, DESEMPREGO, DIVIDA PUBLICA.
  • COMENTARIO, ESTUDO, AUTORIA, LUIS CARLOS BRESSER PEREIRA, YOSHIAKI NACANO, ECONOMISTA, RECOMENDAÇÃO, POLITICA, AMPLIAÇÃO, EXPORTAÇÃO, CONTROLE, DESPESA PUBLICA, DESVALORIZAÇÃO, TAXA DE CAMBIO, FORMA, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, INCENTIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO, CRIAÇÃO, EMPREGO.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cumpre-me, primeiramente, agradecer o gesto de solidariedade, de amizade e de gentileza do ilustre colega, Senador Roberto Saturnino. Premido pelo tempo, eu teria que me retirar, mas solicitei a S. Exª a permuta e fui alvo, mais uma vez, da sua gentileza e da sua generosidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos notado, ao longo dos anos, que o Senado Federal é um poder muito sensível às manifestações populares, às questões que afligem sobretudo as camadas mais humildes da sociedade.

Não faz muito tempo, por intermédio de seu ilustre Presidente, Senador Ramez Tebet, com a solidariedade do Presidente da Câmara e das Lideranças de todos os Partidos com assento nesta Casa e na Câmara dos Deputados, criou-se a Comissão Mista Especial de Segurança Pública, que retratava ou sintetizava os clamores da Nação, da população brasileira, pela insegurança em que vive.

Hoje, quando da discussão da proposta de emenda constitucional que prorroga a CPMF, várias foram as manifestações de ilustres Senadores sobre a questão econômica nacional, salientando, sobretudo, a necessidade de uma reforma tributária, já tão decantada e que não tem prosseguimento no Congresso Nacional.

E é com essa sensibilidade, Sr. Presidente, que trago ao debate nesta Casa a questão dos juros cobrados em nosso País, que tem muito a ver com a nossa economia, com o nosso desenvolvimento.

O nível dos juros na economia brasileira, ainda elevadíssimo, é encarado pela política econômica vigente como indispensável para manter a conquista da estabilidade monetária. No entanto, sabemos que os juros altos amarram a economia, sufocam nossas empresas, principalmente as pequenas, solapam a vitalidade do dinamismo empreendedor, travam o crescimento e disseminam o desemprego. E ainda mais: acarretam o gravíssimo e ameaçador crescimento da dívida pública.

Estamos, pois, diante de um desafio conceitual e prático; deparamo-nos com um nó teórico e concreto que precisa ser rompido. Como ultrapassar esse impasse? Como praticar juros normais, dentro de padrões internacionais razoáveis, sem fazer voltar a inflação doentia? Como desatar esse laço que oprime o nosso desenvolvimento, que não o deixa decolar? Os especialistas em política macroeconômica estudam, discutem, polemizam. Vão surgindo idéias novas, possíveis caminhos, que são simultaneamente esperançosos, sérios e construtivos.

Sr. Presidente, acredito que há saídas, que é possível baixar os juros com responsabilidade, abrindo um novo capítulo na marcha de nosso País para um progresso econômico e social mais acelerado, mais condizente com nossas urgentes e sofridas necessidades.

Muitas foram as conquistas do Brasil nos últimos anos. O que já construímos não pode ser abandonado nem esquecido, mas deve, sim, servir de base para novas etapas, novos avanços. Desde o início do Plano Real, percorremos sucessivas fases, com diferentes configurações de política econômica. Primeiro, neutralizou-se o impulso inflacionário automático, a inércia que fazia os preços subirem sem razão aparente. A isso se associou o câmbio rígido e os juros elevados, como instrumentos de apoio. Em uma segunda etapa, houve ênfase em diversas reformas, que livraram o Poder Público de certos gastos excessivos e injustos; criou-se, assim, um ambiente econômico mais sadio. Na terceira etapa, foi abandonado o câmbio fixo, que se tornara uma camisa-de-força para nossa balança comercial, e foi aprofundado o ajuste fiscal. Agora, é chegada a hora de novos passos, de uma evolução que nos livre do veneno dos juros altos.

Sr. Presidente, quando abandonamos o câmbio fixo e adotamos o câmbio flutuante, também estávamos ingressando em território novo, com os riscos que isso implicava. No entanto, o Governo manobrou com perícia a política econômica, naquela fase de transição. O câmbio fixo, que era visto como indispensável à estabilidade monetária, foi descartado sem que ocorresse nenhum desastre maior, porque foram tomadas medidas prudentes para evitá-lo. Da mesma forma, creio ser possível abandonar a política de juros reais altos em favor de nosso crescimento, desde que esse passo seja dado no contexto de uma política econômica coerente e responsável.

Que é possível viver com juros moderados e com inflação sob estrito controle nos prova um exame da prática econômica em outros países.

O Brasil é realmente um campeão dos juros altos. Considerando que a inflação anual é de cerca de 6%, nossos juros reais chegam a 12%, algo considerado inaceitável para uma nação que, de fato, planeja vencer as desigualdades e construir um ambiente econômico baseado no progresso e na criação de oportunidades de trabalho para todos.

Procurando um grupo de outros países com taxa de inflação semelhante à nossa, ou seja, na faixa de 4% a 8% ao ano, podemos usar como fonte a revista The Economist. Lá figuram, nessa faixa, Índia, Filipinas, Coréia do Sul, México, África do Sul, República Checa, Hungria e Polônia, com juros básicos nominais de 7% a 14% e juros reais de 1% a 7%. O Brasil, isoladamente, ali se destaca com seus juros reais de 12%.

Os países que têm juros nominais maiores que os nossos são Turquia, Venezuela e Rússia. Mas, com inflação bem superior à nossa, acabam tendo juros reais da ordem de 3%, bem menores que os do Brasil. Essas três nações, incidentalmente, também têm classificação de risco para investidores pior que a nossa, o que vem desmentir a tese de que os juros reais altos se impõem como decorrência de má classificação de risco. Nesse breve apanhado estatístico nem traremos os valores das taxas nominais dos países mais desenvolvidos, as quais são, sabidamente, baixíssimas.

Sr. Presidente, nossos juros altos são uma excrescência, uma triste exceção, um indesejável recorde mundial. Mantivemos altas as taxas de juros, nos últimos 10 anos, por vários motivos, muitas vezes justos. Agora, parece que continuamos a praticá-las apenas por uma espécie de mito, de saber convencional, que precisa ser contestado. Uma convenção que se tornou uma armadilha da qual é difícil livrar-se, pois ela propicia um equilíbrio, é verdade, se bem que equilíbrio perverso.

O conceito de equilíbrio perverso é postulado na Folha de S.Paulo, na edição de 10 de fevereiro passado, por Luiz Carlos Bresser Pereira e Yoshiaki Nacano, conhecidas figuras públicas e autoridades em teoria econômica, que já exerceram altos cargos no Governo Federal e no Governo do Estado de São Paulo. Segundo eles, há caminhos para que saiamos do atual desequilíbrio perverso em direção a um equilíbrio benigno. A atual estabilidade monetária seria uma estabilidade pela metade, e deveríamos aspirar a uma estabilidade verdadeira, em que não seja frustado o crescimento econômico e em que a dívida pública, qual balão que vai sendo inflado pelos juros altos, não estoure em nossa cara.

Os professores Bresser Pereira e Nacano são também autores de um estudo aprofundado, divulgado pela Internet, intitulado “Uma Estratégia de Desenvolvimento com Estabilidade, no qual apontam saídas para que as taxas de juros sejam reduzidas. Basicamente, recomendam uma política de intensificação das exportações, um controle rigoroso das despesas do Poder Público e uma taxa cambial mais desvalorizada que a atual.

Sr. Presidente, é bem-vinda toda contribuição séria e bem fundamentada que indique caminhos sérios que levem à redução dos juros, ao crescimento econômico e à geração de empregos.

O Brasil tem crescido menos do que pode. Avalia-se que o PIB, este ano, aumentará apenas 2%. É pouco, muito pouco. Nos últimos dez anos, temos marchado a passos lentos. Na verdade, há vinte anos estamos quase apenas marcando passo. É certo que evoluímos, e muito, em toda sorte de questões; superamos desafios. Mas precisamos evoluir. Sobretudo, precisamos deixar de conviver com os sacrifícios e os perigos trazidos pelos juros altos.

O que já conquistamos nos credencia a superar esse estado de coisas, a entrar em uma nova fase. Temos de aspirar a crescer 5% ao ano, exportar muito mais, atrair investimentos internos e externos. Eles certamente afluirão em conjuntura mais dinâmica. Isso significará mais empregos, melhor nível de vida, mais arrecadação para o Poder Público.

Há fortes indícios de que são falsas as oposições entre desenvolvimento e estabilidade e entre mercado interno e mercado externo. Se ingressarmos em um ciclo virtuoso, ambas as opções são possíveis e alimentam uma à outra. Devemos procurar o rumo de uma política econômica que nos leve ao desenvolvimento contínuo, sem freadas de arrumação, no caminho da estabilidade e da redução da pobreza, ou seja, uma política econômica centrada na realidade brasileira, que melhore nossa balança comercial e que baixe as taxas de juros.

Nada se fará sem esforço e sem sacrifício. Mas terá de ser um sacrifício de qualidade melhor que o atual. O crescimento não pode continuar sendo sufocado. A subordinação da política econômica ao objetivo do desenvolvimento implicará maior esforço de responsabilidade fiscal e de responsabilidade cambial. O sistema tributário deverá ser mais justo e progressivo, desonerando a atividade produtiva.

Certos pontos terão de ser atacados. Alguns preços na economia continuam indexados, como os das tarifas públicas. Isso introduz uma pressão inflacionária intolerável. Outro ponto é a necessidade de uma política comercial mais ativa, que cuide da celebração de acordos comerciais internacionais em condições vantajosas para nós. Ao Brasil não interessa o protecionismo. Agora, precisamos combater o protecionismo dos outros.

Política de exportação, política de capacitação do nosso capital humano pela via da educação, redução da pobreza, todos esses aspectos fazem parte de uma política desenvolvimentista que, obrigatoriamente, terá como meta a prática de juros bem mais reduzidos que os atuais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nossa aspiração deve ser transitar da atual estabilidade econômica com juros altos, estabilidade incompleta, destrutiva e perigosa, para uma estabilidade verdadeira, com juros normais, como os praticados em todo o mundo. Isso precisa ser formulado no plano das idéias, das teorias, e levado ao terreno da prática, da concretização. Estou certo de que, trilhando por esse caminho, o Brasil poderá alcançar o que ainda nos falta: uma prosperidade dinâmica e também eqüitativa.

Mais desenvolvimento, criação de empregos, melhor distribuição de renda, tudo isso está ligado à prática de juros menos opressivos do que aqueles que atualmente causam um impacto negativo em nossa economia e em nossa sociedade.

É preciso acreditar em um cenário positivo, livre dessas taxas inaceitáveis, que traga o progresso de volta enquanto dimensão do trabalho produtivo. O Brasil tem jeito, possui um povo laborioso, imensas potencialidades econômicas, uma natureza pródiga. Basta que nossos tecnocratas tenham um mínimo de sensibilidade para fazer ressurgir esse gigante adormecido.

Com juros civilizados, alcançaremos os propósitos sonhados por um povo castigado pela segunda maior taxa de desemprego do mundo. Ao fomentar a produção, poderemos combater esse que é o principal problema do Brasil, criando alternativas para que todo pai e mãe de família possam sustentar os seus filhos e lhes assegurar um futuro melhor.

Com juros menores, o Brasil com certeza dará um passo decisivo rumo a um cenário de prosperidade para todos, combatendo as desigualdades sociais e abrindo os caminhos definitivos do crescimento econômico.

O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Ouço, com prazer, o ilustre representante do Distrito Federal, Senador Lindberg Cury.

O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Muito obrigado, Senador Iris Rezende. V. Exª está abordando um tema que faz parte de toda a plataforma política no nosso País; trata-se de uma necessidade imperiosa. Venho do meio empresarial e sei das dificuldades para conquistar taxas de juros. Normalmente, em todas as partes do mundo, o juro acompanha a inflação, mas, no Brasil, isso não ocorre, visto que as taxas são dez vezes superiores ao processo inflacionário. Assim, precisamos de duas reformas imediatas: uma reforma que vise cuidar da redução dos juros, sem aumentar a inflação - evidentemente, isso tem que estar sob controle, pois a inflação é prioritária -, e a reforma tributária. O aumento dos juros está justamente ligado ao processo tributário no País, onde existem as mais altas taxas e o maior número de impostos. É muito fácil para o Governo, sempre que precisa aumentar a arrecadação, aumentar o quociente ou criar um novo imposto. Temos que aprender a administrar a reforma tributária para a melhoria do processo produtivo. Concordo plenamente com V. Exª: a nossa é uma das maiores taxas de juros existentes no mundo. Isso sem levar em consideração os juros praticados nos cheques especiais, que ultrapassam todos os demais juros existentes no mundo. Esse processo foi criado para dar atendimento ao cliente em momentos de dificuldade, mas, na maioria das vezes, tem jogado no buraco aquele que pretende adquirir qualquer tipo de empréstimo no banco. Agradeço o aparte que V. Exª me concedeu.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Permita-me, ilustre Senador Lindberg Cury, integrar ao meu pronunciamento as observações de V. Exª, que é um empresário dos mais qualificados e esclarecidos deste País. A posição de V. Exª, endossando o nosso discurso, faz com que as autoridades responsáveis pelo encaminhamento da política econômica nacional encarem essas observações com maior denodo, com maior responsabilidade. Muito obrigado a V. Exª.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2002 - Página 10019