Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Considerações sobre os avanços nas relações econômicas internacionais do Brasil e a necessidade de realização de plebiscito para ingresso na Alca.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações sobre os avanços nas relações econômicas internacionais do Brasil e a necessidade de realização de plebiscito para ingresso na Alca.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2002 - Página 10226
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, SENADO, INFLUENCIA, POLITICA EXTERNA, CONTRIBUIÇÃO, FUTURO, BRASIL.
  • REPUDIO, PARTICIPAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), AUMENTO, SUBORDINAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EXTINÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DEFESA, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, DECISÃO, INGRESSO, ACORDO INTERNACIONAL.
  • ANALISE, NECESSIDADE, BRASIL, AUXILIO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, RECUPERAÇÃO, ECONOMIA, BENEFICIO, CONTINUAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • DEFESA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, SENADO, ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, REFERENCIA, SISTEMA, TELEVISÃO, NEGOCIAÇÃO, TELEVISÃO VIA CABO, CRITICA, AUSENCIA, DISCUSSÃO, LICITAÇÃO, AREA REMANESCENTE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), NECESSIDADE, RESERVA, POSTERIORIDADE, POSSIBILIDADE, CRESCIMENTO, PREÇO, PETROLEO.
  • NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, SENADO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, AQUISIÇÃO, AERONAVE, RENOVAÇÃO, FORÇA AEREA BRASILEIRA (FAB), CRITICA, ATUAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), DEFESA, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUSENCIA, TRANSFERENCIA, TECNOLOGIA, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é com satisfação que temos observado que, passo a passo, o Senado vai se dedicando com mais atenção a questões e problema ligados à área internacional, às relações comerciais, econômicas, do Brasil com exterior. Isso é muito importante, porque a tradição brasileira é de um certo isolamento do Executivo, especificamente do Itamaraty, na decisão dessas questões, que, muitas vezes, afetam o destino do País, o futuro próximo e remoto da vida nacional.

Por exemplo, tivemos aqui, no final da semana passada, um discurso brilhante, profundo, do Senador Roberto Requião, abordando a Alca, o protecionismo de um modo geral, com apartes de vários Senadores, trazendo questionamentos. Foi um momento importante, assim como hoje, em que tivemos o discurso do Senador Iris Rezende, abordando, com profundidade, a forma como a economia brasileira, especialmente a agricultura, vem sendo afetada negativamente pelas medidas protecionistas dos Estados Unidos da América e da Europa, das potências econômicas do mundo.

De forma que é importante que se crie nesta Casa o hábito de se discutir com freqüência essas questões, especialmente quando a Nação brasileira está na iminência de tomar decisões cruciais, que afetarão de forma profunda a vida econômica e, em alguns casos, o próprio destino da Nação brasileira, como é o caso, por exemplo, da Alca. A meu juízo, a formação da Área de Livre Comércio das Américas é algo que não se coloca no âmbito de um acordo internacional comum, como outros tantos que o Executivo brasileiro assina e o Congresso Nacional depois referenda. A Área de Livre Comércio das Américas é uma medida, uma decisão que afetaria drástica e profundamente o futuro do País, na medida em que conformaria a nossa economia a uma posição absolutamente subsidiária da grande potência econômica, onde a produtividade é muito mais elevada do que a nossa, e nos faria sempre produtores de bens e serviços de pouca agregação de ciência e tecnologia e de mão-de-obra qualificada, subordinando-nos a uma posição para sempre caudatária do progresso científico e tecnológico da nação líder.

Portanto, é uma decisão que tem de ser profundamente meditada, discutida, quase que diariamente nesta e na outra Casa do Congresso Nacional. Esse assunto deveria até ser submetido a um plebiscito nacional, a fim de que a população se pronunciasse sobre um acordo de tanta importância, que tantos efeitos profundos, permanentes e duradouros teria, se aprovado, sobre a vida do País.

Assim também, Sr. Presidente, a questão do Mercosul, intimamente ligada à decisão da Alca.

A decisão da Alca liquidaria, de forma definitiva, o projeto do Mercosul. É impossível continuar pensando na viabilidade, na possibilidade de desenvolvimento do Mercosul, se o Brasil e as demais nações da América do Sul caminharem logo em direção à Alca; estará definitivamente sepultado o projeto, que tanta expectativa, que tanta esperança gerou, de fortificação de uma economia a partir do Cone Sul, abrangendo toda a América do Sul, formando um bloco econômico de grande expressão mundial e que tivesse capacidade de negociar, quase de igual para igual, com os demais blocos econômicos, que já são realidade no mundo de hoje.

É obvio que a questão do Mercosul está imbricada de forma indelével, de forma indestrutível com a questão da Alca. A própria existência do Mercosul, hoje, está ligada à capacidade de a Argentina superar sua crise. A existência da Alca e do Mercosul estão a exigir, por parte do Brasil, a decisão de ajudar ou não mais efetivamente a Argentina a superar sua crise. Até agora, o Governo brasileiro tem feito declarações que demonstram sua disposição de ajudar - e tem dado, sim, uma ajuda ou outra à Argentina, no comércio entre os países. Mas está longe de usar todos os instrumentos ao seu dispor para, realmente, abrir o mercado brasileiro a uma recuperação das exportações argentinas capaz de revitalizar a economia daquele país e pensar em um projeto de moeda comum, a fim de retirar do Governo argentino, da Nação argentina toda e qualquer possibilidade de enveredar pelo caminho da dolarização, o que, aí sim, seria o sepultamento do Mercosul. A Argentina cairia na área do Nafta, do dólar de maneira definitiva. As questões da Alca, Mercosul e Argentina estão a merecer do Senado da República uma atenção mais freqüente, permanente e profunda.

            Verifico, com regozijo, que isso começa a acontecer e acho que é um dado importante, mas há outras questões cruciais ligadas ao nosso comércio exterior, à nossa relação com outras nações, que eu gostaria de me referir aqui. Por exemplo, a implantação do novo sistema de televisão no Brasil, a tevê digital, está sendo negociada, neste momento, sem que nós, Senadores e -- acredito -- Deputados, tenhamos a menor possibilidade de intervenção e análise um pouco mais aprofundada para emitirmos nossa opinião. Não podemos ficar omissos em assunto tão importante, porque o mercado brasileiro tem uma dimensão suficientemente grande para ser utilizado como instrumento, sim, de barganha econômica e política na hora de se tomar uma decisão como essa, que, aliás, a meu juízo, não deve ser precipitada, porque a precipitação nesses avanços tecnológicos freqüentemente dá resultados muito negativos.

            Todo o campo das empresas de tevê a cabo, de tevê por assinatura avaliaram erroneamente o mercado brasileiro e enveredaram por investimentos astronômicos que levaram-nas todas a situações difíceis sob o ponto de vista financeiro e econômico. Portanto, o aspecto político da escolha do sistema próximo - porque essa decisão é política também, e, diria mais, talvez seja mais política do que econômica - precisa ser abordado e discutido pelos Senadores do Brasil.

            Assim também a Petrobras, por exemplo, está a fazer, agora, licitações das áreas remanescentes. Será a maior licitação, de 54 novas áreas promissoras, na produção de petróleo. E, na verdade, o Senado Federal não tem discutido a questão do futuro do petróleo na economia brasileira e na economia mundial.

Estudos recentes apareceram na imprensa dando conta de que, a partir de 2010, será inevitável um crescimento muito grande dos preços do petróleo, no mercado mundial - o que já começa a ocorrer desde logo -, o que nos levaria a pensar que seria muito mais prudente reservar certas áreas, depois de atingida a auto-suficiência brasileira de consumo e produção, o que será atingido com as descobertas já feitas pela Petrobrás, e reservar com um pouco mais de cautela às áreas remanescentes e promissoras para um futuro, que por enquanto não está decidido, não está ao alcance de uma previsão com um mínimo de precisão que se possa fazer.

É questão de cautela. É questão de prudência. A virtude política primeira é a prudência. A medida de prudência manda a ANP reservar essas áreas remanescentes e não licitá-las agora para apresentar trabalho ou serviço, como se estivesse perseguindo a auto-suficiência do País. Não! Está perseguindo, agora, uma possibilidade de exportação, porque o petróleo descoberto por empresas estrangeiras que venham ganhar licitações - e elas têm vencido muitas - será exportado a preços do mercado internacional. Por conseguinte, a prudência manda se fazer um mínimo de reservas.

Assim também nas compras da Petrobras. No passado, a Petrobras foi um instrumento poderosíssimo de alavancagem da economia brasileira, fazendo encomendas à indústria nacional. Agora, a Petrobras está a comprar três plataformas: a P-50, a P-51 e a P-52. Pelo que sabemos, a encomenda será decidida pelo menor preço, quando se poderia estabelecer como política, como item que pesasse na decisão da concorrência, o percentual de encomendas colocadas no Brasil, o percentual de aquisições feitas no País, para estimular a indústria nacional e, enfim, fazer reviver, por exemplo, as indústrias de construção naval que estão, no meu Estado, em posição de ociosidade muito grande.

Portanto, Sr. Presidente, trata-se de decisões iminentes que serão tomadas pelo Poder Executivo, as quais são extremamente importantes para a economia do País, para a vida do povo brasileiro e para o nível de emprego dos trabalhadores brasileiros e que deveriam ter uma participação mais efetiva do Senado.

Como talvez o principal desses itens todos que mencionei aqui, Sr. Presidente, eu queria me referir a essa grande operação de compra, de aquisição internacional dos aviões para a renovação da Força Aérea Brasileira. Uma operação que orça pela casa dos US$700 milhões e que pode ser decisiva para o Brasil na aquisição de uma tecnologia de indústria aeronáutica. E não somente desta, mas de uma série de indústrias de componentes da indústria da fabricação de aviões. E o Brasil, que já é o 4º produtor internacional de aviões, pode se transformar, sim, em uma potência, de igual para igual com os maiores produtores. É uma oportunidade de ouro para o desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira. É uma operação que pode ser utilizada também para a aquisição de tecnologias paralelas, como, por exemplo, a de propulsão de foguetes capazes de colocar satélites em órbita, algo que o Brasil vem tentando há algum tempo sem obter êxito. A partir dessa operação, pode-se adquirir o conhecimento dessa tecnologia. Desde que isso conste dos compromissos do fornecimento desses aviões, será possível ao Brasil adquirir essa tecnologia tão importante para o desenvolvimento das comunicações do mundo de hoje.

Essa operação é essencial. E o que tem de mais importante é a garantia da transferência de tecnologia. Sr. Presidente, sinceramente, tenho receio das pressões que já estão sendo feitas. Não tenho receio da decisão no que couber à Força Aérea Brasileira - FAB. Acredito que o comando da nossa Força Aérea, absolutamente convencido, correto e certo de que o principal é a transferência de tecnologia, colocará esse item como imprescindível à conclusão de qualquer negociação.

Os proponentes que não aceitarem e não se comprometerem firmemente com a transferência de tecnologia e a fabricação no Brasil não serão aceitos, pelo menos, na perspectiva e na visão da Força Aérea Brasileira. Porém, Sr. Presidente, essa decisão é política. Ela não é econômica, não é tomada com as contas feitas no papel, mas com consideração de natureza política e de longo prazo. Na tomada dessa decisão, é preciso que haja estadista. Essa é uma decisão de estadista; não é de oportunistas.

Recordo-me do caso Sivam: tudo parecia inclinado a uma determinada decisão, mas, por pressões de cuja natureza não temos conhecimento verdadeiro, foi tomada uma outra decisão. Essa é a realidade. São pressões de Estado para Estado, subterrâneas, ou seja, não são transparentes, mas que têm um peso muito grande na decisão. Tenho receio. Estou aqui a suscitar este assunto perante o Senado Federal, manifestando o meu receio, repito, de que a decisão correta que será certamente indicada pelo Comando da Força Aérea possa ser colocada de lado em função de pressões políticas e comerciais que pode haver, com base na oferta de certa frouxidão e de certa abertura comercial para colocar produtos brasileiros. Naturalmente, os brasileiros que fabricam esses produtos gritarão a favor dessa solução: “Ah, vamos exportar mais sapatos, vamos exportar mais suco de laranja, mais isso e aquilo”. Aí, compõe-se a pressão nacional com a internacional, toma-se uma decisão que tira do Brasil a capacidade de dominar tecnologias de importância transcendental e definitiva para todo e qualquer projeto de desenvolvimento econômico e social do País.

Essas pressões estão presentes de Estado para Estado. Tenho também o receio - penso que tenho o direito e o dever de apresentar essa preocupação - de que até o FMI esteja exercendo essa pressão. Tive notícias - evidentemente, não tenho confirmação e, por isso, não tenho o direito de mencionar as fontes - de que esse mesmo FMI, que, no dia seguinte ao golpe da Venezuela, estava em Caracas a oferecer os seus préstimos para consolidar o Governo golpista, que está fazendo todo tipo de manobra para levar a crise argentina até a derrubada completa da economia daquele país, que hoje tem uma posição política em favor da potência imperial do mundo e que vive a assediar as economias das nações que esboçam algum tipo de projeto nacional que não seja submetido ao consenso de Washington, está a exercer pressões, oferecendo oportunidades e favorecimentos ao Brasil, caso o País não venha a tomar decisões que contrariem o projeto de Washington.

De forma, Sr. Presidente, que é importante que o Senado se dedique e ocupe-se dessas questões. É importante que a opinião pública seja claramente informada, que haja transparência mínima nessas resoluções, muitas vezes tomadas pelas chamadas razões de Estado, que é um eufemismo para encobrir decisões clandestinas, que não podem ser correta, adequada ou democraticamente informadas à população. Trata-se de questões iminentes, como a compra dos aviões que está para ser resolvida dentro das próximas semanas sem que o Senado tenha, até agora, tido a possibilidade e tomar conhecimento das propostas, do significado delas, do que representa para o destino da economia do País.

Sr. Presidente, é preciso que nós, Senadores, sejamos capazes de corrigir e estarmos mais presentes nessas decisões, que, como já disse, vão influir no destino da nação brasileira, no seu futuro próximo e remoto, às vezes de forma definitiva, indestrutível, conforme o caminho que se tome. A questão da compra dos aviões da FAB é uma dessas decisivas, e não podemos ficar ignorantes de tudo o que está se passando no âmbito das pressões e dos fatores que influenciarão essa decisão tão importante.

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2002 - Página 10226