Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o modelo tecnológico de televisão digital a ser implantado no Brasil.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Considerações sobre o modelo tecnológico de televisão digital a ser implantado no Brasil.
Aparteantes
Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2002 - Página 10451
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, SISTEMA, TELECOMUNICAÇÃO, TELEVISÃO, MELHORIA, TRANSMISSÃO, IMAGEM VISUAL, POSSIBILIDADE, CONEXÃO, TELEFONE CELULAR, INTERNET.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL), ESCOLHA, MODELO, SISTEMA, TELEVISÃO, COMENTARIO, DIFERENÇA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), JAPÃO, EUROPA.
  • COMENTARIO, DIVERGENCIA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESCOLHA, SISTEMA, TELECOMUNICAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FINANCIAMENTO, SISTEMA, TELECOMUNICAÇÃO, AMPLIAÇÃO, POSSIBILIDADE, PARTICIPAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, INFERIORIDADE, PODER ECONOMICO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está prestes a ser implantado no Brasil um novo modelo de televisão. Utilizamos em nosso País o sistema analógico, que deverá ser substituído ainda neste ano ou no próximo, em decorrência de uma decisão do Governo, por intermédio da Anatel. Essa mudança do padrão de televisão no Brasil envolve uma luta acirrada entre os três sistemas hoje dominantes no mundo inteiro: o americano, o japonês e o europeu, mais de perto o sistema inglês.

Esses três sistemas estão disputando o mercado brasileiro, e os lobbies estão funcionando a todo vapor, porque a televisão digital, nesses próximos dez anos, propiciará negócios da ordem de US$100 bilhões.

Para que V. Exªs possam aquilatar a importância dessa mudança, os quatro canais principais de televisão do Brasil que participavam da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - Abert - se dividiram. A Record, a Bandeirantes e o SBT resolveram criar uma nova entidade, diferenciada da Rede Globo, sob a alegação de que esta emissora luta tenazmente pela implantação no Brasil do sistema japonês, que, possivelmente, não é o da preferência das demais.

O Governo terá de tomar uma decisão, que vai repercutir na geração de empregos, na mudança do modelo tecnológico da televisão no Brasil e no uso pelo consumidor dos serviços que serão prestados futuramente pela televisão digital. A meu ver, o Governo não deveria tomar essa decisão agora, mas deixá-la para o outro Governo, a partir do próximo ano, haja vista tratar-se de um negócio de US$100 bilhões. Isso não pode ser decidido assim, numa disputa acirrada entre poderosos da comunicação no Brasil. É preciso que o Governo aja com muita cautela e que a Anatel, antes dos procedimentos legais para as licitações, atente para esse fato político da mais alta magnitude.

Sabemos que a televisão digital vai melhorar a imagem dos aparelhos no Brasil, fazendo desaparecer os chuviscos e fantasmas, com som de CD. A televisão e a Internet poderão interagir, e também será possível sua conjugação aos celulares de terceira geração; ou seja, uma imagem de televisão será gerada também para os celulares de terceira geração, os 3G.

Ora, é uma mudança tecnológica revolucionária que vai acontecer no Brasil, e poucos estão atentando para a importância do fato. O Brasil, há muitos anos, está mergulhado no modelo PAL-M, sistema tipicamente brasileiro, já defasado, ultrapassado pelas novas tecnologias que surgiram.

Alguns dizem que o melhor é o modelo japonês, que consegue somar as qualidades dos modelos americano e europeu. Outros contestam, alegando que o sistema japonês ainda está em fase de experimentação no Japão, enquanto os demais já estão sendo utilizados a contento nos Estados Unidos e na Europa.

Não tomarei partido, porque não sou técnico no assunto. Estou apenas interessado em que o Brasil adote o melhor padrão para a nossa televisão.

Portanto, Sr. Presidente, minhas palavras neste instante visam a chamar a atenção do Governo para a importância da implementação no Brasil de um novo modelo de televisão, com a substituição do sistema analógico pelo digital, o que implica melhor qualidade e avanço nas comunicações do nosso País, que vai se igualar aos países do Primeiro Mundo. O Brasil terá uma televisão digital de boa qualidade, uma televisão digital informativa, porque poderemos usar amplamente a Internet e, como eu disse, o próprio telefone celular de terceira geração.

O avanço das telecomunicações, Sr. Presidente, tem sido um fenômeno extraordinário, de importância incalculável para a vida contemporânea. As tecnologias digitais, incorporadas aos meios de comunicação, têm contribuído enormemente para aumentar a velocidade da globalização, esse fenômeno contemporâneo que envolve todos os povos, gerando mais conforto, mais recursos, mais oportunidades e mais negócios.

Ainda que não esteja no mesmo patamar dos países ditos desenvolvidos, o Brasil participa ativamente da revolução digital, já tendo avançado bastante nos campos da telefonia, da Internet e da televisão a cabo. O País prepara-se, agora, para um novo salto e estuda a maneira pela qual ingressará no mundo da TV digital.

Há cerca de três anos, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estuda o assunto, preparando-se para decidir uma disputa que envolve três tecnologias de TV digital em luta pelo mercado brasileiro, com um potencial estimado de US$100 bilhões nos próximos dez anos.

Neste ponto, é fundamental lembrar que a televisão digital não é apenas uma televisão mais sofisticada, com som e imagem melhores. A plataforma digital, uma vez instalada, cria um modelo de negócio completamente diferente para a televisão, porque permite a prestação de uma série de outros serviços. Isso faz com que se tenha que redesenhar o modelo de negócio, recepcionando todas essas possíveis aplicações, como disse o ex-Presidente da Anatel, Renato Guerreiro.

Assim, o que parecia ser apenas uma opção por um formato tecnológico revelou-se uma mudança tremendamente mais importante. É que, além dos benefícios diretos da introdução desse padrão de televisão no Brasil, o Governo brasileiro percebeu que seria oportuno vincular esse avanço ao modelo de negócios de importância estratégica capaz de proporcionar ao País um bom número de vantagens econômicas, industriais, tecnológicas e comerciais, segundo o jornal O Estado de S. Paulo do último dia 26.

A decisão tornou-se, assim, bastante mais complexa. Para dar idéia do conjunto de fatores que a envolve, a Argentina já havia tomado a sua decisão, escolhendo o modelo americano. Mas, diante da possibilidade de os países do Mercosul tomarem uma outra decisão, a Argentina recuou e agora discute uma solução conjunta.

Assim, no mês de maio deste ano, os presidentes dos órgãos reguladores do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, mais representantes do Chile e da Bolívia, reuniram-se em Buenos Aires para conversar sobre os avanços de seus estudos a propósito dos padrões de TV digital e da terceira geração de telefonia móvel, ao qual a TV digital está estreitamente ligada.

A escolha deve acontecer sobre um dos três sistemas em análise: o ATSC, americano, lançado em 1998 e já utilizado por 28 estações de televisão em dez cidades dos Estados Unidos; o DVB, europeu, utilizado na Inglaterra e em implantação na Europa Continental; e o ISDB-T, japonês, que deve entrar em operação no Japão em 2003.

O processo de escolha não é simples. As principais redes de televisão brasileiras, por exemplo, não estão falando a mesma linguagem quando se trata de decisão sobre a implantação da TV digital no País, segundo a Folha de S.Paulo, de 4 de março passado. Esse desentendimento acabou levando à fragmentação da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), em março, com a saída das redes Record, Bandeirantes e SBT. Curioso é que nem mesmo as três dissidentes têm ainda consenso formado sobre o assunto, segundo a Folha.

A Abert e a Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET) vêm realizando testes com os três sistemas e são favoráveis ao sistema japonês. De acordo com a Folha de S.Paulo, a Bandeirantes desconfia que apenas os interesses da Globo estejam sendo levados em conta e não concorda com a pressão da concorrente por uma solução rápida, até por não ter os recursos necessários à aquisição dos equipamentos para a realização da transição de imediato.

Enquanto isso, americanos e europeus também trabalham pelos seus sistemas. Lutando pelo sistema europeu, estiveram em Brasília a Ministra do Comércio britânica, Baronesa Elizabeth Symons, e o Comissário de Comércio da União Européia, Pascal Lamy. Pela ATSC, americana, tem vindo ao Brasil Robert Graves, cuja ação tem sido reforçada pela Secretaria de Estado e pelo Federal Communications Commission, a agência americana de comunicações.

Em meio a tantas pressões, V. Exªs podem avaliar as dificuldades vivenciadas pela Anatel para resolver tão delicado e tão importante problema, pois caberá à Anatel, em última análise, escolher a melhor opção entre os três padrões.

Entre outras coisas, serão cruciais o momento da escolha e as contrapartidas exigidas, como, por exemplo, a obtenção de um assento para Anatel no comitê que tomará as decisões sobre a evolução do padrão que vier a ser escolhido. O que se espera com isso é que o Brasil não fique a reboque das decisões dos países detentores da tecnologia de transmissão, podendo interferir nas mudanças que se operarão no sistema que for adotado.

Outra preocupação importante ao fazer essa escolha é não repetir o erro cometido na implantação da televisão em cores no Brasil, como adverte o Professor Vicente Gosciola, da Faculdade Senac de Comunicação e Artes. Ele lembra que se optou pela hibridização das nossas condições de transmissão com o sistema alemão PAL, que gerou o sistema PAL-M.

Obtivemos, com isso, condições comparáveis às dos melhores sistemas coloridos do mundo. Contudo, posteriormente, por falta de investimento e de estímulo ao desenvolvimento da tecnologia, o sistema PAL-M ficou isolado, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do comercial.

Outro aspecto importante a ser levado em conta é a transição gradual do sistema analógico para o sistema digital. A Anatel garante que irá estabelecer um período de transição de dez anos. Para a Agência, enquanto mais de 95% dos televisores do País não forem digitais, o sistema analógico não será desativado.

É imprescindível que isso seja assegurado, porque não se pode forçar um processo de troca, especialmente em um País em que há, como se sabe, sérios problemas de renda, um País pobre, com desigualdades sociais, como é o Brasil. Ademais, não seria correto, do ponto de vista ambiental, sucatear milhões de aparelhos de televisão do sistema analógico para substituí-los pelos televisores do sistema digital.

Outra questão que precisa ser examinada com atenção é a das televisões públicas, que dificilmente terão recursos para a aquisição de equipamento digital e correm o risco de ficar para trás. Elas já começaram a se movimentar. De acordo com a Folha de S.Paulo, 23 das 25 televisões públicas do País se reuniram recentemente para decidir como lutar por uma solução que as ajude a fazer essa transição. No encontro, elas decidiram cobrar dos candidatos aos Governos federal e estaduais compromissos públicos de campanha no sentido de que haja recursos oficiais para que elas possam se equipar. De qualquer sorte, é preciso atenção para que essa questão seja levada em conta e esses canais de televisão de interesse público não sejam condenados ao desaparecimento.

Mas o mais complexo mesmo será a escolha em si do sistema que iremos adotar. A decisão não é fácil e despertou até mesmo a atenção do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Fala-se em usar essa escolha para a obtenção de vantagens comerciais para o País. De todo modo, ela não será tomada no mês de julho, como estava previsto.

De acordo com a Folha de S. Paulo, do último dia 22, o Ministro das Comunicações, Juarez Quadros, disse que a Anatel está avaliando um novo “cronograma possível” e que a decisão final será do Governo, com participação do Legislativo. Ainda bem que será com a participação do Legislativo!

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Com a permissão de V. Exª, Sr. Presidente, concederei um aparte ao Senador Roberto Saturnino, do Rio de Janeiro, o que para mim é uma grande honra já que S. Exª é um estudioso de todos os matizes da economia brasileira e internacional.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Antonio Carlos Valadares, é bondade de V. Exª. Quero cumprimentá-lo pela oportunidade e pela lucidez do seu discurso, pois a questão que V. Exª levanta - a implantação da nova tecnologia digital - é muito importante, visto que não é somente uma questão econômica, mas também política. E, sabiamente, a decisão sobre o assunto foi transferida para o próximo Governo, já que seria precipitado tomá-la agora, uma vez que a pressa excessiva pode redundar em investimentos muito além do poder aquisitivo da população, como aconteceu com as TVs por assinatura, que imaginaram que o mercado iria responder com uma demanda muito maior. Portanto, é preciso ter cautela nessa decisão e no momento de fazer essa transformação. Também é preciso preparar, como V. Exª diz muito bem, as televisões públicas para que possam acompanhar as demais na adoção da nova tecnologia. Nesse sentido, o Senado tem que participar da decisão e tem que tomar conhecimento de todas as negociações. Cumprimento V. Exª pela lucidez do discurso e pela oportunidade de fazê-lo neste momento.

O SR. ANTÔNIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Senador Roberto Saturnino, V. Exª tem razão. O Brasil não pode se apressar diante de uma mudança tecnológica tão avançada, tão importante, como a implantação da televisão digital em nosso País. Isso não vai implicar apenas mudanças na tecnologia, mas também ganhos para o Brasil, que serão maiores ou menores, dependendo das negociações que sejam feitas pelo futuro Governo.

E se este Governo resolveu deixar a decisão para o próximo Governo, como V. Exª disse, agiu sabiamente. Apesar de ser um homem de oposição, reconheço as decisões corretas que são tomadas pelo Governo, e uma delas é esta: não deixar que questão tão complexa como a implantação da televisão digital seja feita de afogadilho, prejudicando interesses do Brasil e, conseqüentemente, podendo atrasar a sua implantação, haja vista que nem todos os canais de televisão terão condições financeiras, tecnológicas ou econômicas para a implantação desse serviço no Brasil.

É preciso que haja um tempo, uma quarentena, para que todos tenham oportunidade de implantar o serviço. Para tanto, que seja proporcionado aos canais de televisão de menor condição econômica o direito ao financiamento, não só nacional, mas principalmente internacional, por parte daqueles sistemas que se queiram implantar em nosso País.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2002 - Página 10451