Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Repercussão na economia brasileira da concessão de subsídio, pelo governo dos Estados Unidos, aos agricultores daquele país.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Repercussão na economia brasileira da concessão de subsídio, pelo governo dos Estados Unidos, aos agricultores daquele país.
Aparteantes
Chico Sartori, José Fogaça, Ramez Tebet, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2002 - Página 10220
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO, CONGRESSISTA, PROTESTO, POLITICA, PROTECIONISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ESPECIFICAÇÃO, SANÇÃO, LEIS, CONCESSÃO, AUMENTO, SUBSIDIOS, PRODUÇÃO AGRICOLA, PREJUIZO, AMBITO INTERNACIONAL, DESCUMPRIMENTO, ACORDO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).
  • APREENSÃO, ECONOMIA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, DIFICULDADE, COMBATE, PROTECIONISMO, SUBSIDIOS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNIÃO EUROPEIA, CONTINENTE, ASIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ENCONTRO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), DEBATE, SITUAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, ATUAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO.
  • ANALISE, PREJUIZO, PRODUTOR RURAL, BRASIL, EXCLUSÃO, MERCADO EXTERNO, MANIFESTAÇÃO, APOIO, GOVERNO FEDERAL, ITAMARATI (MRE), NEGOCIAÇÃO, OPOSIÇÃO, SUBSIDIOS, DEFESA, AGRICULTURA, PAIS.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROVIDENCIA, REFORÇO, POLITICA EXTERNA, GESTÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), DEFESA, INTERESSE NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um número expressivo de Parlamentares ocupou, nas últimas semanas, a tribuna das duas Casas do Congresso Nacional para protestar contra atitudes protecionistas adotadas pelo Governo dos Estados Unidos da América, principalmente contra os subsídios concedidos aos produtores agrícolas daqueles país.

Em 14 de maio passado, o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, sancionou a nova lei agrícola aprovada pelo Congresso norte-americano, a farm bill. Essa lei prevê, ao longo dos próximos seis anos, gastos federais da ordem de US$190 bilhões com o setor, aumento dos subsídios a produtores rurais em até 80%, e garantia de preços mínimos para produtos como soja, milho e trigo.

Segundo palavras do próprio Presidente Bush, trata-se de “uma lei generosa”, que “vai providenciar uma rede de segurança para os fazendeiros”. “Generosa” é adjetivo impróprio para qualificá-la, tamanho os privilégios que ela concede! A farm bill vai dar garantia mínima, sem encorajar o excesso de produção, e fará com que os produtos agrícolas norte-americanos cheguem aos mercados mundiais a preços artificialmente baixos, absolutamente imbatíveis, se comparados, por exemplo, aos preços passíveis de serem praticados pelos países em desenvolvimento.

Com a lei ora sancionada, nos EUA, os politicamente poderosos produtores rurais daquele país estarão protegidos, imunes a toda e qualquer flutuação nos preços das commodities; flutuação essa que é responsável por boa parte do risco a que se expõe a atividade agrícola, em todo o mundo.

É preciso que se diga que a nova lei caminha em sentido contrário ao da legislação anteriormente em vigor nos EUA, que previa justamente o oposto, isto é, uma liberalização do setor. Com ela, o atual Governo norte-americano negligencia compromissos anteriormente firmados, e se afasta dos princípios de rigidez orçamentária e de livre comércio, que afirma defender.

Tal fato, que é preocupante em nível mundial, é extremamente desalentador para os países em desenvolvimento.

Sr. Presidente, no âmbito internacional, têm sido veementes tanto as críticas às medidas norte-americanas quanto as denúncias de que a política agrícola adotada por aquele país contraria os acordos firmados na Rodada Uruguai, da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A farm bill está causando um verdadeiro desânimo em um grande número de defensores do livre comércio. É crescente o temor de que, com afronta de tal nível ao mundo em desenvolvimento, os EUA tenham reduzido bastante as chances de concretização de importantes negociações ora em curso, com o objetivo de suspender barreiras comerciais.

Convém lembrar o que ocorreu na reunião da OMC, realizada em Doha, no Katar, em novembro do ano passado, na qual os países-membros daquela organização deram início a uma importantíssima rodada de três anos de negociações comerciais globais. Nessa reunião, os países pobres aceitaram negociar devido, em parte, às promessas do Governo Bush de que seria dada prioridade máxima para a redução gradual dos subsídios e para outras medidas com vistas ao aumento do acesso dos produtos agrícolas dos países pobres aos mercados dos países ricos.

Sr. Presidente, foi surpreendente o fato de que a atual rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio sofreu, tão pouco tempo após seu início, golpe tão rude, capaz de atingir países de diferentes níveis de desenvolvimento. Evidentemente, o golpe foi maior para as economias dos países emergentes, pois esses, além de enfrentar o protecionismo agrícola norte-americano, precisam ainda fazer frente aos fortes subsídios oferecidos pela União Européia e pelos Tigres Asiáticos, que também colocaram um cinturão protetor em torno de seus agricultores.

O clima de desconfiança acirrou-se em escala planetária. Autoridades européias afirmam que a nova lei agrícola dos EUA tornará ainda mais difíceis as tentativas de superar a resistência dos agricultores europeus em abrir mão dos subsídios agrícolas. Houve até quem dissesse que se acabava de pisar uma mina terrestre em termos de política comercial.

No entanto, Sr. Presidente, houve uma reação global à atitude norte-americana e uma reação internacional ao protecionismo em si. Em 16 de maio, durante o encontro de Ministros de mais de 30 países na sede da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em Paris, as três principais organizações econômicas multilaterais, FMI, Bird e Organização Mundial do Comércio, uniram-se para condenar, em comunicado conjunto e sem precedentes, o protecionismo comercial dos países ricos.

Segundo matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo de 17 de maio, essas três principais organizações econômicas multilaterais repudiaram as medidas contra o livre comércio, afirmando que as ações protecionistas “reduzem as perspectivas de crescimento onde ele é mais necessário. Elas emitem o sinal errado ao restringir a capacidade de os governantes conquistarem apoio para as reformar orientadas para o livre mercado”.

Evidentemente, os Estados Unidos da América são o alvo principal desse manifesto. São acusados de “destruir o sistema multilateral de comércio”, pois é incontestável o fato de que os Estados Unidos vêm adotando, uma após outra, decisões que contradizem seu discurso de apologia ao livre comércio.

As autoridades que estiveram presentes ao encontro na capital francesa foram unânimes em atacar as recentes medidas do governo norte-americano que não só fecham os Estados Unidos da América ao aço importado como também lesam produtores agrícolas de outros países ao aumentar em 70% o subsídio ao setor rural. Para elas, as medidas sancionadas pelo Presidente Bush representam uma séria ameaça à nova rodada de negociações sobre tarifas iniciada em Doha.

O teor das críticas é ácido. Representantes dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico afirmaram que reduzir os déficits orçamentários e evitar a volta do protecionismo comercial são tarefas essenciais para a saúde da economia global.

Integrantes de um grupo, o Grupo de Cairns, formado pelos principais exportadores de produtos agrícolas do mundo, como o Brasil, Austrália, Canadá, entre outros, alertaram em Genebra que fazendeiros de todo o mundo sofrerão impacto negativo, sobretudo os dos países que exportam sem subsídios.

O mais interessante, Sr. Presidente, é que tive a honra de participar, ainda quando Ministro da Agricultura, da instituição desse Grugo de Cairns, na Austrália, por iniciativa do Canadá. Logo depois, os Estados Unidos emprestaram seu apoio a essa organização. No entanto, permanentemente, o mundo é surpreendido por medidas que descaracterizam posições assumidas pelos Estados Unidos anteriormente.

No que concerne, Sr. Presidente, especialmente ao nosso País, os prejuízos em conseqüência das medidas adotadas recentemente pelos Estados Unidos da América são evidentes. Repetidas vezes, já se proclamou na tribuna desta Casa a estimativa de que a medida recém-sancionada poderá trazer prejuízos da ordem de US$1 bilhão aos produtores brasileiros.

O Brasil seria especialmente prejudicado pelas restrições comerciais norte-americanas, porque os nossos produtos estariam centrados justamente no grupo de produtos onde os EUA aplicam as maiores tarifas, segundo documento assinado pelo representante do Governo brasileiro nos Estados Unidos, Rubens Barbosa*, com base em levantamento realizado por nossa embaixada em Washington.

A abalizada afirmação do embaixador brasileiro sublinha que, lamentavelmente para o nosso País, “há uma grande coincidência entre as áreas nas quais mais incidem os subsídios e o protecionismo americano e o nosso perfil exportador externo, o que atua em detrimento dos legítimos interesses dos nossos produtores eficientes”.

Segundo Rubens Barbosa, “no momento atual, a dicotomia entre a retórica e a prática atinge uma intensidade sem precedentes nos últimos anos”. O estudo elaborado por nossos diplomatas tira uma média entre as tarifas máximas que podem ser aplicadas a cada um dos 20 produtos mais exportados pelo Brasil e pelos Estados Unidos e mostra, por exemplo, que a tarifa média do açúcar chega a 171%, que o fumo é taxado em 350%, e o suco de laranja, em 61%.

Na verdade, Sras e Srs Senadores, estou convicto de que o Governo brasileiro precisa sair mais firmemente e decididamente em defesa dos interesses comerciais do nosso País. Políticas protecionistas adotadas pelos países industrializados têm causado sérios transtornos ao setor rural brasileiro. Estudos estimam que subsídios ou ditas “medidas de apoio interno” dados pelos países desenvolvidos à agricultura ocasionem ao Brasil um prejuízo anual de aproximadamente US$5 bilhões na exportação de produtos agrícolas.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Tenho, com muito prazer, a oportunidade de conceder um aparte ao nosso digno Presidente, Senador Ramez Tebet, que deixa a Presidência, estou certo, para enriquecer o nosso pronunciamento nesta tarde.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Iris Rezende, realmente deixei a Presidência dada a importância do pronunciamento de V. Exª. Trata-se de um pronunciamento estudado, substancial, patriótico em defesa dos interesses nacionais. Hoje, neste mundo globalizado, estamos assistindo a esta crueldade: países industrializados e ricos se põem contra países emergentes, contra países em desenvolvimento. Há, dentro do peito de cada um de nós, um grito de protesto contra essa situação, contra aqueles que, parece, querem impedir a nossa marcha em direção a melhor qualidade de vida, para ao desenvolvimento. V. Exª aborda muito bem o assunto. Essas medidas de proteção atingem o setor industrial nacional, como é o caso do aço e dos calçados, mas atingem sempre e fundamentalmente a agricultura e a pecuária do Brasil. V. Exª fala como homem do Centro-Oeste, que tem a sua economia essencialmente calcada na agricultura e na pecuária. Portanto, essas medidas protecionistas, essas barreiras impostas pelos países mais ricos, tendo à frente os Estados Unidos da América, são prejudiciais ao Centro-Oeste, são prejudiciais ao Brasil. Este País, cujo desenvolvimento precisa passar pelo interior, precisa ir em marcha ao Centro-Oeste, encontra essas dificuldades. O discurso norte-americano é um e a prática é outra. Eles exercem tamanha proteção aos seus produtos que se esquecem até dos tratados, do relacionamento entre os países, se esquecem que a sua grande prosperidade não pode existir em detrimento dos países que querem atingir melhor qualidade de vida. Quero lembrar - V. Exª em seu discurso naturalmente chegará a este ponto - que o Produto Interno Bruto brasileiro só cresceu em decorrência do avanço dos nossos produtos agrícolas e pecuários. Tivemos um superávit na balança comercial de R$3,4 bilhões graças a nossa agricultura. Assim, a posição firme, segura de V. Exª deve ser saudada. Por isto desci da Presidência dos trabalhos e vim aqui, porque realmente temos de encontrar, neste mundo globalizado, medidas para nossa defesa. Somos torpedeados de todas as maneiras pela política governamental dos países mais desenvolvidos, somos bombardeados pelas multinacionais desses países que adentram nosso território e estão até fazendo anúncios, segundo consta em dados divulgados na Internet, para que os produtores de soja no Brasil não produzam. Quer dizer, pagam determinada importância para não haver produção no País e para que a soja dos Estados Unidos possa ter um crescimento de cerca de 15%, o que positivamente é um absurdo, algo que o mundo não pode tolerar. A persistir essa política cruel da globalização, vamos caminhar para o empobrecimento da humanidade, o que indubitavelmente é um absurdo. Daí a necessidade de os países em desenvolvimento se unirem, formarem seus blocos e se oporem a isso. Daí a necessidade de conscientização da sociedade e o valor de um grande pronunciamento como o que V. Exª faz nesta tarde. Vim aqui para cumprimentá-lo, não para enriquecer o pronunciamento de V. Exª, que está muito bem escudado, mas porque precisamos realmente de atitudes como essa não só no Brasil, mas em todo o mundo. É preciso que haja união dos países em desenvolvimento, união forte, sob pena de ficarmos cada vez mais endividados e nas mãos dos interesses do Fundo Monetário Internacional, que está asfixiando a vida dos povos. Era o que eu tinha a dizer a V. Exª, cumprimentando-o pelo pronunciamento.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado, sinto-me extremamente gratificado pelo gesto de V. Exª, Senador Ramez Tebet, que com muita competência e muito espírito de justiça tem presidido esta Casa. O gesto de V. Exª, eu sei, traduz muito bem o sentimento do Centro-Oeste brasileiro. Como bem disse V. Exª: uma região que se assenta na agropecuária vive em sobressaltos e por vezes angustiada por ações que agridem os sonhos de tantos agricultores. V. Exª, ao participar do nosso pronunciamento, consolida a preocupação de que muitas vezes é importante falarmos reiteradamente a respeito de alguns temas até que a sociedade se sensibilize e possa sensibilizar o Governo. É preciso que o nosso Governo tenha a mesma preocupação que tem tido o governo dos Estados Unidos da América com os seus produtores.

O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Concedo um aparte ao Senador José Fogaça, com muita honra.

O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - Prezado Senador Iris Rezende, evidentemente o pronunciamento de V. Exª já está consagrado. Em primeiro lugar, pelo conteúdo e pelos objetivos; em segundo lugar, pelo aparte que recebeu do Presidente da Casa, que abandona a cadeira presidencial e vem ao plenário com o intuito único e exclusivo de dar apoio irrestrito ao claríssimo e contundente pronunciamento de V. Exª. Da mesma forma, embora na posição bem mais modesta de um simples Senador que representa o Rio Grande do Sul, que também tem orgulho de ser um Estado eminentemente agrícola, registro minha admiração e reconhecimento da extraordinária importância do tema que V. Exª traz e meu apoio total e irrestrito a suas palavras. V. Exª há de me permitir mais um minuto para lhe dizer o seguinte: recentemente, li alguns textos a respeito de um novo líder político que emergiu na França nos últimos anos e vem se tornando um fenômeno político ameaçador lá: o Sr. Jean-Marie Le Pen. Impressionado com seu desempenho nas eleições, com o abalo que produziu na sociedade francesa, detive-me em ler, com mais vagar e cuidado, sua personalidade, suas propostas, idéias e comportamento. Ali está clara uma posição profundamente vinculada à idéia do protecionismo. Agora mesmo discutia-se se devemos elogiar o Sr. George W. Bush pelo que fez e lamentar por não fazermos o mesmo, se essa é a atitude correta, se esse é o procedimento adequado, ou se devemos criticar no cerne, na essência esse comportamento contrário ao livre comércio. Depois de ler páginas e páginas sobre a vida e as idéias do Sr. Jean-Marie Le Pen, cheguei à conclusão de que devemos combater isso como princípio, como posicionamento político. O Tratado de Mastrich, que leva à consolidação da União Européia, já se consagrou inteiramente na Europa. O euro cresce frente ao dólar e se afirma como moeda única de 12 países. Há uma abertura de mercados, há uma verdadeira integração econômica. Há novos tempos em andamento na Europa, e o Sr. Jean-Marie Le Pen é absolutamente inarredável na sua posição contrária a essa globalização, à mundialização dos mercados, contrário à abertura dos mercados, ao livre comércio; e a favor do protecionismo mais radical, do fechamento autárquico das nações. Na verdade, um ódio à internacionalização econômica e à globalização sem precedentes. Vejo no comportamento do Sr. George W. Bush algo muito parecido, proveniente de uma visão ultradireitista e atrasada, que tem resíduos na sociedade americana e que cobra do Sr. Bush o apoio que lhe deu na campanha, que exige dele a defesa dos seus interesses subalternos, de caráter pseudonacionalista. Por isso quero fazer aqui a ressalva. Não creio que essa postura seja crítica frente à globalização, no sentido dos nossos interesses. A nossa postura deve ser a da defesa do livre comércio como princípio. Este é o jogo que interessa aos países emergentes: a defesa do livre comércio e, evidentemente, a defesa dos interesses do Brasil nos fóruns internacionais, porque esse horror à globalização, essa prática do protecionismo mais ensandecido, radical e inconseqüente como está sendo adotado pelo governo Bush causa prejuízos aos Estados Unidos, porque provoca lá, sem dúvida, perda de divisas e recursos e também causa prejuízos aos demais países, principalmente aos países em desenvolvimento como o Brasil. E se não for uma razão político-filosófica para a defesa do livre comércio como uma instituição livre do mundo de hoje, haveria uma razão extremamente prática, direta e objetiva: a de que se tivermos de adotar uma política de subsídios para concorrer com os Estados Unidos e com a União Européia, seremos esmagados, Senador Iris Rezende. Seremos rigorosa e literalmente esmagados pelo poder avassalador dos recursos com que contam esses países. Portanto, não nos cabe elogiar o comportamento do Sr. Bush, do Sr. Jean-Marie Le Pen e de outros poderosos detentores de mando político nesses países centrais, porque essa prática é danosa do ponto de vista da filosofia da liberdade e do ponto de vista do interesse pragmático, direto e objetivo dos nossos povos. Repito e insisto: o pronunciamento que V. Exª faz é marcante e a ele trago todo o meu reconhecimento e apoio. Obrigado a V. Exª.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Senador José Fogaça, agradeço-lhe, mais uma vez o importante aparte de V. Exª e empresto maior valor ainda à sua intervenção no meu pronunciamento, porque nesta Casa V. Exª representa um Estado que é grande produtor agropecuário.

O Rio Grande do Sul se constituiu, ao longo dos anos, em verdadeiro laboratório de pesquisas da ciência e da tecnologia na área da agropecuária e tem levado esse conhecimento, essa evolução, a muitas regiões do Brasil, como Goiás e, principalmente, Mato Grosso. Até o Estado da Bahia, na divisa com Goiás, vem recebendo colaboração extraordinária de conterrâneos de V. Exª que realmente proporcionaram grande avanço à nossa produtividade, justamente pelos estudos, pela prática e pela experiência que trazem ao longo dos anos, por intermédio de milhares e milhares de gaúchos ilustres.

V. Exª representa aqueles que sentem na própria carne essa política desigual e protecionista praticada pelos países desenvolvidos. Eles, sim, Senador, são prudentes. Eles não querem ficar nas mãos de nenhum povo que produz alimentos; eles querem, a qualquer custo, produzi-los, fazê-los. Daí, a minha indagação: o que pensa o Governo brasileiro para que, no futuro, não fiquemos nas mãos desses países e para proteger a agropecuária brasileira? Esse é a nossa preocupação.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Iris Rezende, V. Exª concede-me um aparte?

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Com muita honra e orgulho, concedo o aparte ao Senador Roberto Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Iris Rezende, o discurso de V. Exª é cheio de inteligência, de informações precisas e de pontos de vista que coincidem com os interesses de todos os brasileiros, porque precisamos olhar o protecionismo das grandes potências hoje como algo efetivamente extraordinário. É preciso pensar nas razões que nos estão levando a essas posições, porque, desde que surgiram os primeiros formuladores e teorizadores da ciência econômica e das razões de economia das nações, o livre comércio, a posição liberal, sempre foi das nações ricas, poderosas e de grande produtividade. As nações emergentes tinham de ser protecionistas para poderem emergir, porque senão seriam esmagadas pelas potências ricas. Assim sempre foi. O Brasil - se recordarmos -, até enveredar pela assunção integral do princípio do livre comércio, tinha saldos cambiais e comerciais respeitáveis. Ele tinha cerca de US$10 bilhões de saldo comercial. De repente, o Brasil resolveu aderir ao livre comércio e aboliu suas proteções, e o saldo comercial virou um déficit gigantesco que causa hoje asfixia à nossa economia. Enquanto fizemos isso, eles mantiveram e até reforçaram as suas posições protecionistas. Nós continuamos a afirmar um princípio que somente nos causa prejuízos cada vez maiores, em vez de o Governo assumir que se trata de uma nação que precisa, como V. Exª diz, por exemplo, proteger a sua agricultura e a sua indústria, porque tem que dar emprego e condição econômica a uma gigantesca massa que cresce de ano para ano. Estamos fazendo papel de otários, embarcando num princípio que é similar ao da paz. Em princípio, todo mundo quer a paz e o desarmamento, mas, se extinguirmos as nossas forças armadas, adotando o princípio da paz, onde iremos parar? É preciso ter o sentido da realidade das coisas, que está pedindo ao Governo brasileiro um mínimo de proteção às suas atividades econômicas, sob pena de vê-las arrasadas completamente. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado, Senador Roberto Saturnino, pelo honroso aparte. Pelos apartes, que trouxeram ao debate de tema tão importante figuras tão ilustres como V. Exª e os Senadores José Fogaça, Ramez Tebet, já se justificou o meu pronunciamento. Eu poderia concluí-lo, pois já teria a sensação de que fiz jus ao esforço de trazer à tribuna este debate. Muito obrigado.

Nosso País tem de lançar mão de todos os mecanismos ao seu dispor, justamente aumentando a ênfase do aparte do Senador Roberto Saturnino. O Jornal O Estado de S. Paulo, em seu editorial do dia 13 de maio, afirma que o Governo brasileiro já poderia ter iniciado um processo contra os Estados Unidos da América por violação da cláusula da paz, que é parte do Acordo sobre a Agricultura, da Rodada Uruguai. Por essa cláusula, o Governo norte-americano não poderia ter aumentado os subsídios à agricultura antes de dezembro de 2003. Como ocorreu violação desse dispositivo, a ação do Governo brasileiro junto à Organização Mundial do Comércio não só é legalmente justificável quanto é politicamente necessária.

Sr. Presidente, estou convencido de que os produtores agrícolas brasileiros não estão recebendo a paga que merecem por seus esforços. Em vez de colher os louros, estão é pagando um ônus enorme por terem se tornado eficientes e oferecerem produtos competitivos em preço e em qualidade.

O homem do campo, no Brasil, vive meio relegado à própria sorte, sem poder contar com ajuda oficial substantiva que diminua sua desvantagem em relação aos seus subsidiados congêneres dos países desenvolvidos. Não obstante, por conta e mérito próprio, está conseguindo crescer, modernizar-se e fazer com que o Brasil graças a crescentes ganhos de produtividade - nisso entra com muito esforço a participação da agricultura do Rio Grande do Sul - consiga competir com a produção altamente subsidiada de países desenvolvidos.

O Governo brasileiro tem consciência de que precisa agir com vigor e a intenção de fazê-lo vem sendo declarada por nossas autoridades. O Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, afirmou que o Brasil continuará a pleitear, nos foros negociadores, a completa eliminação dos subsídios que distorcem o comércio agrícola internacional, e não hesitará em lançar mão de todas as opções em matéria de defesa comercial para anular o efeito nocivo dos produtos subsidiados que se destinem ao mercado nacional. O Governo brasileiro está determinado a buscar o amparo legal necessário para a defesa dos legítimos interesses da agricultura nacional em terceiros mercados.

É hora de agir.

Na opinião do respeitado Embaixador brasileiro, Rubens Ricupero, nosso representante na Unctad - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento -, no caso específico dos norte-americanos, é preciso ter Olho neles. Segundo artigo de sua autoria, assim intitulado, publicado na Folha de S.Paulo do dia 19 passado, “a cada semana ou quinzena, somos bombardeados por novos atentados ao livre comércio. Primeiro, foram as salvaguardas contra o aço, que paralisam o crescimento da participação do Brasil em nosso principal mercado. Em seguida, foi a vez da lei agrícola, cujos subsídios (...) garantem a perpetuação da concorrência desleal contra a soja, o açúcar, o etanol, os sucos, o tabaco e o algodão.”

“Dias atrás,” alerta ele, “a emenda à TPA (Trade Promotion Authority),” aprovada no Senado norte-americano, “exclui efetivamente das negociações na Alca ou na Organização Mundial do Comércio qualquer correção ou atenuação dos instrumentos de defesa comercial (antidumping, direitos compensatórios, salvaguardas) de que temos sido uma das vítimas privilegiadas desde os anos 60 e 70.”

No mencionado artigo Olho neles, Rubens Ricupero enumera várias outras negociações comerciais brasileiras e diz sentir-se no dever de fazer um alerta aos membros do Congresso Nacional e aos candidatos às próximas eleições, tamanha a gravidade dos problemas concernentes a esse setor.

O Embaixador também nos questiona diretamente. Pergunta ele: “Nesse quadro, por que se omite o Congresso Nacional? Por que, a exemplo de seu congênere do Norte, não faz uso de suas prerrogativas para acompanhar a negociação, antes que seja tarde?”

Entendo que o Embaixador, feliz em seu artigo, foi um tanto injusto com o Congresso Nacional brasileiro, uma vez que temos acompanhado a aflição e o incômodo dos Parlamentares, tanto Senadores quanto Deputados Federais. Mas aproveitemos sua admoestação e fiquemos alerta. Lutemos para que não sejamos pisados por aqueles que procuram triturar a agricultura brasileira com subsídios que consideramos, muitas vezes, criminosos.

O Sr. Chico Sartori (Bloco/PSDB - RO) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Chico Sartori (Bloco/PSDB - RO) - Senador Iris Rezende, agradeço a V. Exª o aparte e a importante preocupação em trazer ao Congresso Nacional esse pronunciamento sobre como o produto brasileiro está sendo excluído do mercado externo. Temos acompanhado pelos jornais de todo o Brasil que o Canadá está oferecendo R$300,00 por hectare para brasileiros não plantarem soja. O Brasil possui a maior dimensão de terra do mundo para produção agrícola. Eles pretendem fazer com que os brasileiros não progridam e usam todos os mecanismos que V. Exª tem relatado para proteger a si próprios e impedir que a nossa agropecuária se desenvolva. É necessário que o Congresso Nacional se levante e verifique a fundo essa situação para que, futuramente, tenhamos liberdade de produzir em nosso País. Não podemos permitir que continuem agindo desse modo com relação à nossa agropecuária. Em meu Estado, Rondônia, o saco de café custa R$30,00. O proprietário da terra paga quarenta reais para colher um saco de café e o vende a trinta reais. Por quê? Porque não temos uma política agrícola que traga benefícios para a sociedade. Parece que, cada vez mais, estamos indo para o buraco. O pronunciamento de V. Ex.ª é muito oportuno, pela experiência, pelo conhecimento que V. Exª tem e pela maneira com que sempre o faz nesta Casa. Tive o orgulho, na semana passada, de lhe fazer também um aparte. Felicito V. Exª e agradeço pela oportunidade que nos deu de apoiar a sua posição, hoje, neste Senado da República.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado, ilustre Senador Chico Sartori. O aparte de V. Ex.ª realmente faz com que a nossa preocupação se justifique, porque V. Exª também representa aqui um Estado cuja economia se assenta sobretudo na agropecuária e sabe traduzir com muita fidelidade as dificuldades, os dissabores, os riscos vividos pelos produtores do nosso querido Estado de Rondônia.

A nossa preocupação é justamente, primeiro, manifestar o nosso protesto àqueles que, aproveitando das suas potencialidades econômicas, procuram triturar os países em desenvolvimento, no caso, o nosso País; segundo, sensibilizar as autoridades nacionais para que valorizem mais o produtor rural brasileiro.

Quantas vezes presenciei produtores rurais, nas avenidas de Brasília, clamando pela negociação de suas dívidas. Milhões de proprietários rurais perderam suas propriedades ao longo dos anos, e hoje, muitos deles, são favelados nos grandes centros urbanos, e aqui, até pela imprensa e por autoridades, eram tachados de darem prejuízos, de deixarem de pagar os bancos, como se fossem os malfeitores da Pátria.

Eu entendia aquela reação; era a reação de autoridades e de jornalistas que não têm a mínima noção das dificuldades vividas ao longo dos séculos pela agricultura brasileira. Não sabiam o que escreviam ou o que falavam. Então, nós, que representamos os produtores rurais nesta Casa e na Câmara dos Deputados, precisamos, permanentemente, trazer àqueles que têm nas mãos as responsabilidades de coordenação dos destinos deste País as dificuldades vividas por esse segmento tão importante.

Muitos não entendem ainda que é a agricultura brasileira que vem segurando, ao longo dos anos, a economia nacional. Num determinado momento, quando os pátios das fábricas se abarrotam, vai-se observar o resultado da crise na agricultura. Quando a agricultura vai bem, tudo se modifica, as indústrias se fortalecem, o comércio se agiganta e o povo começa a ficar feliz. Por isso é que nós procuramos, nesta tarde, aproveitar essa agressão do Congresso americano, endossado pelo Presidente Bush ao sancionar a lei, para mostrar às autoridades brasileiras que o segmento agrícola, por ser o de maior risco da nossa economia, precisa de um tratamento muito especial, de muito carinho, para continuar vivo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entendo que discursos isolados não são suficientes. A gravidade do momento exige uma atitude firme e decidida do Poder Legislativo brasileiro, e urge adotá-la. Nosso respaldo político à posição mais enérgica que o Brasil precisa ter para enfrentar a dura guerra comercial travada com os países ricos será importante, imprescindível.

Ao concluir meu pronunciamento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de fazer um veemente apelo ao Presidente Fernando Henrique Cardoso para que adote uma postura firme junto à Organização Mundial do Comércio contra as medidas protecionistas adotadas pelos Estados Unidos da América ou por qualquer outro país que prejudique os interesses do Brasil.

No campo das relações internacionais, complacência ou submissão tem conseqüências desastrosas e não são admissíveis.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2002 - Página 10220