Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do político João Amazonas, ocorrido semana passada.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do político João Amazonas, ocorrido semana passada.
Aparteantes
Pedro Simon, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2002 - Página 10217
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO AMAZONAS, EX PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB), EX-CONGRESSISTA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, LIBERDADE, DEMOCRACIA, SOBERANIA NACIONAL, CIDADANIA, POPULAÇÃO, PAIS.

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O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero hoje homenagear um dos mais extraordinários e singulares homens que conheci.

Como Deputado, Prefeito, Governador e Senador, conheci muita gente, no Brasil e no exterior. Tive a oportunidade de conviver com homens e mulheres realmente notáveis. No entanto, ninguém com características tão pessoais, tão próprias como as que fizeram dele um dos mais referenciáveis brasileiros.

Depois de 90 anos de uma vida tão intensa, tão marcante, morreu João Amazonas. Tive o privilégio e a honra de privar de sua amizade.

Nesses 90 anos, João não perseguiu a glória, não buscou as riquezas, não correu atrás da fama, não se iludiu com a realização individual. Era um homem de outra qualidade, com outro sentido de vida, com outros sonhos, o mais generoso de todos os sonhos: o sonho da igualdade, o sonho do fim de todas as injustiças, o sonho de um mundo sem fome, sem miséria, sem a dor e a humilhação da exclusão.

Humanista em sua dimensão mais radical, João não apenas sonhou essa bela, magnífica e comovente utopia. João lutou 90 anos para que ela fosse realidade. E nessa luta não mediu a renúncia, o sacrifício. Doou-se a ela com a mesma intensidade, com o mesmo fervor, com a mesma entrega com que um pai se atira aos cuidados de um filho.

Esse caminho que João percorreu veio de muito longe. Adolescente ainda, participa dos movimentos que vão culminar com a Revolução de 1930, mas não se satisfaz com os poucos avanços do movimento no sentido de sacudir o Brasil das peias de uma elite medíocre, que mantinha o País fincado no atraso.

Com tantos outros jovens brasileiros, inconformados com a revolução feita pela metade, João busca a construção de um outro caminho, quem sabe até mesmo querendo queimar etapas, buscar um atalho rápido e direto para o surgimento da sociedade com que sonhava.

Começa aí uma vida toda de perseguições, prisões, torturas e clandestinidade. Começa aí uma vida toda nos subterrâneos da liberdade, na resistência firme, incansável, na persistência inquebrantável de sua luta pelo socialismo.

Com a redemocratização de 1945, é eleito Deputado; Constituinte, respira por pouco tempo a liberdade. Nesse tempo, com Prestes, Maurício Grabois e Diógenes Arruda, é um dos mais importantes dirigentes do Partido.

Em 1962, tomou uma decisão extremamente difícil, dolorosa. Para manter aquilo que considerava correto, rompe com os seus companheiros de tantos anos de resistência e luta. Começa tudo de novo. Nas duras condições da clandestinidade, da perseguição da polícia política, da tentativa de cerco e aniquilamento, põe-se a reorganizar o seu Partido.

No entanto, logo em seguida, passa por mais uma dificuldade, por um novo desafio: o golpe militar de 1964. As condições da luta tornam-se ainda mais dramáticas. Maurício Grabois, Pedro Pomar, Carlos Danieli, Angelo Arroio, Luiz Guilhardini, Lincoln Oest, João Batista Drumond e dezenas de outros seus companheiros marcaram com seus corpos e seu heroísmo o caminho da resistência.

Milagrosamente, o pequeno e frágil João foi escapando de cada cerco, de cada armadilha, da perseguição implacável, da morte decretada e jurada. Sem medo, com a têmpera dos visionários, com o ardor dos profetas, com a certeza dos justos, lá foi o João resistindo, lutando, nunca recuando, nunca cedendo ao desânimo, ao desespero, opondo-se, com tenacidade, ao fascismo e à barbárie.

Como ele sempre acreditou, fez-se de novo a luz, abriu-se uma réstia na noite tenebrosa, e seu Partido emergiu das sombras para, de novo, pregar aos brasileiros, de peito aberto, de cara à luz, o sonho generoso da nova sociedade.

E quando o mundo lá fora começou a desabar, quando caíram muros, quando se proclamou a idiotice do fim da história, tentando se impor um só e triunfante pensamento, João não recuou um milímetro na firme e desassombrada defesa do sonho de uma sociedade igual, justa, próspera, fraterna e feliz.

Quando tantos fugiram, quando tantos se esconderam, quando tantos capitularam, quando tantos apostataram, quando tantos renegaram, João continuou empunhando e fazendo tremular a bandeira vermelha de suas convicções - o pequeno e frágil João, o gigante João.

Mesmo que muitos de nós não tenhamos concordado sempre com ele, mesmo que tenhamos pontos de vista diversos sobre os acontecimentos que fizeram a história do nosso País ao longo do século XX, ainda assim, não há quem possa negar que João Amazonas foi um dos mais notáveis brasileiros do período contemporâneo.

Quem sonha para seu irmão felicidade, conforto, cultura, prosperidade, dignidade, quem sonha e luta pela construção de uma sociedade onde todos possam viver fraternalmente, em paz, em segurança, sem fome, sem a dor da exclusão, sem a humilhação e a ofensa da desigualdade, quem sonha o mais generoso de todos os sonhos que o homem foi capaz de desejar merece de nós homenagem, reverência, respeito.

No começo deste ano, depois de fazer 90 anos, quando decidiu deixar a Presidência do Partido, João declarou: “Espero morrer na minha posição de luta, no meu posto de trabalho. Vou continuar o desenvolvimento de minha atividade comunista. Até o último de meus dias serei militante do Partido Comunista do Brasil”.

E assim foi. Até o último dia, até o último instante, a fidelidade aos seus ideais, o compromisso com o seu povo, a impressionante fé e esperança na realização do ideal socialista.

Os seus sonhos eram bons sonhos. E mesmo que eles não tenham sido realizados, foi bom sonhá-los, porque eram bons sonhos.

João, descanse em paz! Aqui na Terra, vamos continuar a sua generosa luta pela construção de uma sociedade justa, fraterna, próspera e feliz.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Nobre Senador, permite-me um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Concedo, com agrado, o aparte ao Senador Roberto Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Roberto Requião, não vou acrescentar praticamente nada ao pronunciamento de V. Exª, mas tão-somente ratificá-lo, em nome da sociedade do Rio, dos socialistas deste País que tiveram sempre em João Amazonas o irmão de idéias, o lutador. Todos sempre tivemos admiração muito grande por essa figura histórica do País - de quem se pode discordar aqui e ali - por sua coragem, sua firmeza, sua coerência e seu patriotismo. João Amazonas era um homem que pensava no Brasil o tempo todo. Registro no meu aparte a admiração também dos socialistas do Brasil, especialmente os do Rio de Janeiro, por essa figura que marcou a nossa história, e que V. Exª, com muita justiça e propriedade, homenageia hoje no Senado Federal. Cumprimento V. Exª pelo seu discurso.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - O pequeno e gentil João Amazonas, o guerrilheiro incansável, foi um homem com uma capacidade incrível de se atualizar, de mudar e de evoluir. Conheci João Amazonas quando era Deputado Estadual e depois Prefeito de Curitiba. Privei da sua amizade e vejo nele um exemplo, aquele testemunho que o Papa reconheceu no Che Guevara: a capacidade de não se corromper, de insistir, de persistir, de se transformar em uma espécie de um santo laico, de um apóstolo de suas idéias. Assim foi o velho, pequeno e incorruptível João Amazonas.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Concede-me V. Exª um aparte, Senador Roberto Requião.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Concedo o aparte ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Penso que V. Exª, com grande brilhantismo, está fazendo um pronunciamento da maior importância. Não era possível que esta Casa não se pronunciasse com pesar mais profundo sobre a morte de João Amazonas. Tive oportunidade de conhecê-lo ao longo do tempo e de acompanhar a sua autoridade, a sua luta e o seu esforço. Era um homem de idéias, que lutou por elas. Divergiu, inclusive, de velhos e tradicionais companheiros para se identificar com aquilo que pensava. Tenho o maior respeito por João Amazonas. Desculpem-me o que vou dizer - não era para dizer -, mas um fato ocorrido há quatro anos me envaidece. No auge de uma confusão de escolha de candidaturas, ele e toda a equipe do PC do B foram ao meu gabinete dizendo que queriam levar o meu nome ao debate dos Presidentes dos Partidos de Oposição. Eu disse que ficava muito emocionado, mas que ele não o levasse - não que eu não concordasse -, pois não iriam chegar a um entendimento em torno do meu nome e poderia até surgir alguma antipatia do Dr. Brizola, e não convinha que isso acontecesse. Lembro-me quando se realizou uma reunião de todos os presidentes de Partido, no início do Governo Itamar Franco, para se buscar um entendimento de todos com relação à governabilidade - aí, sim, real, porque Itamar não tinha o respaldo do voto popular -, João Amazonas foi um dos primeiros a fazer um pronunciamento, que foi da maior profundidade, do maior conteúdo, da maior seriedade, dizendo exatamente isso: “que aquele era um brasileiro que merecia respeito, embora não companheiro seu, e que teríamos de estar junto em torno da tentativa de equacionar os problemas da nossa Pátria”. Não há dúvida de que é difícil encontrar pessoas como João Amazonas, heróis do sofrimento, da luta, da clandestinidade. Essas são pessoas que viveram mais vezes na escuridão que nas luzes, viveram mais vezes na dor, no sofrimento que na alegria, viveram muito mais tempo na perseguição que na vitória; mas pessoas que têm uma idéia e lutam por ela, que têm uma paixão e a defendem são necessárias à humanidade de hoje. Pessoas como João Amazonas, com sua dignidade, seu caráter, sua seriedade, sua transparência, sobre o qual não há uma vírgula nem uma interrogação, modesto, no início e no final, simples, no início e no final, são grandes exemplos. No silêncio, na singeleza, sem ostentação, no plenário, por um dos maiores e mais brilhantes Senadores desta Casa, nesta segunda-feira, é feito este pronunciamento, que não é solitário, porque tenho certeza de que muitos, nesta Casa e fora dela, identificam-se com V. Exª, pois, se divergiam e discordavam de João Amazonas também reconheciam a sua integridade, o seu valor, a sua garra e a sua luta. Pode parecer estranho, mas o Brasil precisa de pessoas como João Amazonas, que lutam pelo que consideram certo, para que possamos ser um grande País. Minha solidariedade ao oportuno, embora triste, pronunciamento de V. Exª sobre João Amazonas.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Talvez, Senador Pedro Simon, para finalizar, nós dois pudéssemos definir João Amazonas como um padre franciscano no Partido Comunista do Brasil. Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2002 - Página 10217