Pronunciamento de Roberto Saturnino em 03/06/2002
Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal
Considerações sobre os avanços nas relações econômicas internacionais do Brasil e a necessidade de realização de plebiscito para ingresso na Alca.
- Autor
- Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Roberto Saturnino Braga
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA EXTERNA.
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- Considerações sobre os avanços nas relações econômicas internacionais do Brasil e a necessidade de realização de plebiscito para ingresso na Alca.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/06/2002 - Página 10226
- Assunto
- Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, SENADO, INFLUENCIA, POLITICA EXTERNA, CONTRIBUIÇÃO, FUTURO, BRASIL.
- REPUDIO, PARTICIPAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), AUMENTO, SUBORDINAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EXTINÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DEFESA, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, DECISÃO, INGRESSO, ACORDO INTERNACIONAL.
- ANALISE, NECESSIDADE, BRASIL, AUXILIO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, RECUPERAÇÃO, ECONOMIA, BENEFICIO, CONTINUAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
- DEFESA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, SENADO, ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, REFERENCIA, SISTEMA, TELEVISÃO, NEGOCIAÇÃO, TELEVISÃO VIA CABO, CRITICA, AUSENCIA, DISCUSSÃO, LICITAÇÃO, AREA REMANESCENTE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), NECESSIDADE, RESERVA, POSTERIORIDADE, POSSIBILIDADE, CRESCIMENTO, PREÇO, PETROLEO.
- NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, SENADO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, AQUISIÇÃO, AERONAVE, RENOVAÇÃO, FORÇA AEREA BRASILEIRA (FAB), CRITICA, ATUAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), DEFESA, INTERESSE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUSENCIA, TRANSFERENCIA, TECNOLOGIA, BRASIL.
| SENADO FEDERAL SF -
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O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é com satisfação que temos observado que, passo a passo, o Senado vai se dedicando com mais atenção a questões e problema ligados à área internacional, às relações comerciais, econômicas, do Brasil com exterior. Isso é muito importante, porque a tradição brasileira é de um certo isolamento do Executivo, especificamente do Itamaraty, na decisão dessas questões, que, muitas vezes, afetam o destino do País, o futuro próximo e remoto da vida nacional.
Por exemplo, tivemos aqui, no final da semana passada, um discurso brilhante, profundo, do Senador Roberto Requião, abordando a Alca, o protecionismo de um modo geral, com apartes de vários Senadores, trazendo questionamentos. Foi um momento importante, assim como hoje, em que tivemos o discurso do Senador Iris Rezende, abordando, com profundidade, a forma como a economia brasileira, especialmente a agricultura, vem sendo afetada negativamente pelas medidas protecionistas dos Estados Unidos da América e da Europa, das potências econômicas do mundo.
De forma que é importante que se crie nesta Casa o hábito de se discutir com freqüência essas questões, especialmente quando a Nação brasileira está na iminência de tomar decisões cruciais, que afetarão de forma profunda a vida econômica e, em alguns casos, o próprio destino da Nação brasileira, como é o caso, por exemplo, da Alca. A meu juízo, a formação da Área de Livre Comércio das Américas é algo que não se coloca no âmbito de um acordo internacional comum, como outros tantos que o Executivo brasileiro assina e o Congresso Nacional depois referenda. A Área de Livre Comércio das Américas é uma medida, uma decisão que afetaria drástica e profundamente o futuro do País, na medida em que conformaria a nossa economia a uma posição absolutamente subsidiária da grande potência econômica, onde a produtividade é muito mais elevada do que a nossa, e nos faria sempre produtores de bens e serviços de pouca agregação de ciência e tecnologia e de mão-de-obra qualificada, subordinando-nos a uma posição para sempre caudatária do progresso científico e tecnológico da nação líder.
Portanto, é uma decisão que tem de ser profundamente meditada, discutida, quase que diariamente nesta e na outra Casa do Congresso Nacional. Esse assunto deveria até ser submetido a um plebiscito nacional, a fim de que a população se pronunciasse sobre um acordo de tanta importância, que tantos efeitos profundos, permanentes e duradouros teria, se aprovado, sobre a vida do País.
Assim também, Sr. Presidente, a questão do Mercosul, intimamente ligada à decisão da Alca.
A decisão da Alca liquidaria, de forma definitiva, o projeto do Mercosul. É impossível continuar pensando na viabilidade, na possibilidade de desenvolvimento do Mercosul, se o Brasil e as demais nações da América do Sul caminharem logo em direção à Alca; estará definitivamente sepultado o projeto, que tanta expectativa, que tanta esperança gerou, de fortificação de uma economia a partir do Cone Sul, abrangendo toda a América do Sul, formando um bloco econômico de grande expressão mundial e que tivesse capacidade de negociar, quase de igual para igual, com os demais blocos econômicos, que já são realidade no mundo de hoje.
É obvio que a questão do Mercosul está imbricada de forma indelével, de forma indestrutível com a questão da Alca. A própria existência do Mercosul, hoje, está ligada à capacidade de a Argentina superar sua crise. A existência da Alca e do Mercosul estão a exigir, por parte do Brasil, a decisão de ajudar ou não mais efetivamente a Argentina a superar sua crise. Até agora, o Governo brasileiro tem feito declarações que demonstram sua disposição de ajudar - e tem dado, sim, uma ajuda ou outra à Argentina, no comércio entre os países. Mas está longe de usar todos os instrumentos ao seu dispor para, realmente, abrir o mercado brasileiro a uma recuperação das exportações argentinas capaz de revitalizar a economia daquele país e pensar em um projeto de moeda comum, a fim de retirar do Governo argentino, da Nação argentina toda e qualquer possibilidade de enveredar pelo caminho da dolarização, o que, aí sim, seria o sepultamento do Mercosul. A Argentina cairia na área do Nafta, do dólar de maneira definitiva. As questões da Alca, Mercosul e Argentina estão a merecer do Senado da República uma atenção mais freqüente, permanente e profunda.
Verifico, com regozijo, que isso começa a acontecer e acho que é um dado importante, mas há outras questões cruciais ligadas ao nosso comércio exterior, à nossa relação com outras nações, que eu gostaria de me referir aqui. Por exemplo, a implantação do novo sistema de televisão no Brasil, a tevê digital, está sendo negociada, neste momento, sem que nós, Senadores e -- acredito -- Deputados, tenhamos a menor possibilidade de intervenção e análise um pouco mais aprofundada para emitirmos nossa opinião. Não podemos ficar omissos em assunto tão importante, porque o mercado brasileiro tem uma dimensão suficientemente grande para ser utilizado como instrumento, sim, de barganha econômica e política na hora de se tomar uma decisão como essa, que, aliás, a meu juízo, não deve ser precipitada, porque a precipitação nesses avanços tecnológicos freqüentemente dá resultados muito negativos.
Todo o campo das empresas de tevê a cabo, de tevê por assinatura avaliaram erroneamente o mercado brasileiro e enveredaram por investimentos astronômicos que levaram-nas todas a situações difíceis sob o ponto de vista financeiro e econômico. Portanto, o aspecto político da escolha do sistema próximo - porque essa decisão é política também, e, diria mais, talvez seja mais política do que econômica - precisa ser abordado e discutido pelos Senadores do Brasil.
Assim também a Petrobras, por exemplo, está a fazer, agora, licitações das áreas remanescentes. Será a maior licitação, de 54 novas áreas promissoras, na produção de petróleo. E, na verdade, o Senado Federal não tem discutido a questão do futuro do petróleo na economia brasileira e na economia mundial.
Estudos recentes apareceram na imprensa dando conta de que, a partir de 2010, será inevitável um crescimento muito grande dos preços do petróleo, no mercado mundial - o que já começa a ocorrer desde logo -, o que nos levaria a pensar que seria muito mais prudente reservar certas áreas, depois de atingida a auto-suficiência brasileira de consumo e produção, o que será atingido com as descobertas já feitas pela Petrobrás, e reservar com um pouco mais de cautela às áreas remanescentes e promissoras para um futuro, que por enquanto não está decidido, não está ao alcance de uma previsão com um mínimo de precisão que se possa fazer.
É questão de cautela. É questão de prudência. A virtude política primeira é a prudência. A medida de prudência manda a ANP reservar essas áreas remanescentes e não licitá-las agora para apresentar trabalho ou serviço, como se estivesse perseguindo a auto-suficiência do País. Não! Está perseguindo, agora, uma possibilidade de exportação, porque o petróleo descoberto por empresas estrangeiras que venham ganhar licitações - e elas têm vencido muitas - será exportado a preços do mercado internacional. Por conseguinte, a prudência manda se fazer um mínimo de reservas.
Assim também nas compras da Petrobras. No passado, a Petrobras foi um instrumento poderosíssimo de alavancagem da economia brasileira, fazendo encomendas à indústria nacional. Agora, a Petrobras está a comprar três plataformas: a P-50, a P-51 e a P-52. Pelo que sabemos, a encomenda será decidida pelo menor preço, quando se poderia estabelecer como política, como item que pesasse na decisão da concorrência, o percentual de encomendas colocadas no Brasil, o percentual de aquisições feitas no País, para estimular a indústria nacional e, enfim, fazer reviver, por exemplo, as indústrias de construção naval que estão, no meu Estado, em posição de ociosidade muito grande.
Portanto, Sr. Presidente, trata-se de decisões iminentes que serão tomadas pelo Poder Executivo, as quais são extremamente importantes para a economia do País, para a vida do povo brasileiro e para o nível de emprego dos trabalhadores brasileiros e que deveriam ter uma participação mais efetiva do Senado.
Como talvez o principal desses itens todos que mencionei aqui, Sr. Presidente, eu queria me referir a essa grande operação de compra, de aquisição internacional dos aviões para a renovação da Força Aérea Brasileira. Uma operação que orça pela casa dos US$700 milhões e que pode ser decisiva para o Brasil na aquisição de uma tecnologia de indústria aeronáutica. E não somente desta, mas de uma série de indústrias de componentes da indústria da fabricação de aviões. E o Brasil, que já é o 4º produtor internacional de aviões, pode se transformar, sim, em uma potência, de igual para igual com os maiores produtores. É uma oportunidade de ouro para o desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira. É uma operação que pode ser utilizada também para a aquisição de tecnologias paralelas, como, por exemplo, a de propulsão de foguetes capazes de colocar satélites em órbita, algo que o Brasil vem tentando há algum tempo sem obter êxito. A partir dessa operação, pode-se adquirir o conhecimento dessa tecnologia. Desde que isso conste dos compromissos do fornecimento desses aviões, será possível ao Brasil adquirir essa tecnologia tão importante para o desenvolvimento das comunicações do mundo de hoje.
Essa operação é essencial. E o que tem de mais importante é a garantia da transferência de tecnologia. Sr. Presidente, sinceramente, tenho receio das pressões que já estão sendo feitas. Não tenho receio da decisão no que couber à Força Aérea Brasileira - FAB. Acredito que o comando da nossa Força Aérea, absolutamente convencido, correto e certo de que o principal é a transferência de tecnologia, colocará esse item como imprescindível à conclusão de qualquer negociação.
Os proponentes que não aceitarem e não se comprometerem firmemente com a transferência de tecnologia e a fabricação no Brasil não serão aceitos, pelo menos, na perspectiva e na visão da Força Aérea Brasileira. Porém, Sr. Presidente, essa decisão é política. Ela não é econômica, não é tomada com as contas feitas no papel, mas com consideração de natureza política e de longo prazo. Na tomada dessa decisão, é preciso que haja estadista. Essa é uma decisão de estadista; não é de oportunistas.
Recordo-me do caso Sivam: tudo parecia inclinado a uma determinada decisão, mas, por pressões de cuja natureza não temos conhecimento verdadeiro, foi tomada uma outra decisão. Essa é a realidade. São pressões de Estado para Estado, subterrâneas, ou seja, não são transparentes, mas que têm um peso muito grande na decisão. Tenho receio. Estou aqui a suscitar este assunto perante o Senado Federal, manifestando o meu receio, repito, de que a decisão correta que será certamente indicada pelo Comando da Força Aérea possa ser colocada de lado em função de pressões políticas e comerciais que pode haver, com base na oferta de certa frouxidão e de certa abertura comercial para colocar produtos brasileiros. Naturalmente, os brasileiros que fabricam esses produtos gritarão a favor dessa solução: “Ah, vamos exportar mais sapatos, vamos exportar mais suco de laranja, mais isso e aquilo”. Aí, compõe-se a pressão nacional com a internacional, toma-se uma decisão que tira do Brasil a capacidade de dominar tecnologias de importância transcendental e definitiva para todo e qualquer projeto de desenvolvimento econômico e social do País.
Essas pressões estão presentes de Estado para Estado. Tenho também o receio - penso que tenho o direito e o dever de apresentar essa preocupação - de que até o FMI esteja exercendo essa pressão. Tive notícias - evidentemente, não tenho confirmação e, por isso, não tenho o direito de mencionar as fontes - de que esse mesmo FMI, que, no dia seguinte ao golpe da Venezuela, estava em Caracas a oferecer os seus préstimos para consolidar o Governo golpista, que está fazendo todo tipo de manobra para levar a crise argentina até a derrubada completa da economia daquele país, que hoje tem uma posição política em favor da potência imperial do mundo e que vive a assediar as economias das nações que esboçam algum tipo de projeto nacional que não seja submetido ao consenso de Washington, está a exercer pressões, oferecendo oportunidades e favorecimentos ao Brasil, caso o País não venha a tomar decisões que contrariem o projeto de Washington.
De forma, Sr. Presidente, que é importante que o Senado se dedique e ocupe-se dessas questões. É importante que a opinião pública seja claramente informada, que haja transparência mínima nessas resoluções, muitas vezes tomadas pelas chamadas razões de Estado, que é um eufemismo para encobrir decisões clandestinas, que não podem ser correta, adequada ou democraticamente informadas à população. Trata-se de questões iminentes, como a compra dos aviões que está para ser resolvida dentro das próximas semanas sem que o Senado tenha, até agora, tido a possibilidade e tomar conhecimento das propostas, do significado delas, do que representa para o destino da economia do País.
Sr. Presidente, é preciso que nós, Senadores, sejamos capazes de corrigir e estarmos mais presentes nessas decisões, que, como já disse, vão influir no destino da nação brasileira, no seu futuro próximo e remoto, às vezes de forma definitiva, indestrutível, conforme o caminho que se tome. A questão da compra dos aviões da FAB é uma dessas decisivas, e não podemos ficar ignorantes de tudo o que está se passando no âmbito das pressões e dos fatores que influenciarão essa decisão tão importante.
Era o que tinha a dizer.
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