Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Importância da presença do médico junto às comunidades carentes, conforme demonstrado no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Necessidade de fortalecimento da interiorização da medicina e do programa Saúde da Família do governo federal.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. SAUDE.:
  • Importância da presença do médico junto às comunidades carentes, conforme demonstrado no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Necessidade de fortalecimento da interiorização da medicina e do programa Saúde da Família do governo federal.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2002 - Página 10215
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEMONSTRAÇÃO, MELHORIA, JUSTIÇA SOCIAL, EFEITO, AUMENTO, MATRICULA, ENSINO FUNDAMENTAL, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, ECONOMISTA, SOCIOLOGO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), CRITICA, EXCESSO, POBREZA, INCOMPATIBILIDADE, RECURSOS, BRASIL.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, MEDICO, FAMILIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, REDUÇÃO, DOENÇA.
  • CRITICA, EXCESSO, MEDICO, REGIÃO SUL, REGIÃO SUDESTE, AUSENCIA, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, NECESSIDADE, REFORÇO, PROGRAMA, SAUDE, FAMILIA, APOIO, MEDICINA, INTERIOR, BRASIL.
  • REITERAÇÃO, PEDIDO, CONGRESSO NACIONAL, EXAME, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, MEDICO, ENFERMEIRO, DENTISTA, CONCLUSÃO, CURSO SUPERIOR, EXERCICIO, PROFISSÃO, MUNICIPIOS, INTERIOR, BRASIL.

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SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a terceira rodada de dados do Censo 2000, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - o IBGE -, teve grande repercussão em todo o território nacional e mesmo nos meios internacionais que trabalham com as questões das desigualdades sociais.

Alguns resultados deixaram boa parte dos brasileiros animados. As autoridades governamentais, setores importantes da mídia, políticos, intelectuais, acadêmicos, sociólogos, economistas e especialistas em estudos sobre as desigualdades não deixaram de reconhecer que houve alguns avanços sociais nesses últimos dez anos.

Pelo menos em algumas áreas estratégicas, os progressos foram realmente significativos. Entre eles devemos destacar o número de matrículas na educação básica e a queda da mortalidade infantil. Todavia, ao mesmo tempo que cerca de 95% das crianças em idade escolar estão na escola e que o índice de mortalidade infantil, pela primeira vez, ficou abaixo dos 30 óbitos para cada mil nascidos vivos, a qualidade do ensino nacional está duramente contestada, bem como o injusto quadro da distribuição da renda nacional.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comentarei brevemente a questão da queda da mortalidade infantil. Quando houve a epidemia da dengue - é bom esclarecer aos brasileiros que, por um fator sazonal, por haver cessado o período das chuvas, a doença diminuiu, mas não está sob controle -, atribuiu-se esse fato ao descaso dos Prefeitos e dos Governadores. Entretanto, a queda da mortalidade infantil foi atribuída unicamente à ação do Governo Federal, embora ocorra justamente o contrário. O índice de mortalidade infantil caiu porque ações desenvolvidas pelas Prefeituras e por instituições aliadas à sociedade civil, como a Pastoral da Criança, contribuíram fundamentalmente para essa diminuição da mortalidade no País.

Os dados do censo revelaram que mais da metade da população brasileira, ou seja, 51,9% dos cerca de 170 milhões de habitantes ganham até 2 salários mínimos e apenas 2,6% recebem mais de 20 salários mínimos.

No que se refere à queda da mortalidade infantil, que registrou 29,6 óbitos para uma média de cada mil bebês nascidos vivos, devemos reconhecer que o índice ainda é extremamente elevado para um país de enormes potencialidades e grandes riquezas como o Brasil.

Apesar de tudo, os resultados são alvissareiros e demonstram que, havendo vontade política, determinação, fiscalização da aplicação dos recursos públicos, projetos criativos e bem articulados, além do combate severo à corrupção, em médio prazo - isto é, em apenas uma dezena de anos -, seremos totalmente capazes de reduzir as vergonhosas injustiças sociais brasileiras a patamares semelhantes aos registrados atualmente em países como Portugal e Espanha.

Segundo estimativas feitas por sociólogos e economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea -, que estudam a questão da pobreza no Brasil, o número de pobres e miseráveis existentes em nosso território é totalmente incompatível com as imensas possibilidades de que dispomos. Assim, conforme os especialistas do Ipea, considerando o total da população atual, que se situa em torno de 170 milhões de habitantes, deveria haver no Brasil de hoje apenas 17 milhões de excluídos sociais - e não cerca de 56 milhões, como é o quadro atual, apresentado em publicações do Instituto em questão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meio a essa inconcebível desigualdade que ainda persiste em nosso País neste início de milênio, um tema dos mais importantes que está diretamente ligado ao universo dos problemas sociais brasileiros deveria merecer mais atenção. Trata-se da “medicina familiar”, ou seja, da grande importância do “médico de família”, principalmente junto às comunidades carentes. Em vez de ocupar lugar secundário em todas as pautas de debates sobre saúde pública em nosso País, tal assunto deveria mobilizar as autoridades e ser considerado como fundamental no combate contra a nossa extrema desigualdade. Indiscutivelmente, no Brasil e em quase todos os países do chamado Terceiro Mundo, o procedimento curativo e preventivo, e não a prática elitista e triunfante da Medicina, é o grande caminho para a solução de boa parte da miséria e para a eliminação das doenças endêmicas que vitimam diretamente milhões de pessoas nessas regiões.

Como um dos direitos mais importantes do povo brasileiro, inclusive garantido em lei maior, a saúde da comunidade deveria cumprir verdadeiramente a obrigação de chegar à casa de todos, principalmente daqueles que vivem um cotidiano cheio de dificuldades. Assim, enquanto o atendimento médico continuar a ser praticado com mais freqüência nos hospitais e consultórios, e servindo apenas aos mais ricos, que podem pagar altas somas em troca de seus benefícios, o número de doentes carentes só tenderá a aumentar e o sofrimento de suas famílias também. A verdadeira saúde pública é aquela que chega aos bairros, aos alagados, às favelas, às periferias das grandes cidades e aos lugares mais longínquos da nossa imensa hinterlândia, onde estão situados os maiores bolsões de pobreza e miséria.

É uma grande ilusão pensar que a inovação tecnológica que acontece todos os dias na Medicina tem a capacidade de substituir a importância do médico de família no universo a que estamos nos referindo. A medicina preventiva e a presença do médico de família continuam sendo os vetores mais importantes do bom atendimento médico pela rede pública de saúde.

Sr. Presidente, tão logo assumi o meu mandato de Senador, em 1999, apresentei um projeto que visava obrigar, compulsoriamente, o profissional de saúde a passar um ano, após sua colação de grau, em Municípios cuja relação profissional/paciente - médico, dentista, bioquímico, enfermeiro e habitantes - fosse igual ou inferior a um para mil. Esse é o índice recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Infelizmente, essa proposta não evolui, porque argumenta-se que tolhe o direito do livre exercício da profissão e o direito constitucional de ir e vir.

A meu ver, essa forma compulsória de obrigar o profissional de saúde a ir para Municípios onde há essa carência, principalmente no Norte, Nordeste, Centro-Oeste e até alguns no Sul e no Sudeste, é justa.

Os médicos, no Brasil, são realmente elitistas - e aqui falo com isenção, porque sou médico. Eles são formados em mais de 2/3 das escolas de Medicina, que estão localizadas no Sul e Sudeste. E aqueles que se formam no Norte e no Nordeste vão para o Sul e Sudeste a fim de se especializarem e buscarem melhores oportunidades de trabalho, e por lá ficam. Então, há uma enorme concentração de médicos e outros profissionais de saúde nos grandes centros, em detrimento da maioria dos Municípios brasileiros, especialmente das regiões mais pobres. Precisamos inverter essa situação.

O Governo apresentou um projeto no mesmo sentido do meu, que paga um salário considerável - entre R$4 mil e R$7 mil - ao médico que vai para esses municípios carentes, além de outras vantagens adicionais, como o reconhecimento como pós-graduação ou como porta aberta para uma futura pós-graduação. Mesmo assim, esse projeto não tem conseguido atender aos municípios carentes de todas essas regiões mais pobres. Portanto, entendo que só a via compulsória, até mesmo motivando o estudante durante o seu curso de graduação, pode levá-lo a fazer essa “pós-graduação em Brasil”, a aprender realmente com a realidade brasileira e não só pelo ouvir dizer ou pelo ter lido, mas pela convivência nesses municípios pobres do Acre, de Roraima, do Amazonas e de tantos outros Estados das regiões Norte e Nordeste.

Outro ponto que quero registrar é que esses Estados, que são os mais pobres da Federação, como é o caso de Roraima e do Acre, implantaram o Programa Saúde da Família, em que o médico faz visitas domiciliares, e realmente houve uma revolução nos dados bastante favorável, bastante considerável. Por isso, a razão do meu pronunciamento, com base nesses dados do IBGE, é chamar a atenção da Nação e das autoridades de saúde do País para esse problema, que, repito, não se resolverá enquanto permanecerem Estados da Região Norte sem o curso, ao tempo em que dois terços das escolas de Medicina do País estão no Sul e no Sudeste. O meu Estado tem, graças a Deus, devido ao empenho da nossa universidade, que fez um trabalho de convencimento no Conselho Nacional de Saúde, que argumentava que não existe infra-estrutura, não há condições e que o curso será precário. No entanto, permite-se a abertura de mais cursos ainda no Sul e no Sudeste.

Ao contrário da medicina mercantilista, elitista e globalizada, para a medicina familiar, o paciente tem um nome e não apenas um número, como acontece nos registros computadorizados dos grandes hospitais e postos de saúde. Diferentemente do atendimento massificado, mecânico, frio e impessoal, o diagnóstico é bem mais criterioso no atendimento familiar, existe aproximação física e emocional entre médico e paciente, e, em muitos casos, os doentes mais carentes recebem medicamentos de graça. Além disso, médico, enfermeiro, auxiliares e agentes de saúde tornam-se amigos da família e passam a ser vistos com respeito pelas comunidades onde atuam. Nos casos de doenças mais graves, o próprio médico de família encarrega-se de facilitar a transferência do paciente para um centro de atendimento especializado, o que seria extremamente difícil se a procura fosse feita de forma individual pela família do necessitado ou por ele mesmo.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (Pits) - a que me referi - deverá receber, este ano, recursos da ordem de R$60 milhões. Apesar de o anúncio desse valor representar um aumento de 100% em relação ao que foi destinado em 2001, devemos reconhecer que a quantia é extremamente modesta para atacar os gigantescos problemas e irrisória diante da extrema importância que essa modalidade de atendimento representa.

Todavia, para o Governo, com esse aumento de recursos, será possível contratar mais profissionais para atender 119 municípios das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e do norte de Minas Gerais. Ora, Sr. Presidente, 119 Municípios é uma insignificância diante da carência geral, nessas três regiões citadas, de médicos e de profissionais da área da saúde. Segundo o Ministério da Saúde, os salários dos médicos contratados pelo período de um ano, com possibilidade de renovação, variam de R$4.000,00 a R$4.500,00; o dos enfermeiros, de R$2.800,00 a R$3.150,00. O Ministério informa ainda que, em 2002, um ano depois do funcionamento do Programa, cerca de 98% dos profissionais engajados em Municípios com até 50 mil habitantes solicitaram renovação dos seus contratos e a permanência nas mesmas comunidades.

Convém ressaltar, igualmente, o grande interesse despertado pelo Programa, que levou 2.349 médicos a disputarem as 150 vagas abertas. Como se pôde observar, o interesse é grande, mas as vagas são poucas - realmente muito poucas para o grande problema de saúde existente nesses Municípios, chamados pela grande imprensa de grotões do Brasil.

Outro aspecto positivo, que merece referência, diz respeito à área geográfica de atuação dos médicos e profissionais contratados. Os Municípios selecionados são os que têm maior incidência de mortalidade infantil, tuberculose, verminose, malária e hanseníase.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o programa do Governo que visa a levar os médicos ao interior merece todos os elogios. Acredito que todos os Partidos Políticos, sem exceção, também manifestam a mesma opinião. A única crítica que faço é que o Programa deveria ter dezenas de vezes mais suporte financeiro, dezenas de vezes mais vagas, para poder equipar-se melhor, atuar de maneira mais eficiente, expandir-se pelo resto do território, contratar mais profissionais e deslocar os milhares de médicos que vivem concentrados nos grandes e médios centros urbanos nacionais para aqueles municípios carentes, em que a presença dos profissionais de saúde é escassa.

Para termos uma idéia da gravidade dessas distorções em nosso País, segundo o padrão recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para que haja um bom atendimento, é preciso que exista um médico para cada mil habitantes. No Brasil, não temos falta de médicos e, sim, concentração desses profissionais nos grandes e médios centros urbanos. Em 1999, a média brasileira era de um médico para cada 673 pessoas - muito melhor do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde -, o que sugeriria, em princípio, um bom atendimento. Entretanto, milhões de brasileiros estão doentes e abandonados à sua própria sorte e não sabem da existência desses profissionais, que poderiam muito bem amenizar os seus sofrimentos físicos e salvar muitas vidas.

Por todos esses motivos que acabamos de apresentar, torna-se urgente a interiorização da medicina e o fortalecimento do Programa Saúde da Família (PSF), que oferece medicina preventiva no domicílio, com equipes formadas por agentes comunitários de saúde, um médico e um enfermeiro. É justamente essa iniciativa a única que tem a capacidade imediata de salvar vidas e dar dignidade a cerca de 80 milhões de brasileiros necessitados de assistência preventiva de saúde. O exemplo da Pastoral da Criança está aí para nos ensinar que, com muito pouco, em médio prazo, podemos transformar radicalmente o vergonhoso quadro social do Brasil.

Sr. Presidente, antes de encerrar meu discurso, quero reiterar o pedido para que esta Casa, o Congresso Nacional examine a compulsoriedade, a obrigatoriedade de o profissional de saúde, ao concluir seu curso, antes mesmo de registrar seu diploma ou de ter seu diploma reconhecido, passar um ano nesses Municípios, fazendo o que chamo de “pós-graduação em Brasil”. É uma oportunidade de os médicos conhecerem de verdade a miséria apresentada pelos números de maneira não tão eloqüente quanto a realidade.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2002 - Página 10215