Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A RELEVANCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO PAIS, POR OCASIÃO DA COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA DA IMPRENSA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REFLEXÃO SOBRE A RELEVANCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO PAIS, POR OCASIÃO DA COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA DA IMPRENSA.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/2002 - Página 10429
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, IMPRENSA, RECONHECIMENTO, RELEVANCIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, RESTABELECIMENTO, DEMOCRACIA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o dia da Imprensa, que se comemora hoje, tem por objetivo maior suscitar uma reflexão menos superficial sobre a relevância dos meios de comunicação no processo de democratização dos países. No Brasil, não poderia vir em melhor hora uma reavaliação dos limites e dos exageros com os quais a imprensa tem conduzido sua ação na sociedade nacional nos últimos anos. Historicamente, nunca fomos tão premiados com tanta informação sobre os subterrâneos da esfera política, sem cujo conhecimento muito pouco de participação poder-se-ia esperar do cidadão comum. Por outro lado, nunca fomos tão covardemente bombardeados por calúnias e difamações dirigidas ao homem público brasileiro.

Com essas balizas analíticas no horizonte, vale a pena tecermos algumas considerações que não se intimidem em apreciar mais criticamente avanços e retrocessos da imprensa. Para iniciarmos, foi inegável a contribuição de determinados veículos de comunicação para o restabelecimento da democracia no Brasil, após os vinte anos de ditadura militar. Enquanto esteve subjugada aos mecanismos do regime, ainda assim, a imprensa chegou a prestar um serviço de irreparável relevância, driblando a censura com táticas bem-sucedidas de linguagem cifrada, com o propósito de denunciar publicamente práticas criminosas de repressão e de autoritarismo.

Quando da passagem do regime militar para a transição democrática, com a luta das Diretas-Já em 84, setores esclarecidos da imprensa não pouparam forças para encampar a iniciativa, a ponto de se tornarem centros estratégicos de mobilização popular. Graças ao empenho da Folha de S. Paulo, por exemplo, o Brasil inteiro pôde inteirar-se da proposição legislativa que pretendia restaurar o justo pleito das eleições diretas para a presidência da República. Embora não totalmente exitosa, a campanha das Diretas-Já adquiriu, à época, uma dimensão política tão vultosa, que não deixou dúvidas sobre as verdadeiras aspirações da população por liberdade. E o resultado não poderia ter sido outro senão a aceleração do processo de redemocratização do País, com a célebre consagração de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em 1984.

Não acidentalmente, o Brasil testemunhou, a partir daí - a segunda metade dos anos oitenta - uma explosão nada desprezível de publicações vinculadas ao universo da política e do direito. Nesse contexto, a imprensa brasileira acompanhou a marcha histórica, antecipando-se, às vezes, aos acontecimentos políticos e econômicos, prenunciando ora suas glórias, ora seus fracassos. Mesmo no ambiente mais conservador e reacionário da imprensa brasileira, a abertura política imprimiu-lhe novo ritmo editorial, reconfigurando parcerias, alianças e compromissos sociais. Por mais retrógradas que fossem, mesmo as mídias identificadas com o regime militar tiveram, de um modo ou de outro, de se enquadrar num novo regime de respeito à coisa pública, ao direito da sociedade à informação política. 

Naquele momento, com a retomada dos direitos civis e da liberdade de imprensa, as práticas políticas, no Brasil, seguiram um rumo indiscutivelmente menos despótico, revalidando o papel representativo, articulador e multifacetado das agremiações partidárias. Regularizados os partidos clandestinos, a imprensa brasileira teve de se adaptar aos novos tempos, redistribuindo seus espaços internos de acordo com o espectro da diversidade dos partidos políticos. Afinal de contas, os partidos representariam, em princípio, ideais e interesses defendidos pelos agrupamentos mais politicamente setorizados da sociedade. Para cada um desses setores, a imprensa, autenticamente imparcial, deveria reservar uma cobertura política não apenas isenta, mas também equânime na distribuição editorial.

Pelo menos essa deveria ter sido a conduta adotada pela mídia em geral. Todavia, nem sempre as expectativas da sociedade em relação as suas instituições são, com efeito, cumpridas. Isso, em parte, tem acontecido com a imprensa. Ao final dos anos oitenta, convém recordar, quando da primeira eleição aberta para a Presidência da República, a maior rede de comunicações do País foi pertinentemente acusada de favorecimento a determinado candidato, comprometendo, em grande medida, o posicionamento da imprensa como o ocupante do quarto poder da República. Em que pesem os desmentidos e as justificativas, a imagem da imprensa ficou sensivelmente arranhada, recuperando em boa parte sua credibilidade, três anos mais tarde, por ocasião do processo de destituição do mesmo candidato, então investido no cargo de Presidente.

De lá para cá, houve duas grandes eleições gerais, por meio das quais a imprensa brasileira aprendeu, com esforçada competência, a dispor de um comportamento mais analítico, mais responsável, menos passional. Acontece que isso, lamentavelmente, não parece ter sido suficiente para operar transformações radicais na mídia. Por vezes, ainda parece padecer do mal da bisbilhotice, da intriga, da má-fé, invalidando todo um aprendizado a duras penas conquistado. Isso tem-se refletido sobretudo agora, no instante em que o Brasil se prepara para a primeira disputa presidencial do milênio, e a mídia parece esquecer-se de requisitos mínimos de respeito ao leitor, seja ele eleitor, seja ele candidato. Não há fiml de semana em que as revistas e os jornais de circulação nacional não despejem nas bancas do País exemplares e mais exemplares de edições que privilegiam a infâmia, o disse-me-disse, o boato mais escrachado, em detrimento da informação precisa e verdadeira.

Desprovida, talvez, de um sistema interno de crítica, de ética e de avaliação de pautas, a imprensa brasileira tem incorrido em subseqüentes deslizes no que toca à qualidade das matérias produzidas, resvalando com freqüência assustadora para um sensacionalismo de mercado. Em vez de cumprir o necessário papel de divulgador dos fatos sociais relevantes para a formação crítica da consciência do cidadão democrata, reduz-se a mero reprodutor publicitário do entretenimento globalizado no País. Nada demais nisso - afirmariam uns -, mas há de convir que está por prevalecer um certo gosto pelo exagero, pelo escândalo, pelo consumo fácil, pelo destaque àquilo que nos é fútil, porém, comercialmente útil - com perdão do trocadilho.

Nesse sentido, no caso da mídia, a cidadania parece ter sido convertida num conjunto de consumidores, ficticiamente vocalizados por pesquisas de opinião pública, que empregam metodologia quantitativa, necessariamente redutora, e com pautas alheias aos reais interesses e necessidades dos leitores e dos espectadores. Se, de um lado, os meios de comunicação de massa se encontram majoritariamente sob a responsabilidade de empresas privadas cujas decisões atendem legitimamente aos desígnios de seus acionistas ou representantes, de outro, o produto jornalístico é, inquestionavelmente, um serviço público, com garantias e privilégios específicos previstos em vários artigos da Carta Magna, o que pressupõe imperiosas contrapartidas em matéria de deveres e de responsabilidades sociais.

Por isso mesmo, em recente seminário intitulado “Imprensa e Dano Moral” - promovido pela Escola da Magistratura do Distrito Federal e pela Associação Nacional de Jornais -, magistrados, juristas e jornalistas se reuniram com o propósito de debater o tema da liberdade de imprensa, da proteção à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. Dessa rica interação entre o Judiciário e a imprensa, extraiu-se uma série de recomendações ao exercício jornalístico, no meio das quais se destaca uma de extrema sabedoria, cujo conteúdo permito-me reproduzir agora: “Se ao direito à liberdade de imprensa, de informação jornalística se contrapõe o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, tem-se que este último limita o exercício do primeiro.”

Para concluir, Sr. Presidente, gostaria de esclarecer que, em absoluto, sou refratário ao exercício da liberdade de imprensa no Brasil. Pelo contrário, se hoje presto homenagem à mesma é porque sou um fiel seguidor dos preceitos democráticos de uma Nação, cujo funcionamento, com base no direito e na Lei, não pode prescindir, em hipótese alguma, da presença vigilante da imprensa, da mídia. Diante do exposto, ratifico o papel insubstituível dos meios de comunicação no processo de democratização do País, sem o qual jamais teríamos conquistado nível tão elevado de respeito às instituições do Estado de direito. Falhas há, mas nada que nos impeça de superá-las, com o tempo, com a democracia e com o empenho de todos.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/2002 - Página 10429