Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Comentários à publicação O Compêndio para Legisladores sobre HIV/Aids, das Edições Unesco, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, de 2000.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários à publicação O Compêndio para Legisladores sobre HIV/Aids, das Edições Unesco, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, de 2000.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2002 - Página 10254
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, LIVRO, APOIO, LEGISLATIVO, INFORMAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), EDIÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO).
  • ELOGIO, PUBLICAÇÃO, LIVRO, PROPOSTA, LEGISLATIVO, CRIAÇÃO, GARANTIA, EDUCAÇÃO, SEXO, ENSINO FUNDAMENTAL, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, REDUÇÃO, DANOS, UTILIZAÇÃO, DROGA, ELIMINAÇÃO, TRIBUTOS, PRODUÇÃO, VENDA, PRESERVATIVO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, DIREITOS, DOENTE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o Compêndio para Legisladores sobre HIV/Aids, Legislação e Direitos Humanos é uma publicação das Edições Unesco, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), datada de 2000, e consiste em uma tradução para o português do Handbook for Legislators on HIV/AIDS, Law and Human Rights, de autoria do Programa Conjunto da Organização das Nações Unidas de Combate ao HIV/Aids (Unaids) e da Inter-Parlamentary Union (IPU), e conta com o apoio da Coordenação Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde.

Ela objetiva ser um instrumento à disposição dos legisladores para facilitar-lhes a atuação “em prol da consolidação dos direitos humanos” [Introdução. Objetivos deste Compêndio. p. 12] e proporcionar subsídios a parlamentares para que possam “promulgar (sic) e consolidar legislações eficazes na luta contra a epidemia” [Prefácio, p. 9].

Traz, ainda, exemplos das melhores práticas legislativas e regulamentares vigentes em todo o mundo e um conjunto de listas de verificação em apoio à revisão da legislação em matéria de saúde pública, direito penal, medidas antidiscriminatórias e protetoras e regulamentação de bens, serviços e informação.

Na apresentação da edição em língua portuguesa [p. 7], o Coordenador Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde, e o Presidente do Grupo Temático do Unaids no Brasil, reconhecendo a “posição estratégica que os parlamentares ocupam na garantia do respeito aos direitos humanos de todos aqueles cidadãos que vivem, direta ou indiretamente, com HIV/aids”, manifestam a esperança de que o Compêndio possa:

·     “aprofundar a reflexão e a discussão sobre o lugar da aids nas legislações nacionais dos países de língua portuguesa”;

·     constituir um “primeiro passo em direção à aglutinação e disseminação de informações e experiências de excelência no combate à aids, a partir das estruturas legislativas, sejam elas nacionais, estaduais ou locais”;

·     oferecer parâmetros objetivos que possam guiar a atividade parlamentar no contexto da aids no Brasil” (sic).

Os autores reconhecem que, por mais importante que seja, “a legislação é apenas uma das ferramentas a serviço da contenção da epidemia” [Introdução. Objetivos deste Compêndio. p. 12]. Assim sendo, as proposições que elaboram para os parlamentares não se restringem à esfera de sua atuação legislativa, sugerindo-lhes que:

·     como líderes políticos, influenciem a opinião pública para aumentar o conhecimento público sobre questões relevantes;

·     como legisladores, proponham e aprovem leis que favoreçam o controle da epidemia e promovam a proteção dos direitos humanos;

·     como representantes de interesses, mobilizem o governo, o setor privado e a sociedade civil no sentido de gerar um sentimento de co-responsabilidade para com o controle do HIV e a promoção dos direitos humanos dos afetados; e

·     como mobilizadores de recursos, aloquem recursos financeiros para apoiar e incrementar programas sobre HIV e aids. [Questões para parlamentares. p. 14-15].

            Considerando, como pressupostos, o reconhecimento:

·     da vulnerabilidade de toda a sociedade ao HIV e, em especial, a das populações estigmatizadas ou sem poder, tais como mulheres, crianças, homens homossexuais, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo; e

·     de que a falta de proteção dos direitos humanos favorece a epidemia em pelo menos três formas diferentes: a discriminação aumenta seu impacto sobre as pessoas atingidas; o desrespeito aos direitos sociais, econômicos e culturais torna as pessoas mais vulneráveis; e a ausência de direitos civis e políticos e a restrição à liberdade de expressão e de associação impedem uma resposta eficaz da sociedade, o Compêndio sugere que leis e políticas públicas sejam propostas, implementadas e apoiadas no sentido de assegurar:

·     a não-discriminação e a igualdade perante a lei das pessoas vivendo com aids em relação a trabalho, moradia, seguridade social, viagens etc.;

·     o acesso igualitário e adequado aos meios de prevenção e tratamento, em especial para populações mais vulneráveis tais como mulheres e crianças e grupos com status social e legal inferior;

·     o acesso à educação e à informação, com respeito às necessidades de linguagem e cultura das minorias;

·     a privacidade, em especial a proibição de testes compulsórios e a garantia de confidencialidade de resultados;

·     a liberdade contra tratamento ou punição desumanos ou degradantes, como o isolamento compulsório de infectados e doentes;

·     o compartilhamento do conhecimento científico e tecnológico e de seus benefícios, com destaque para o acesso a novos tratamentos e novos processos para diagnóstico e triagem de sangue;

·     a liberdade de expressão e de associação;

·     o acesso à vida política e cultural;

·     o direito a casar-se e constituir família.

É sugerida aos poderes legislativos nacionais uma atuação com base em “três abordagens amplas e interligadas entre si”, com vistas:

·     à melhoria das respostas governamentais em termos de responsabilidade multissetorial e capacidade de entendimento ético-jurídico dos processos”;

·     à reforma da legislação, enfocando temas como discriminação, proteção da saúde pública, privacidade, direito penal e melhoria do status legal de mulheres, crianças e grupos marginalizados;

·     ao apoio à participação do setor privado e das comunidades na resposta à epidemia. [Diretrizes Internacionais Comentadas. p. 23]

Como exemplo de iniciativas para apoiar a atuação dos parlamentos no combate à aids, o Compêndio relata:

·     a criação e funcionamento de “comitês parlamentares ou legislativos sobre HIV/aids”, de caráter multipartidário, na qualidade de foros permanentes de estudo e proposição, com vistas à melhoria da legislação vigente, a exemplo dos bem- sucedidos grupos criados na Grã-Bretanha e na Austrália; [p.25]

·     a criação e funcionamento de “órgãos consultivos multissetoriais” nos parlamentos, com o objetivo de tratar de “questões legais e éticas durante o processo de revisão e reforma legislativa”, a exemplo dos que funcionam no Canadá, na África do Sul, na Austrália, na Malásia, na Alemanha, no Quênia, no Malawi e nas Filipinas. [p.27]

Entre as leis mais necessárias, o Compêndio cita, com destaque, aquelas tendentes a criar/apoiar/garantir:

·     educação sexual nas escolas;

·     programas de redução de danos decorrentes do uso de drogas; e

·     eliminação/redução da carga tributária sobre a produção e a venda de preservativos. [Exemplos de iniciativas regionais e nacionais. p. 15].

            Merecem destaque na publicação, a “Revisão, Reforma e Serviços de Apoio à Legislação”. [p. 30-87]. Nesse capítulo, são analisadas, com base na experiência internacional, as “áreas de legislação” “mais suscetíveis a questões de direitos humanos”. São elas:

·     a legislação de saúde pública;

·     as leis criminais e sistemas corretivos;

·     as leis protetoras e antidiscriminatórias;

·     a legislação trabalhista; e

·     a regulamentação de bens, serviços e informações.

            Um conjunto de listas de verificação é oferecido em apoio à identificação de “áreas que requerem reforma legislativa”, em relação a cada uma das matérias citadas.

Em relação à legislação de saúde pública, é destacada a necessidade de legislar sobre testes voluntários e consentimento informado; notificação de casos e de parceiros; detenção, isolamento e quarentena; segurança sangüínea e controle da infecção.

Em relação às leis criminais e sistemas corretivos, o Compêndio sugere que sejam revisadas as leis que tratam dos crimes de transmissão e exposição; dos projetos de troca de seringas e agulhas; da atividade sexual; do trabalho sexual ou prostituição e das prisões.

Leis antidiscriminatórias devem ser promulgadas ou fortalecidas não só para proteger grupos vulneráveis, pessoas vivendo com HIV/aids e pessoas prejudicadas em decorrência da discriminação, como também para assegurar privacidade, confidencialidade e ética nas pesquisas, promover a educação e a conciliação, e soluções jurídicas civis e administrativas eficazes e rápidas.

A legislação trabalhista também deve ser objeto de análise e revisão para que trabalhadores infectados e doentes não estejam sujeitos à discriminação e para que medidas de prevenção estejam disponíveis.

Em relação à regulamentação de bens, serviços e informações, a legislação deveria cuidar de kits de testes, preservativos e tratamentos; do direito à educação e à informação, e do direito à liberdade de expressão e associação.

Ainda que dirigido a parlamentares, o Compêndio trata, sem distinção, de regulamentos e necessidades de regulamentação que são e que não são competências do Poder Legislativo. Em nosso meio, por exemplo, boa parte das normas e das políticas públicas a que se refere são de iniciativa do Poder Executivo e não do Legislativo, e o controle da sua implementação e cumprimento são de responsabilidade do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Da mesma forma, é limitado o poder dos parlamentos para obter - pelo menos com a intensidade e a presteza desejáveis - o cumprimento da legislação, sua implementação e do acesso à Justiça.

Não restam dúvidas, porém, de que o Compêndio é um instrumento prático de apoio à atividade parlamentar.

Em relação à implementação por parte do Legislativo Federal das sugestões nele contidas, temos de fazer os seguintes comentários:

1. Em relação às três grandes prioridades apontadas:

a) criar/apoiar/garantir educação sexual nas escolas - A implantação dessa classe de ações é de inteira responsabilidade do Poder Executivo. Assim sendo, proposição legislativa que vise sua instituição é não só inconstitucional (Constituição Federal, art. 61, II, ‘e’), como desnecessária, uma vez que programas de educação para a saúde com objetivo de prevenir as DST, a Aids e o uso indevido de drogas foram tornados obrigatórios por portaria do Ministro da Educação e encontram-se em execução, integrados aos planos pedagógicos de praticamente a totalidade das escolas de Ensino Básico das redes públicas e da maioria das redes privadas de ensino, em todas as unidades federadas.

A atuação do parlamentar, em relação à essa matéria, poderia se dar, isso sim, no âmbito de atribuições fiscalizadoras e parlamentares do Congresso, e também de alocação de recursos orçamentários suficientes destinados a tais programas, durante a apreciação e aprovação das leis orçamentárias anuais.

b) permitir a implementação de programas de redução de danos decorrentes do uso de drogas (troca de seringas) - A Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002, sobre entorpecentes, atribui ao Ministério da Saúde [art. 12, § 2º] a competência para “regulamentar as ações que visem à redução de danos sociais e à saúde [decorrentes do uso de drogas]”, tacitamente reconhecendo a legitimidade dessas ações. Como não fere a Lei de Entorpecentes, seu reconhecimento como legítimo constituía-se, até então, uma necessidade, pois interpretações equivocadas de autoridades policiais e judiciárias vinham limitando o desenvolvimento desse tipo de intervenção preventiva, e já mostra importante impacto para o controle da epidemia.

Cumpre destacar que tramitam, na Câmara dos Deputados, quatro projetos de lei dispondo sobre projetos de redução de danos dirigidos a usuários de drogas injetáveis1 como estratégia para a prevenção da aids, das hepatites e de outras doenças e conseqüências adversas do uso de drogas injetáveis.

c) eliminação/redução da carga tributária sobre a produção e a venda de preservativos - Três impostos incidem sobre preservativos no País: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e, no caso de importação, o Imposto de Importação (II). No caso das camisinhas fabricadas e vendidas no Brasil, as alíquotas do IPI e do ICMS foram zeradas, há mais de uma década. No caso de preservativos importados, incide 11,5% de II. Assim sendo, o objetivo aqui discutido já foi alcançado em nosso País, não se me afigurando como positiva proposição de redução do II, uma vez que a principal função desse imposto é a proteção da indústria nacional. No meu entender, reduzir ou retirar o imposto sobre a importação de preservativos criaria condição desfavorável ao desenvolvimento da indústria nacional que os produz, estimulando competição desigual e caminhando - a médio e longo prazo - em sentido contrário ao atingimento do objetivo de prover camisinhas em quantidade, preço e qualidade adequados a nossa população.

2. Em relação à revisão e reforma da legislação:

Um conjunto enorme de matérias é sugerido (por meio das listas de verificação), sendo que nem todas - como já foi mencionado - são de iniciativa ou envolvem competência regulamentadora do Poder Legislativo.

No âmbito da competência de iniciativa federal, nossa legislação já contempla a grande maioria dessas matérias. Ela pode ser aprimorada, evidentemente. Não identifico, no entanto, nenhum tópico prioritário, além dos acima destacados.


1 Projeto de Lei nº 1.279, de 1999, do Deputado Freire Júnior (PMDB), que “dispõe sobre o fornecimento de seringas e agulhas descartáveis e esterilizadas em centros e entidades de tratamento e recuperação de usuários de drogas credenciados”. Tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, após ter sido aprovado, com o PL 2.950/00 apensado (ver a seguir), na Comissão de Seguridade Social e Família, com substitutivo (07/11/01).

 Projeto de Lei nº 2.950, de 2000, do Deputado Henrique Fontana (PT), que “dispõe sobre as atividades de redução de danos entre usuários de drogas endovenosas, visando a prevenir e reduzir a transmissão de doenças e da síndrome da imunodeficiência adquirida - aids / sida - e dá outras providências”. Tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, apensado ao Projeto de Lei nº 1.279, de 1999.

 Projeto de Lei nº 4.898, de 2001, do Deputado Nelson Pellegrino (PT), que “altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a fim de inserir capítulo sobre atenção à saúde dos dependentes de droga”. Tramita na Comissão de Finanças e Tributação, após ter sido aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família (13/12/01) na forma de substitutivo.

 Projeto de Lei nº 5.996, de 2001, do Deputado Elias Murad (PSDB), que “dispõe sobre o fornecimento de seringas e agulhas descartáveis e esterilizadas em centros e entidades de tratamento e recuperação de usuários de drogas credenciados”. Aguardando despacho, após ter sido apresentado em plenário (19/12/01).



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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2002 - Página 10254