Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Estranheza com as palavras da jornalista Ana Paula Padrão, veiculadas pelo Jornal da Globo, a respeito da condição de oposição ao Governo atribuída a S.Exa. Apresentação de requerimento à Mesa para que o projeto de lei que extingue o bingo no Brasil seja apreciado pelo Plenário. Análise da política externa brasileira, defendendo a avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a questão comercial e o protecionismo norte-americano e europeu.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. REGIMENTO INTERNO. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Estranheza com as palavras da jornalista Ana Paula Padrão, veiculadas pelo Jornal da Globo, a respeito da condição de oposição ao Governo atribuída a S.Exa. Apresentação de requerimento à Mesa para que o projeto de lei que extingue o bingo no Brasil seja apreciado pelo Plenário. Análise da política externa brasileira, defendendo a avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a questão comercial e o protecionismo norte-americano e europeu.
Aparteantes
Roberto Freire, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2002 - Página 10022
Assunto
Outros > IMPRENSA. REGIMENTO INTERNO. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • REPUDIO, DECLARAÇÃO, AUTORIA, ANA PAULA PADRÃO, JORNALISTA, REFERENCIA, OPOSIÇÃO, ORADOR, GOVERNO.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, MESA DIRETORA, SOLICITAÇÃO, APRECIAÇÃO, PLENARIO, PROJETO DE LEI, EXTINÇÃO, BINGO, BRASIL, DISPENSA, PARECER, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, AVALIAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, NECESSIDADE, BRASIL, PRESIDENTE, INTERESSE NACIONAL, SIMILARIDADE, COMPORTAMENTO, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CUMPRIMENTO, TRADIÇÃO, PROTEÇÃO, ECONOMIA, COMERCIO INTERNO.
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INEFICACIA, POLITICA, COMERCIO EXTERIOR, FALTA, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL, SUJEIÇÃO, AUTORITARISMO, GOVERNO ESTRANGEIRO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, ACOMPANHAMENTO, POLITICA NACIONAL, COMERCIO EXTERIOR.
  • COMENTARIO, LEITURA, OPINIÃO, PARLAMENTAR ESTRANGEIRO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, PROTECIONISMO, COMERCIO, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, quero registrar da tribuna a minha estranheza em relação a uma notícia do Jornal da Globo de antes de ontem, pois, quando comentavam o conflito dentro do PMDB em relação à próxima eleição presidencial, diziam que a minha posição de oposição ao Governo estava resolvida. E a minha amiga Ana Paula Padrão fazia esta consideração: “A fera já está domada”. Não sou fera e não estou domado. Sou um patriota, um brasileiro, um cidadão, um Senador com sensibilidade social, extremamente preocupado com os rumos do Brasil. Acho - achava antes, continuo achando agora - extremamente interessante uma coligação do PMDB com o PT em torno de um programa de recuperação nacional.

Talvez domado tenha sido o Congresso Nacional, Senador Roberto Saturnino, quando votou a famigerada participação do capital internacional nos meios de comunicação brasileiros. Votou isso de uma forma absoluta, pois, apesar dos eufemismos, aquela história de que a participação se limita a 30% não é verdadeira - 30% de empresas internacionais fora do Brasil, 30% na Bolsa. Hoje, todos nós sabemos, que a emenda constitucional do Governo Fernando Henrique transformou a empresa internacional, estabelecida segundo as leis brasileiras, numa empresa nacional. Assim, entregaram a comunicação de uma forma aberta e unânime, com poucos protestos e votos contrários no Congresso Nacional, entre eles, o do Senador Roberto Saturnino e o meu.

O segundo ponto que quero abordar é o fato de que, há dois anos, tramita no Senado um projeto de minha autoria acabando com o bingo no Brasil, com a jogatina, com a exploração, com a lavagem de dinheiro e com o roubo. Já conseguimos aprová-lo, por unanimidade, na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura e também na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Agora, o projeto encontra-se na Comissão de Educação, desde o dia 2 de maio, nas mãos do nosso herói da CPI do Futebol, o Senador paranaense Álvaro Dias.

Ora, o prazo para tramitação de um projeto em uma Comissão é de 15 dias úteis. Esse prazo já foi excedido. Encaminhei, portanto, à Mesa, na forma do Regimento Interno, um requerimento para que esse projeto que extingue o bingo e a jogatina no Brasil, que só tem servido para a lavagem de dinheiro, para os grupos apoiados pelo narcotráfico e pelas máfias internacionais, seja trazido diretamente ao plenário, dispensando-se o parecer da Comissão de Educação, na forma do Regimento.

No entanto, ocupo a tribuna, principalmente, para abordar um tema extraordinariamente interessante: a política externa brasileira. Faço este discurso com o apoio da brilhante assessoria da Comissão do Mercosul, mais especificamente do Everaldo, um dos bons assessores do Congresso Nacional.

Se houvesse o costume, Srªs e Srs. Senadores, de dar nomes aos discursos pronunciados desta tribuna, eu intitularia este meu discurso da seguinte forma: “Em defesa de Luiz Inácio da Silva”. E por quê? Porque o Lula tem feito algumas considerações a respeito do comportamento do Presidente George W. Bush, quando o Presidente americano defende os interesses americanos do trabalho e do emprego, e tem sido, sórdida e brutalmente, contestado e difamado na imprensa brasileira. Quero dizer, de forma alta e clara, que o Luiz Inácio tem toda razão ao imaginar que deveríamos ter aqui um Presidente que se comportasse na defesa dos nossos interesses, como se comporta o Presidente dos Estados Unidos na defesa dos interesses das suas empresas e do seu povo.

Informo ao Senado Federal que a proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas, a famigerada Alca, corre o risco de jamais ser implantada, pois foi, no prazo de seis meses, por duas vezes atropelada pelo Congresso dos Estados Unidos: a primeira, em dezembro do ano passado, pela Câmara dos Deputados norte-americana, que aprovou a criação da Agência para Promoção do Comércio (Trade Promotion Authority - TPA) dos Estados Unidos, pela diferença de apenas um voto favorável, mas com a incrível ressalva de mais de 300 produtos sobre os quais o Presidente George W. Bush não poderia firmar acordos condicionados apenas ao “sim” ou “não” do Congresso, como pedia, utilizando-se o expediente da via rápida ou fast track; e a segunda, no último dia 15 do corrente mês de maio, quando o Senado americano restringiu ainda mais os poderes presidenciais em matéria de comércio exterior, ao estabelecer que todos os acordos nesse campo que ameaçassem setores produtivos americanos poderiam ser modificados pelo Congresso dos Estados Unidos da América.

Portanto, o Lula não tem só razão em relação ao Bush, mas tem razão também em relação ao Congresso Nacional dos Estados Unidos, que deveria ser modelo para o Congresso Nacional brasileiro.

Mais lamentável ainda é a veiculação no Brasil dessa particular questão norte-americana, a do tratamento político das transações de comércio exterior, geralmente traduzida de modo equivocado pela imprensa nacional, inclusive por correspondentes sediados em Washington e também pelas autoridades governamentais brasileiras.

Infelizmente, ao longo dos últimos anos, fomos nos desacostumando ao debate sadio dos grandes temas que afligem a humanidade e tocam de perto a realidade brasileira. Uma discussão imprescindível ao fortalecimento do nosso ressuscitado sistema democrático de Governo, escolhido pelo sufrágio universal, pois, não só entre nós, povos latinos, mas no mundo inteiro, com a queda do Muro de Berlim e a desmontagem da Rússia, instalou-se o discurso único e monocórdio da intransigente defesa e avanço do neoliberalismo inventado pelo Consenso de Washington e atrelado à fracassada proposta de globalização econômica.

Assim, quanto aos temas da criação de uma Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, e a aprovação de uma Agência para Promoção do Comércio (Trade Promotion Authority - TPA), ambas propostas de absoluto e transparente interesse exclusivo do Governo e das empresas dos Estados Unidos, a imprensa brasileira é caudatária da interpretação que dá o Poder Executivo do nosso País, sempre na defesa de interesses de manutenção do Legislativo subserviente à manipulação imperial do Presidente da República de plantão, legalmente respaldado no que dispõem os artigos 49, I, e 84, VIII, da Constituição cidadã de 1988.

Para ser mais preciso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a imprensa brasileira pouco se tem dado ao trabalho de pesquisar as origens da reação do Congresso norte-americano às repetidas propostas de maior independência do Poder Executivo dos Estados Unidos em matéria de iniciativas de comércio exterior. E uma proposta minha nesse sentido para o Congresso brasileiro está nas mãos competentes do Senador José Fogaça, que encaminhará brevemente o seu relatório para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

A propósito, já me referi, neste plenário, às origens da tradição legislativa norte-americana no campo do comércio exterior, cujo fundamento foi a precoce e preciosa identificação do protecionismo comercial como a base do desenvolvimento do seu país por Alexander Hamilton, um dos pais da Constituição norte-americana, o primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, ainda na gestão do Presidente George Washington, o primeiro presidente daquela República e aquele que alertou o Congresso norte-americano sobre o fundamental papel dos parlamentos no processo do comércio internacional.

Já no início do século passado, mais precisamente em 1916, foi criada a poderosa Comissão de Comércio Internacional (International Trade Comission - ITC), composta por apenas três senadores democratas e três republicanos, fortemente assessorada por dezenas de instituições de estudo e pesquisa e milhares de especialistas, técnicos em assuntos pertinentes ao comércio exterior.

Enfim, tanto os presidentes eleitos quanto os congressistas norte-americanos são prisioneiros de uma tradição secular e de uma cultura que busca defender de modo intransigente os interesses dos seus eleitores e do país em assuntos comerciais e econômicos internacionais, respeitando a escolha de uma qualidade de vida superior, segundo os parâmetros do american way of life em comparação com o resto do mundo.

Para o povo norte-americano e suas elites governantes, defender o protecionismo comercial interna e externamente há duzentos anos significa defender a qualidade de vida desfrutada por grande parte de seus cidadãos. Ou melhor, é defender o próprio direito à vida.

No entanto, mesmo quando, como agora, revela a imprensa mundial, por força de um projeto norte-americano de dominação da economia mundial, do qual a TPA e a Alca são ferramentas importantes, o Executivo norte-americano busca convencer a opinião pública nacional e mundial e o seu próprio Congresso Nacional de que se deve autorizá-lo a negociar livremente acordos de comércio internacional, o tradicional e secular trabalho parlamentar norte-americano impõe-se e nega-lhe esse direito arrogado, com a autoridade que lhe foi entregue por George Washingon e Alexander Hamilton nos primeiros dias de funcionamento da república norte-americana e referendada, a cada eleição, pelo povo dos Estados Unidos da América.

Em outras palavras, o Congresso sempre disse, e sempre dirá, a qualquer presidente dos Estados Unidos da América, ainda que assessorados por espertos burocratas de carreira, que jamais abrirá mão do seu secular direito outorgado pelo povo norte-americano de ter a última palavra em assuntos pertinentes a acordos internacionais de comércio; que jamais abdicará do seu sagrado direito de ser obrigatoriamente informado pelo Executivo de cada passo avançado em qualquer acordo comercial internacional, seja ele assinado com o Timor Leste ou com a Inglaterra, com que aprendeu a fazer acordos internacionais de comércio.

Na prática, vale ressaltar que tanto a presidência quanto o Congresso norte-americanos estão, é natural, empenhados em defender os interesses comerciais econômicos do país e dos seus eleitores - veja-se o recente apoio dado pela Câmara dos Deputados e o Senado ao unilateralismo do Governo Bush no trato de questões de interesse global -, mas sem abrir mão das suas prerrogativas em matéria de comércio exterior, essas sob o amparo legal e especial do vigente Trade Act, de 1974 e de um comportamento político fundado numa tradição cultural velha, de duzentos anos.

Por exemplo, no plano externo, o Congresso norte-americano apoiou a recusa do Presidente Bush de endossar o Protocolo de Kyoto para a defesa do meio ambiente e a retirada da sua assinatura para a criação do Tribunal Penal Internacional, e, no interno, a imposição de barreiras comerciais para atender a interesses paroquiais e proteger setores atrasados da economia americana, tais como a indústria siderúrgica e a produção agrícola - nesses dois últimos casos, claramente desrespeitando o escancarado incentivo à abertura de mercados pelo resto do mundo, como pregam a Casa Branca e o Tesouro dos Estados Unidos, de mãos dadas com o Fundo Monetário Internacional e com o Bird.

Para ser mais explícito, destaco a aprovação do Projeto Fazenda, ou melhor, do Farm Bill, projeto de lei destinado a subsidiar cerca de 4 milhões de agricultores, número que corresponde à população agrícola total dos Estados Unidos, ao longo da próxima década, beneficiada com US$180 bilhões ou US$18 bilhões ao ano.

Aqui, Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, é oportuno apontar que apenas os produtores de soja dos Estados Unidos recebem subsídios anuais no valor de US$3,8 bilhões, enquanto que o valor total da produção brasileira, da mesma oleaginosa, sem os subsídios, alcança, anualmente, o equivalente a US$4 bilhões, sendo o Brasil o segundo produtor mundial desse tipo de grãos e os Estados Unidos da América, o primeiro.

No entanto, o unilateralismo republicano do Governo Bush é inaceitável e incompatível com a interdependência que hoje se projeta como tendência predominante no relacionamento entre as nações e até com os objetivos de um verdadeiro projeto de globalização, aquele que, como a viúva Porcina, foi sem nunca ter sido.

Em resumo, o Executivo norte-americano é e sempre será totalmente dependente das decisões do Congresso dos Estados Unidos nessa matéria de comércio exterior, ao contrário do Executivo brasileiro, que se encontra absolutamente livre para assinar o acordo que bem entender, sem que o nosso Legislativo possa interferir no processo de negociação ou contrariar as decisões finais do Itamaraty e da Presidência da República.

Disse eu Presidência da República? Enganei-me. O recente affair entre as denúncias do ex-Ministro da Fazenda e atual Secretário-Geral da Unctad, Rubens Ricupero, e o Executivo brasileiro mostra que o Presidente da República não tem a menor noção sobre o que acontece na direção da política exterior do Brasil. Ricupero denunciou que o Brasil estava aceitando, como tarifa básica na negociação da Alca, uma tarifa diminuída de 10% a 12%. No dia seguinte, na mesma Folha de S.Paulo, que publicou o artigo do Ministro Ricupero, o Presidente da República desmentia o fato e dizia que o ex-Ministro da Fazenda Rubens Ricupero estava errado. Hoje, o jornal O Estado de S.Paulo traz uma declaração do chanceler brasileiro Celso Lafer, dizendo que sim, que o Brasil parte da negociação de 10%, 12% ou 14% nas tarifas básicas por uma imposição de negociação internacional.

Logo, o Presidente da República, Sua Excelência Fernando II ou Fernando Henrique Cardoso, para os íntimos, não tem, comprovadamente, a menor idéia de como conduzem a política externa Pedro Malan e Armínio Fraga. Armínio Fraga, de dupla nacionalidade, dizem alguns. Contesto essa idéia. Não há dupla, há uma só e, seguramente, não é a brasileira.

Por oportuno, Srs. Senadores, alerto para as manchetes de jornais que mostram o Presidente brasileiro em suas andanças mundo afora e que, em seus minutos de folga de tão estafante trabalho, embora com atraso, agora denuncia o Congresso norte-americano de limitar “muito os poderes do presidente dos Estados Unidos, de firmar acordos” de comércio exterior - completamos nós -e, nesse sentido, a Casa parlamentar dos Estados Unidos estaria atrapalhando o trabalho presidencial, em decorrência de um exagerado apego à sua tradição legislativa de avocar para si o permanente e atento acompanhamento do processo de assinatura de acordos de comércio exterior, quis dizer o nosso Presidente da República, porque, no Brasil, ele, o Presidente imperial, está acostumado a se servir do Congresso Nacional apenas para referendar, para carimbar, para chancelar, ainda que legalmente, pois o atual Texto Constitucional fornece-lhe esse amparo, sua inócua, tíbia e fracassada política de comércio exterior na última década.

O Brasil caiu da 8ª posição, como potência econômica do mundo, para a 11º, e o nosso comércio exterior, que já foi responsável pela ridícula participação de 1,2% no comércio mundial, teve essa participação diminuída em um terço; caiu de 1,2% para 0,7%, em se tratando de um País que contabiliza 54 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, um País em que uma região extremamente desenvolvida como a de São Paulo totaliza, hoje, 21,5% de desempregados, índice esse muito superior aos 18,5% que deflagraram a crise e a débâcle da república Argentina.

Política de comércio exterior, aliás, cujo vazio este Governo esperava que fosse ocupado pelas empresas estrangeiras, que se aproveitaram de um desastrado programa de privatização do maior conglomerado de empresas públicas do mundo, altamente produtivas e lucrativas; um maná inesperado pelos investidores internacionais, cujo ágio cevou as contas bancárias de muitos atravessadores oficiais, alguns ocupantes de cargos nos altos escalões do Poder Executivo.

Tem razão o Embaixador Rubens Ricupero, ex-Ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco, ex-Embaixador do Brasil em Washington e, no momento, exercendo o cargo de Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento - Unctad, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 19/05/2002, quando acusa o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso de ter instruído os negociadores brasileiros, que discutem a agenda da Alca com os Estados Unidos, para praticarem tanto a “docilidade acomodatícia” quanto a “complacência submissa”, comportamentos esses que causarão males irreversíveis à soberania econômica do Brasil, pois comprometerão o futuro e a liberdade das próximas gerações de brasileiros -- afirmação contestada pelo Presidente da República e confessada pelo chanceler Celso Lafer, no jornal O Globo de hoje.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na questão do comércio exterior e dos acordos internacionais, o Brasil, um gigante que deveria estar se impondo pela sua soberania, em especial no cenário internacional, põe-se de joelhos perante a arrogância norte-americana, ora elogiando discursos espúrios de um presidente caipira contra Cuba, ora submetendo-se ao autoritarismo de um subsecretário de Estado norte-americano, que manipulou orçamentos e pequenos países, como a Ilha de Kiribati, para destituir do seu posto um brilhante diplomata brasileiro, o Embaixador José Maurício Bustani, diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas, a Opaq.

O Embaixador José Maurício Bustani desagradou os Estados Unidos da América por ter defendido a entrada do Iraque na Opaq, o que inviabilizaria, para a opinião pública mundial, os anunciados ataques norte-americanos a Saddam Hussein, em 2003, e, além disso, fez aquela agência internacional, sob o seu comando, solicitar autorização ao Governo Bush para inspecionar instalações industriais norte-americanas, sabidamente produtoras de armas químicas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil carece de um plano nacional de retomada de desenvolvimento já no próximo Governo, esperamos todos nós, e, nesse projeto, caberá, com certeza absoluta, um capítulo sobre a política nacional de comércio exterior, com o objetivo de alcançar mercados multipolares, incluindo os da China e da Índia.

É imprescindível que tal política nacional de comércio exterior tenha o acompanhamento permanente do Congresso Nacional, para o que devemos aprovar a Proposta de Emenda à Constituição nº 51, de 2001, de nossa autoria, ora tramitando na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.

É fundamental, Srªs e Srs. Senadores, que este Congresso assuma com urgência a sua imprescindível responsabilidade na questão do tratamento político das decisões de governo para assinaturas de acordo de comércio exterior, pois, com ou sem globalização, a qualidade de vida dos brasileiros pode ser melhorada, com absoluta certeza, se os governos futuros e os parlamentares nacionais tiverem balizado o caminho para o tratamento responsável das questões de comércio exterior.

Enfim, na conclusão deste pronunciamento, relato que estive em Madrid, na Espanha, Senador Roberto Freire, ao qual, em seguida, concederei o aparte solicitado, atendendo à convocação de Reunião de Mesa Diretora da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, em encontro ao qual compareceram os parlamentos europeu, andino, centro-americano e latino-americano, nos dias 16 e 17 de maio corrente.

Peço a atenção das Srªs e Srs. Senadores para a diferença na condução das negociações para a assinatura de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Européia, na qual os Parlamentos regionais têm papel de destaque, se comparadas tais negociações ao tratamento dado pelos Estados Unidos da América aos países latino-americanos em questões de comércio exterior.

Por fim, quero deixar clara a minha opinião de que o Congresso brasileiro tem o dever de assumir as rédeas das decisões políticas relativas aos acordos de comércio exterior. Não podem ser ignoradas pelo Presidente da República as denúncias de um ex-Ministro da Fazenda como Rubens Ricupero, no dia seguinte confirmadas pelo chanceler, pelo homem dos carimbos, pelo Sr. Celso Lafer, desacreditando de forma total o Poder Executivo e espalhando a insegurança absoluta na economia nacional.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Roberto Requião, V. Exª me concede um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PA) - Com o máximo prazer, concedo o aparte ao Senador Roberto Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Requião, escutei com a maior toda atenção e interesse a íntegra do discurso de V. Exª, que é marcante e cai no seio da opinião pública e do Senado Federal como um chamamento à dignidade da Nação brasileira, que parece tão enxovalhada, ultimamente, por atitudes e opiniões, lamentavelmente até repetidas no Senado Federal. Subscrevo integralmente tudo o que V. Exª disse hoje, da tribuna, assim como tantas outras declarações e pronunciamentos que tem feito no Senado. Estou plenamente de acordo, principalmente com a proposta de V. Exª de que o Senado e o Congresso assumam o dever de participar e de tomar a si as decisões de política externa, hoje completamente fora do alcance da ação e da opinião do Congresso. Entretanto, ao concordar com V. Exª - e até ao aplaudir sua iniciativa -, não posso deixar de revelar um certo receio ao ver o Senado e a Câmara repetirem tantas vezes certos truísmos que, embora falsos, dominaram completamente a opinião pública do País, porque repetidos incansavelmente pela mídia. Hoje mesmo, escutei de um Senador - por quem tenho o máximo respeito, que é sério, honrado, diligente e que honra o Senado - que ao Brasil não interessa o protecionismo. Isso foi tão amplamente divulgado que parece verdade. No entanto, não o é. Ao Brasil interessa, sim, um certo protecionismo, possível, adequado e compatível com os interesses nacionais e multilaterais, que convergem, que se somam e disputam as relações econômicas e internacionais; um protecionismo que os Estados Unidos, como V. Exª muito bem disse, praticam de forma absolutamente escancarada e com o apoio do Congresso, e que o Brasil recusa, recusa e recusa, fazendo o papel de otário internacional, abrindo sua economia para destruir empresas que custaram tanto sacrifício ao povo brasileiro para serem erguidas. Enfim, um protecionismo dosado às circunstâncias, à possibilidade, dentro de um concerto internacional de disputas, sim, mas que faça contraponto ao protecionismo das grandes potências, praticado cínica e escancaradamente. Então, é importante reaver para o Brasil essa noção de defesa legítima dos seus interesses econômicos, que são os do povo tão sacrificado por essa nossa política. Parabéns a V. Exª, mais uma vez, pelo esclarecido, pelo luminoso discurso que pronunciou hoje e que, tantas vezes, tive o ímpeto de interromper. Não o fiz, porque estava interessado em escutá-lo na íntegra, como fiz.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senador Roberto Saturnino, todos nós desejamos o comércio liberado e a multilateralidade, mas temos que considerar a prática, o mundo real, das dificuldades. O caminho é o multilateralismo, não a Alca; o caminho é o reforço do Mercosul, se ele ainda for possível com a falência da Argentina - a tão festejada e cantada Argentina pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Governo americano, pelo Presidente da República dos Estados Unidos.

Agora, Senador, com toda franqueza, essa reiterada defesa da abertura unilateral, que é a renúncia da política comercial e industrial do País, é um nhenhenhém, uma conversa dos fracasso-maníacos militantes de um modelo neoliberal que não deu certo e que vai ser mudado nas próximas eleições.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Roberto Requião?

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Com o máximo prazer, concedo um aparte ao Senador Roberto Freire.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Estamos pretendendo mudar, efetivamente. O Partido Popular Socialista e o seu candidato, Ciro Gomes, há muito vêm discutindo algo que para esse Governo parecia uma heresia, e ainda parece: a necessidade de termos uma política industrial e, conseqüentemente, uma política de comércio exterior. Isso faz parte do nosso programa de Governo e o nosso candidato dá ênfase muito grande a todo um processo de defesa do interesse nacional, mas, evidentemente, analisando o mundo real. Nesse sentido, estamos perfeitamente afinados com o que V. Exª defende no seu pronunciamento: a existência de uma política industrial e a defesa dos interesses nacionais, com a clareza, também, de se definir uma política de comércio exterior, sem, entretanto, cair em alguns equívocos que são graves. Assisti a um filme, uma vez, e acredito que V. Exª também, chamado O rato que ruge. Precisamos ter cuidado de não defender posição que, evidentemente, não corresponda a uma realidade, seja em comércio exterior, seja no nível de desenvolvimento dos países. Portanto, temos que erigir políticas que garantam um livre comércio, que não seja algo que o protecionismo do leão, e não do rato, seja danoso para as economias dos países periféricos. Por exemplo: no âmbito nacional, vamos imaginar que o Piauí exerça a mesma política de São Paulo, ou vamos querer criar mecanismos que garantam ao Piauí um tratamento justo? Qual a capacidade do Piauí reagir a uma política protecionista de São Paulo se não tivermos regra que garanta mínimos de eqüidade? Falou-se, aqui, em Cuba. Por esse princípio - inclusive, equivocadamente defendido pelo candidato Lula, e são ruins para a Esquerda brasileira essas posições equivocadas -, defender-se-ia, por exemplo, que Cuba também bloqueasse os Estados Unidos. E o que estamos defendendo? A suspensão do bloqueio, porque é incompatível imaginarmos relações internacionais pensando na força. Não podemos defender isso, mesmo que possamos ter força em relação ao Uruguai, ao Paraguai e até à Argentina, no âmbito do Mercosul. Não é essa a política. É a política, sim, defender o interesse nacional da Embraer; defender o interesse nacional frente a políticas protecionistas, como fazem os Estados Unidos e a União Européia, e não defender o princípio, porque, assim, estaremos garantindo que o façam contra o Brasil. Temos que defender o princípio do livre comércio, do respeito, como fizemos, por exemplo, na OMC, derrotando o Canadá. Aliás, quero dizer que fui autor do requerimento para a criação de uma comissão especial que tratou exatamente de dar suporte e sustentação à disputa que a Embraer faz contra a Bombardier canadense, na qual fomos bem-sucedidos. Isto, sim, é o que temos que fazer: definição da política. Certo é que, em alguns momentos, temos que ter política industrial até de substituição de importação, política industrial de garantia de determinados setores, uma política que dê incentivos a esses setores, induzindo-lhe o crescimento sem que se torne em política de proteção, porque essa é danosa aos nossos interesses. Fiz esse reparo porque é fundamental que as forças democráticas e de esquerda deste País apresentem concretamente, nessa sucessão presidencial, uma política industrial, de comércio exterior, uma afirmação do interesse nacional. É claro que temos que fazer isso. Vejo com preocupação, por exemplo, o fato de o Lula estar fazendo uma defesa inconseqüente do nosso País, imaginando que o Piauí pode disputar com São Paulo, imaginando que, neste exato momento, o Brasil pode ter livre comércio com os Estados Unidos. Daí nasce a nossa restrição à Alca. Temos que combater o protecionismo, não defendendo o princípio do protecionismo, mas do livre comércio, sob pena de estarmos dando força ao Sr. Bush, a esse policial que se arroga em ser aquele que mando no mundo. A defesa do fim do bloqueio a Cuba não significa que se está defendendo o protecionismo; significa que se está defendendo é o livre comércio. Então, é nesse sentido que temos que expor a questão, ou seja, como V. Exª falou na quase totalidade do seu pronunciamento, devemos defender uma política industrial. Espero que uma política de comércio exterior possa ser implementada no futuro governo, que imaginamos seja do PPS e da Frente Trabalhista.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - O Senador Roberto Freire, apesar da sua veemência, que é natural e constante, é um moderado. Talvez eu esteja meio deslocado no Senado da República. Talvez eu seja um Senador pouco moderado. Mas, a exemplo de Tobias Barreto, intelectual do nosso Nordeste, acredito que não há salvação fora da crítica radical. A crítica tem que ser radical, a execução da política tem que ser progressiva, pragmática...

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Mas é isso que estou propondo.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - (...) e de defesa clara. A crítica tem que ser radical, porque essa passividade e essa submissão acabam ocultando razões e interesses.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Eu não sei onde V. Exª vai encontrar na minha história submissão. V. Exª não vai encontrar nem hoje, nem na minha história.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Eu não falei na sua. Falei de uma forma genérica. Falei de uma forma absoluta de discurso mais profundo sobre as questões brasileiras.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - A crítica mais radical, eu faço ao sistema que está aí, há muito tempo. V. Exª não fazia parte, e não faz, dessa crítica radical que faço ao sistema que aí está, marxista que sou e comunista que continuo sendo.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Dei ao meu discurso um título que talvez Roberto Freire, que chegou mais tarde, não tenha percebido. O título do meu discurso é: “Em Defesa de Luiz Inácio da Silva.” Eu estava exatamente mostrando que, quando Lula faz de certa forma uma avaliação positiva do comportamento dos Estados Unidos, está dizendo que temos que negociar com a mesma força, com a mesma coragem, e que a bilateralidade tem que ser compensatória. Não pode ser produto do dependentismo do Fernando Henrique, descrito naquele livro famoso dele “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, escrito com Enzo Faletto, em 1967, no Chile.

Temos uma abertura ideológica, Senador Roberto Freire, idealista do ponto de vista hegeliano: idealismo com a crítica marxista, que é uma visão que não correspondente à visão da realidade. É uma visão fantasiosa da realidade. E abrimos com uma boa-fé tremenda para o mundo, que não abria para nós. Entramos no engodo, e é desse engodo que precisamos sair.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Peço desculpas por estar interferindo demasiadamente. Em aparte, o Senador Roberto Freire, no fundo, repetiu as interpretações maldosas da mídia, da imprensa, ao comentar as declarações de Lula a respeito da questão comercial e do protecionismo americano e europeu, inclusive na questão agrícola. Lula tem dito o que digo. Compreendo perfeitamente que os franceses defendam sua agricultura, porque se assim não fizerem...

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Acaba a União Européia.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Exatamente. E até compreendo que o Sr. Bush defenda sua siderúrgica, porque, se assim não fizerem, haverá grande desemprego. Isso, no entanto, não quer dizer que esteja contra o princípio do livre comércio.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Na prática, sim.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Não.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Por favor, não vamos...

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Estou, pragmaticamente, defendendo um certo resguardo e um certo protecionismo pontual que é necessário.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Defender o interesse nacional é defender o livre comércio, Senador.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - (...) e que V. Exª mesmo, ao apartear...

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Claro.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - (...) olhando até para mim, disse: Não, até entendo que certas áreas e certos setores...

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Sim, por determinadas políticas é evidente...

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - dentro de determinadas políticas. É isso mesmo.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - O protecionismo não.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Quero dizer que não estamos em desacordo. Há uma exploração maldosa, politicamente orientada, que, a partir de declarações certas do Lula, transforma-se em distorções tais que o apontam como defensor do protecionismo, contra o livre comércio, contra os interesses brasileiros. Então, mais uma vez, quero cumprimentar o Senador Roberto Requião pelo título absolutamente adequado de seu discurso.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senador Roberto Saturnino, como diriam os latinistas, modus in rebus - moderação na coisa.

Fui Governador do Estado do Paraná, que não é Cuba. É um Estado brasileiro que tem quase 6% do PIB nacional, que é 16 vezes maior que Cuba, economicamente, se não me falha a memória. E o Brasil não é o Chile. O tão decantado Chile da abertura é menor que Ribeirão Preto, extraordinariamente menor economicamente que a cidade de Curitiba, da qual fui Prefeito.

Quando falamos no nosso Brasil, falamos em um País de 174 milhões de habitantes, um mercado fabuloso. Temos, sim, força e condição de negociar abertura multilateral, do “dá lá e toma lá”. Abrimos quando para nós for interessante abrir. É preciso que se encerre o período da submissão da política externa.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Senador Roberto Requião, me permite?

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - E não estou fazendo uma crítica ao Senador Roberto Freire. Acredito que seja isso que S. Exª esteja pensando.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Sei. Senador, me permita, porque é importante...

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Não cometeria essa injustiça com V. Exª.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Agradeço.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Tenho algumas dúvidas quanto ao seu marxismo, mas essa injustiça não cometeria.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Mas também não lhe dou o direito de pensar que seja guardião da fé de Tribunal para me colocar no índex.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Direito de pensar ainda tenho, apesar da sua negação.

O Sr. Roberto Freire (Bloco/PPS - PE) - Deixe-me auto-intitular o que bem entender. Não tente policiar isso. Considero esse debate interessante. Eu gostaria de dizer que temos que defender, na política externa, inclusive política de comércio, aquilo que não corresponde apenas ao que podemos fazer, mas àquilo que, nas relações internacionais, garante relação condigna com todos. Por exemplo: sei que o Chile tem uma economia que não pode discutir livre comércio, se houver qualquer imposição. Cuba está na mesma situação, porque são economias menores que Ribeirão Preto. Mas o Brasil não pode ter a mesma política que a do Sr. Bush e imaginar que pode impor a todos uma determinada posição. Se o Brasil assim o fizesse, faria o mesmo papel imperialista que fazem os Estados Unidos contra países menores. É nesse sentido que digo que um Governo democrático brasileiro tem que defender princípios fundamentais para que possa garantir o Mercosul, inclusive para fazer frente aos outros blocos comerciais. Isso é política de livre comércio. Claro que temos que ter políticas internas industriais, determinando-se, inclusive, incentivos. Mas não se pode defender o princípio do protecionismo; caso contrário, estamos ajudando, no momento em estamos brigando contra o fim das exportações brasileiras do aço, a política protecionista norte-americana. Se eu dissesse que está certo e que deveria fazer o mesmo, aí estaria dando o exemplo do rato que ruge. É só para sermos derrotados, porque não vai acontecer o que houve no cinema: o rato ganhar a guerra.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - O rato rugiu no plenário do Senado, o rugido que a tribuna do Senado nos possibilita. Rugimos todos na defesa dos nossos pontos de vista.

Mas, com a complacência do Senador Lindberg Faria, gostaria de encerrar este debate, ou, pelo menos, a minha participação neste debate neste momento...

O SR. PRESIDENTE (Lindberg Cury) - Por gentileza, Lindberg Cury.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Lindberg Cury. O “Faria” veio por um lapsus linguae. Eu gostaria de encerrar com alguns rugidos mais fortes do que o nosso, transcritos na Folha de S.Paulo de domingo, dia 26 de maio de 2002. São algumas opiniões que não são de parlamentares brasileiros sobre o livre comércio. São opiniões de parlamentares norte-americanos.

Por exemplo, a opinião do Senador democrata pela Flórida, Bill Nelson, em 22 de maio, ipsis litteris:

O Brasil tem 50% do mercado mundial de laranja. Se tirarmos a tarifa que hoje protege a citrocultura na Flórida, na Califórnia e no Arizona, o Brasil terá 100% do mercado mundial e isso não é comércio livre. Lembrem-se dos produtos de aço que seriam ameaçados pelo Brasil. Senadores, vocês estão me entendendo? - pergunta ele ao Senado americano. Trata-se de um senador americano.

Quero encerrar com a opinião da Senadora Barbara Mikulski, Senadora democrata por Maryland, em 16 de abril. Diz ela:

O que teria acontecido se o U.S.S Cole, atingido por um atentado terrorista, só pudesse cambalear de volta para os EUA depois que encomendássemos peças de aço da Rússia, da Tailândia e do Brasil? Acho errado deixar nossa indústria do aço morrer.

Passo a ler a opinião do Senador democrata pela Flórida, Bill Nelson, em 30 de abril, novamente:

O problema é que não é comércio livre nem justo se o Brasil for autorizado a vender suco concentrado de laranja a preços abaixo do custo de produção. Seus produtores, agindo em conluio, formam um cartel.

Quero citar mais uma opinião americana, do Senador democrata por Minnesota Paul Wellstone, em 27 de fevereiro - tudo isso está publicado na Folha de S.Paulo de 29 de maio de 2002:

Cerca de 7 milhões de toneladas de placas semi-acabadas continuam chegando com dumping aos nossos portos. Alguns de nossos parceiros comerciais - o Brasil, por exemplo - estão se esforçando para obter exceções que elevariam as cotas impostas pela Casa Branca. Francamente, temo que essa administração possa dar ouvidos a esses pedidos.

Trago a opinião do Deputado democrata por Michigan, John Dingell, em 27 de fevereiro:

Até o Brasil produz quase 20 milhões de toneladas a mais de aço do que necessita para seu consumo doméstico. E tenham certeza de que esse excedente está sendo enviado aos EUA com preços abaixo do custo. E esses países dizem que a culpa é nossa.

Gostaria de reproduzir o depoimento de Byron Dorgan, Senador democrata pela Dakota do Norte, em 1º de maio. Perceba, Senador Roberto Freire, o que pensam sobre nós. Esse depoimento é uma preciosidade, uma pérola do Senado americano:

Existem 2,9 milhões de crianças brasileiras sob a idade de 15 anos trabalhando, trabalhando em indústrias e em outras circunstâncias, fabricando produtos que virão para nossos mercados. Vocês acham que é justo pedir a alguém de Pittsburgh - que está tentando criar uma família, que tem um bom salário e que trabalha num ambiente seguro - para competir contra uma criança de 12 anos de idade?

E nós é que temos 54 milhões de miseráveis! Eles, além de não entenderem o Brasil, dizem fatos que não ocorrem aqui, porque nem eu, fazendo crítica ao Governo Fernando Henrique Cardoso, vou admitir que tenhamos 2,9 milhões de crianças trabalhando. O trabalho infantil tem sido combatido até por esse Governo.

E finalizo com esta preciosidade de Max Baucus, Senador democrata por Montana, em 14 de maio:

Infelizmente, o Brasil é um espinho para nós e para os diversos países da América do Sul que querem se juntar a nossos esforços para chegar a um acordo da Alca.

Ele, provavelmente, estava se referindo aos esforços da Argentina, do Cavallo e do Menen, para fazer tudo o que eles queriam e acabar com um dos países mais equilibrados do mundo, que tinha petróleo, que tinha comida e tinha cultura. Continua ele:

Digo isso muito respeitosamente [Ele nos respeita, Senador. Ele disse isso muito respeitosamente]. É importante recuar um pouco e perguntar por que o Brasil quer que enfraqueçamos nossas leis comerciais. A resposta é muito clara: suas companhias [quando ele diz “suas companhias”, são as nossas] e seus trabalhadores [são os nossos trabalhadores a que ele se refere] vão se beneficiar à custa dos nossos.

Ora, Senador, vamos acordar e colocar na Presidência da República um Presidente que bata na mesa e defenda o interesse do trabalho e das empresas brasileiras. Um Presidente que tenha a coragem da Igreja Católica de deixar com toda a clareza a sua opção preferencial pelos pobres. E acrescentemos nós, que somos políticos, portanto mais sofisticados doutrinariamente: opção preferencial pelos pobres, pelo emprego e pela empresa brasileira!

Sr. Presidente, agradeço a tolerância de V. Exª e encerro a minha participação nesta sexta-feira.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2002 - Página 10022