Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Descaso do governo federal com a região Amazônica. Abordagem sobre o artigo publicado na última revista IstoÉ intitulado "Meninas: Produto de Exportação", a respeito de estudo da OEA que mostra o Brasil como um dos principais países no tráfico de adolescentes para prostituição

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Descaso do governo federal com a região Amazônica. Abordagem sobre o artigo publicado na última revista IstoÉ intitulado "Meninas: Produto de Exportação", a respeito de estudo da OEA que mostra o Brasil como um dos principais países no tráfico de adolescentes para prostituição
Aparteantes
Edison Lobão, Emília Fernandes.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2002 - Página 10454
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, ABANDONO, GOVERNO FEDERAL, POLICIA FEDERAL, FORÇAS ARMADAS, REGIÃO AMAZONICA, AUSENCIA, COMBATE, GUERRILHA, TRAFICO INTERNACIONAL, DROGA, CONTRABANDO, ARMA DE FOGO.
  • COMENTARIO, DENUNCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTUDO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), AUMENTO, TRAFICO, ADOLESCENTE, PROSTITUIÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, PEDIDO, TRANSCRIÇÃO, MATERIA, ANAIS DO SENADO.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho reiteradamente vindo a esta tribuna, como, aliás, é do meu dever por ser representante de um Estado da Amazônia, não só para trazer as reivindicações da região como também para denunciar o descaso para com ela, visto que o problema não é somente dos amazônidas. O Brasil precisa entender, de uma vez por todas, que a Amazônia, na verdade, é a solução para muitos problemas do Brasil.

A Amazônia vem sendo muito maltratada, e não quero acusar especificamente o Governo Fernando Henrique Cardoso, pois, ao longo das décadas, apenas por espasmos se fez alguma coisa de concreto em benefício da região, como por exemplo a criação da Zona Franca de Manaus, a criação das universidade federais nos Estados da Amazônia, o asfaltamento da BR-174, que liga a capital do Estado de Roraima ao Amazonas e à Venezuela, e também da BR-401, ligando a nossa capital à ex-Guiana. O fato é que pouco se tem feito para essa imensa região, que representa mais de 60% do território brasileiro.

Quando se fala da Amazônia, fala-se dela como apenas um ecossistema, apenas mata, apenas a floresta amazônica tradicional. Ou seja, o brasileiro não conhece efetivamente a Amazônia. E, com esse desconhecimento e esse descaso em relação à Amazônia, que possui mais de 11 quilômetros de fronteiras com países problemáticos do ponto de vista do narcotráfico, do contrabando de armas, de guerrilhas, como é o caso do Suriname, da ex-Guiana Inglesa, atual República da Guiana, da Venezuela, da Colômbia, do Peru, da Bolívia, não estamos fazendo nada.

Preocupamo-nos, por exemplo, com a situação das drogas e da criminalidade no Rio e em São Paulo. Mas de onde vem a droga que está sendo distribuída e consumida nesses grandes centros? Vem dos países vizinhos ao Brasil, que fazem fronteira com a nossa Amazônia, que está desguarnecida, porque o contingente da Polícia Federal e das Forças Armadas é irrisório, considerando as imensas fronteiras abertas, secas, com países que são um paraíso para a produção de drogas, para o contrabando de armas, enfim, para todo tipo de contrabando. Esse descaso com a Amazônia, o domínio do Estado paralelo, do tráfico e do contrabando, Sr. Presidente, levam efetivamente a conseqüências sociais dramáticas.

Mas vou abordar um assunto, também com muita tristeza, que foi publicado na última revista IstoÉ, merecendo, inclusive, destaque na capa: Meninas: Produto de Exportação. Estudo da OEA coloca o Brasil entre os campeões mundiais do tráfico de adolescentes para prostituição. Manaus é o principal exportador. O drama das crianças que começaram aos 12 anos - veja bem, Sr. Presidente, aos 12 anos - e aos 16 já são consideradas velhas no submundo das boates do sexo”.

Sr. Presidente, trata-se de uma matéria longa. Inclusive, há um mapa que mostra o casamento da prostituição infantil e do tráfico dessas crianças, que passam pela cidade de Manaus, pela cidade de Porto Velho e pela cidade de Boa Vista, capital do meu Estado. Tudo isso, Sr. Presidente, manipulado pelos traficantes de drogas, que aliciam essas meninas nos colégios, oferecendo um dinheiro farto do outro lado da fronteira com a Bolívia e com a Venezuela, já que elas são de famílias muito pobres. Depois, viciam essas meninas, que, a partir daí, passam a ser escravas do sexo e da droga.

Esse fato, Sr. Presidente, mostra realmente como a nossa Amazônia está vulnerável a todo tipo de coisa. É preciso que a sociedade brasileira reaja, porque me parece que as instituições oficiais estão anestesiadas ou impotentes diante dessa realidade.

Primeiro, a Amazônia passou pelo tráfico de drogas, pelo contrabando de armas, pela guerrilha e pela biopirataria. Agora, está sendo vítima do tráfico de crianças. É preciso que seja implantado um plano de ocupação racional daquela região.

É por isso, Sr. Presidente, que tenho defendido que sejam tomadas inúmeras medidas. Deveríamos criar um plano consistente, porque, até aqui, não temos esse plano.

A Srª Emilia Fernandes (Bloco/PT - RS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª me concede um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Ouço V. Exª com prazer.

A Srª Emilia Fernandes (Bloco/PT - RS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, cumprimento V. Exª por trazer, ao plenário desta Casa, um tema que, apesar de chocar todos nós, é responsabilidade de todos: do Governo, da sociedade, da família, da escola. No dia-a-dia, procuramos fazer um debate sobre o combate a todas as formas de discriminação contra as pessoas, em relação a gênero, raça, etnia, condições sociais. V. Exª traz esse dado, que projeta o Brasil para o mundo como um país onde há ainda muito a se fazer. Precisaríamos de duas ou três horas para fazer uma análise mais acurada do tema e das suas causas e conseqüências, que são terríveis. Sabemos que as causas estão na exclusão social, na falta de perspectivas, na desestruturação familiar, na falta de uma educação de qualidade que valorize a cidadania, resgate a auto-estima e restabeleça o respeito entre as pessoas, além da falta de um compromisso de governo. E V. Exª traz esse tema num dia muito oportuno, pois, logo mais, quando iniciarmos a Ordem do Dia, esta Casa estará ratificando um acordo internacional do qual o Brasil será signatário, o Protocolo Facultativo pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. As dúvidas que pairavam sobre esse assunto serão devidamente esclarecidas hoje, como já o foram em outros debates realizados nesta Casa. Dessa forma, vamos agregar ao que V. Exª está trazendo e ao que os meios de comunicação divulgam temas concernentes aos que aquele acordo internacional contempla, que deveriam ser discutidos não apenas no Brasil mas num grande fórum internacional. E isso ocorre num ano em que as mulheres estão completando setenta anos que votam e que são votadas, ou seja, que estão na política, também uma luta nossa. Nesta semana, milhares de mulheres estarão no Senado Federal, em Brasília, numa grande conferência nacional das mulheres, exigindo igualdade, participação política, compromisso dos candidatos à Presidência da República, com uma pauta de gênero para se combater, inclusive, Senador Mozarildo Cavalcanti, esse tipo de violação que atinge as mulheres e, especialmente, as adolescentes, as meninas deste País, assunto abordado por V. Exª. Quero, portanto, cumprimentar V. Exª e me somar a V. Exª nessa preocupação. É bom que um tema dessa natureza seja abordado por um homem, pois normalmente cobram de nós que as questões sociais, as questões de gênero, o combate à exploração e a discriminação sejam discutidos por mulheres. Cumprimento V. Exª pela sua visão e pelo tema que traz à discussão nesta Casa. Obrigada.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Agradeço imensamente o aparte de V. Exª, Senadora Emilia Fernandes. V. Exª é uma guerreira nesta Casa no combate às discriminações, especialmente em relação à mulher.

Senti-me duplamente chocado ao ler esse artigo. Primeiro, como médico obstetra, ao ver como o tratamento que está sendo feito com essas crianças é discriminatório e perverso. Em segundo lugar, porque a minha região está servindo para o comércio dessas adolescentes, que são depois levadas pelos traficantes para a Europa, para o Primeiro Mundo, onde serão escravas da prostituição pelo resto da vida. Se esse drama ocorre nos grandes centros, choca, é ruim; mas se acontece numa região como a Amazônia, onde, teoricamente, nada falta, está tudo bem, é pior. O Brasil ainda tem uma visão litorânea do problema, acha que a porta de entrada do País é o litoral e que a Amazônia é o nosso grande "quintal". Estamos vendo que é no "quintal" - expressão que não aceito - que estão ocorrendo problemas seriíssimos, repito, como a entrada de drogas, o contrabando de armas e, agora, a exportação das nossas meninas para prostituição.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª aborda dois temas de fundamental importância para o nosso País: o resguardo da Amazônia, tão necessário e que não tem sido feito pelas gerações de brasileiros na extensão do necessário, e o problema da prostituição das nossas adolescentes. Se não fossem as nossas Forças Armadas - sobretudo o Exército, mas com a contribuição da Marinha e da Aeronáutica -, não sei o que seria das nossas fronteiras amazônicas, que foram ampliadas graças às ações dos nossos antepassados. E se chegamos a esse ponto de desenvolvimento, não podemos negligenciar os cuidados que terão que ser imorredouros, permanentes, para que tais fronteiras se mantenham em benefício de todos os brasileiros. A Amazônia é um patrimônio nacional do qual não podemos abrir mão. Temos que cuidar da preservação das fronteiras e da integridade do território amazônico. O segundo ponto é a prostituição infantil em nosso País. V. Exª menciona uma revista de grande circulação nacional, a IstoÉ. A revista não faz escândalo, faz uma denúncia, chama a atenção dos brasileiros para o que está ocorrendo com essas jovens na Amazônia. Faz muito bem, portanto, essa publicação de circulação nacional ao nos advertir sobre esses episódios dramáticos e lamentáveis que estão ocorrendo em nosso País. A exportação de adolescentes tem uma taxa de criminalidade quase que incomensurável. Como se permite algo dessa natureza? Não estou dizendo que as autoridades a permitem deliberadamente, mas me parece que não está havendo uma ação mais efetiva no sentido de impedir que esse crime se perpetre em nosso País, particularmente na região amazônica. Tenho a sensação de que estamos entrando numa fronteira de Sodoma e Gomorra. Como países de alto desenvolvimento, como os europeus, promovem um contrabando dessa natureza? É lastimável, Senador Mozarildo Cavalcanti. Mas a denúncia da revista IstoÉ, que V. Exª repercute no plenário do Senado Federal, terá o condão de pôr um freio, pelo menos parcial - esperamos que dentro de algum tempo seja total -, nessa situação de descalabro que é a prostituição de menores em nosso País. Receba V. Exª os meus cumprimentos pela iniciativa desses dois assuntos de transcendental importância para o nosso País.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Senador Edison Lobão, agradeço muito o aparte de V. Exª, que também é um homem da Amazônia. Embora o seu Estado seja privilegiado, porque tem uma parte no Nordeste e uma parte na Amazônia Legal, V. Exª conhece muito bem a Amazônia e tem sido um ardoroso defensor da região.

A Amazônia, como eu disse, já possui o estigma de ser uma região olhada com certo preconceito pelas elites do nosso País. Consideram que lá não existe ninguém competente. Esquecem que, em todos os Estados que englobam aquela região, há universidades e excelentes profissionais. Pensam que na Amazônia existe apenas mata, bicho e índio.

No entanto, a Amazônia, que pode ser a grande solução dos problemas brasileiros, por causa do descaso do Governo e da sociedade brasileira, talvez esteja se transformando em um barril de pólvora, como se transformou a Amazônia colombiana. Hoje o Governo colombiano tem que aceitar que algumas áreas sejam desmilitarizadas, possibilitando a existência da guerrilha, com suas diversas facções associadas ao narcotráfico, para o seu autofinanciamento. E nós, na Amazônia, estamos com todos os ingredientes prontos, faltando talvez apenas misturá-los para obter o resultado adequado.

Nunca é demais lembrar que o traficante brasileiro de maior projeção, Fernandinho Beira-Mar, foi preso na Colômbia; portanto, a conexão do tráfico, do contrabando e, conforme colocado claramente pela revista IstoÉ, da prostituição de menores está muito nítida.

Por isso, cumpro o doloroso dever de trazer à tribuna essa denúncia publicada pela revista IstoÉ, solicitando, inclusive, que o artigo seja reproduzido na íntegra, tornando-se parte integrante do meu pronunciamento, a fim de que fique registrado nos Anais do Senado e de que a consciência nacional saiba que houve uma voz que veio a esta Casa - que é a representação dos Estados, a mais alta Casa Legislativa do País - reclamar providências. Que possamos, efetivamente, tratar a Amazônia de maneira mais respeitosa, principalmente agora que vemos que até as nossas crianças estão sendo objeto de comércio sexual, sendo transferidas, ao final, para países da Europa, para o tão decantado Primeiro Mundo!

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2002 - Página 10454