Pronunciamento de Emília Fernandes em 05/06/2002
Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Campanha sobre o Dia Nacional da Família na Escola. Apelo para a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de projeto de autoria de S.Exa. que facilita o comparecimento dos pais a escola, sem a perda do dia de trabalho.
- Autor
- Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
EDUCAÇÃO.:
- Campanha sobre o Dia Nacional da Família na Escola. Apelo para a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de projeto de autoria de S.Exa. que facilita o comparecimento dos pais a escola, sem a perda do dia de trabalho.
- Publicação
- Publicação no DSF de 06/06/2002 - Página 10461
- Assunto
- Outros > EDUCAÇÃO.
- Indexação
-
- REGISTRO, REALIZAÇÃO, CAMPANHA, DIA NACIONAL, FAMILIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, OBJETIVO, CONCLAMAÇÃO, PAES, ACOMPANHAMENTO, VIDA ESCOLAR, FILHO.
- CRITICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEMORA, APRECIAÇÃO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), INCLUSÃO, DIREITOS, TRABALHADOR, POSSIBILIDADE, PAES, ACOMPANHAMENTO, VIDA ESCOLAR, FILHO, PROIBIÇÃO, EMPREGADOR, PUNIÇÃO, EMPREGADO.
- ELOGIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), INCENTIVO, POPULAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, DEFINIÇÃO, POLITICA, MELHORIA, EDUCAÇÃO.
- COMENTARIO, ESFORÇO, ORADOR, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DERRUBADA, VETO (VET), PRESIDENTE DA REPUBLICA, PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pela terceira vez neste ano foi desenvolvida a campanha do Dia Nacional da Família na Escola. Trata-se de um programa do Ministério da Educação, ocorrido no último dia 4 de junho, que tem por objetivo conclamar as famílias a participarem da vida escolar de seus filhos. A mídia divulgou a campanha e, de modo tímido, veiculou hoje os seus resultados.
Cabe, portanto, uma reflexão: datas são importantes, pois dão visibilidade ao assunto, ao problema, mas a questão que se aborda é se a data a que me referi acima reflete uma realidade ou apenas uma intenção ou se meramente mascara os problemas, ainda sem solução em nossa Educação, principalmente, no Ensino Fundamental. Na verdade, é preciso que atentemos para a participação real dos pais na vida escolar, na comunidade escolar. Como está a vida das crianças e dos adolescentes, dos professores, dos trabalhadores em Educação, no dia-a-dia, nas escolas, dentro do contexto do nosso País? Às vezes, a intenção é boa, mas a realidade pode ser mascarada.
Iniciativas que visem integrar, conectar, a família com as escolas são importantes como um dos pontos a serem enfocados e resolvidos. Devemos incentivar a participação familiar na escola, se queremos, de fato, formar nossas crianças. É preciso fazê-lo de forma mais contínua, mais efetiva, não apenas como um programa ou uma propaganda. É necessário que essa seja uma rotina no dia-a-dia das famílias e das escolas.
Sabemos que Educação é responsabilidade de todos: do Estado, da escola, da família, da própria sociedade. Essa definição constitucional tem sido lembrada sistematicamente nesta Casa, no Congresso, na Comissão de Educação; inclusive, tem sido pauta na minha defesa pela Educação responsável, participativa e solidária.
Sou professora, exerci o Magistério durante 23 anos e, por opção, apesar da minha formação acadêmica superior, sempre trabalhei em escola fundamental, em escolas de bairro, de periferia, para sentir melhor a realidade das crianças, para conhecer a precariedade dos recursos que são colocados à disposição dos trabalhadores em Educação e também a carga de problemas e sofrimentos que as crianças e os adolescentes levam para a escola.
Desde que cheguei a esta Casa tive essa preocupação. Fui diretora durante muitos anos, Sr. Presidente, e, na escola em que trabalhei, estabeleci que, a cada dois meses, os pais deveriam participar de algumas atividades. Os pais não deveriam ser chamados apenas para receber reclamações sobre a aprendizagem, o comportamento e as atitudes de seus filhos. Os pais deveriam ir à escola sistematicamente, conversar com os professores, contar um pouco de suas vidas. Por outro lado, nós deveríamos contar um pouco da nossa vida, das nossas dificuldades e dos problemas da Educação brasileira, principalmente do ensino público. Essa foi uma experiência altamente positiva, pois o rendimento, o interesse e a participação das crianças cresceram. Os pais, por sua vez, sentiam-se valorizados quando chegavam à escola e recebiam elogios ou quando nós lhes dizíamos que estava havendo alguns problemas.
Assim, com essa inspiração que eu trouxe da minha sala de aula, cheguei ao Senado e elaborei um projeto de lei. Muitos pais nos diziam que não iam mais à escola porque precisavam trabalhar. Hoje, a mãe, o pai, as tias, as avós trabalham para sobreviver. E os pais nos alertavam que não podiam ir à escola porque, se faltassem ao trabalho, seriam prejudicados; corriam até o risco de ficarem desempregados, terem desconto de salários ou serem visados em seus ambientes de trabalho.
O que fizemos? Analisamos a constitucionalidade e verificamos que a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, poderia agregar como direito dos trabalhadores a possibilidade de os pais terem, por lei, a garantia da sua presença na escola. Dessa forma, elaboramos um projeto de lei que foi aprovado no Senado Federal em 1999, depois de ter passado pelas Comissões, e que tramita na Câmara do Deputados há dois anos, sem ter sido objeto sequer de análise. Trata-se de uma modificação muito simples na CLT: o acréscimo do inciso VIII no art. 473 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Esse novo inciso preceitua que o trabalhador e a trabalhadora terão amparo legal para acompanhar a vida escolar de seus filhos. Nosso projeto prevê, portanto, um estímulo, um apoio concreto ao comparecimento da família à escola, sem prejuízo do trabalho e do salário. Garantimos no projeto o afastamento justificado do trabalho por “até meia jornada a cada bimestre para o acompanhamento escolar dos filhos, desde que comprovada a condição de pai, mãe ou responsável”. A escola comprova a real presença dos responsáveis junto à empresa em que os trabalhadores desempenham as suas atividades.
Na oportunidade em que o País está sendo estimulado a acompanhar a vida escolar de suas crianças, ao menos em um dia específico, creio que este é o momento oportuno para a Câmara dos Deputados concluir a tramitação de meu projeto, com sua aprovação. Seria uma contribuição significativa para a nossa sociedade.
Somente há pouco tempo, a sociedade brasileira - sobretudo, sua elite socioeconômica - se deu conta de que é necessário promover a educação extensiva da população de nosso País. Só assim teremos alguma chance de sobreviver como Nação soberana e evitar uma crise social, cujas conseqüências são hoje imprevisíveis, mas certamente catastróficas, diante do nível de desemprego que assola o País. Somos vice-campeões mundiais do desemprego, perdemos somente para a Índia - aí estão os dados. Há em nosso País milhões de pessoas excluídas, abaixo do nível de pobreza, e de analfabetos.
Nos bairros das metrópoles brasileiras, escolas se transformaram em verdadeiras prisões, tal o número de grades, portões, cadeados e bloqueios que foram colocados para impedir a depredação ou o roubo de equipamentos por violentos marginais que circulam livre e impunemente em seus arredores.
Exclusão, drogas, álcool, violência, tudo contribui para comprometer decisivamente o objetivo de escolarizar e propiciar um ambiente de formação cívica, crítica e construtiva para as nossas crianças. Crianças e adolescentes saem do ambiente conturbado em que moram e não encontram na escola um lugar apropriado, onde possam aprender a cidadania, que lhes é de direito.
Sabemos que de nada adianta o aumento significativo de vagas nas escolas, que é importante e necessário, se não houver o correspondente resultado de rendimento na aprendizagem das crianças. Freqüentar o banco escolar, como acontece muito no Brasil, apenas pela merenda é pouco para um País que quer sair do subdesenvolvimento em que se encontra.
Não adianta nos autoproclamarmos “País emergente” se nossos índices de escolarização não traduzem essa emergência para um patamar mais elevado de desenvolvimento social. Hoje, pouco mais de 35 milhões de brasileiros e brasileiras estão no Ensino Fundamental. Desses, quase 27 milhões estão na faixa etária regular de escolarização, ou seja, entre 7 e 14 anos. Temos, contudo, cerca de 7,5 milhões de jovens e adultos jovens, entre 15 e 29 anos de idade, ainda cursando o Ensino Fundamental, o que representa um contigente importante de brasileiros e brasileiras com significativo atraso em sua formação básica para a vida em sociedade. Sabemos que, além de significar um alto custo para o Estado, isso representa um desencanto e um desestímulo para muitos. São cidadãos e cidadãs que já se encontram em idade produtiva, mas cuja capacitação os desqualifica para a maioria dos empregos em uma economia moderna. Ou seja, estão fadados ao subemprego e à manutenção de uma estrutura econômica atrasada, o que, por sua vez, emperra o avanço econômico do País.
Quando passamos para o Ensino Médio, o número de matrículas despenca para pouco mais de oito milhões, o que significa que cerca de 27 milhões de brasileiros que estão no Ensino Fundamental não alcançam o nível seguinte de aprendizado. Aproximadamente, apenas um em cada quatro jovens consegue concluir o ciclo fundamental e passar para o ciclo médio, com chances de alcançar a universidade ou de obter um diploma técnico que lhe permita uma melhor inserção no mercado de trabalho competitivo e excludente de hoje.
Por outro lado, precisamos eliminar urgentemente o descompasso ainda existente entre a escola e a sociedade. Muitas vezes, não há contato entre as duas realidades. Há, isto sim, conflito em diferentes níveis: entre o que é transmitido aos alunos e a situação caótica, difícil e comprometedora da cidadania dos nossos jovens e crianças. O que prevalece? O discurso da sala de aula ou a realidade dura e cruel da vida cotidiana dos alunos? Creio não precisar dar a resposta à questão.
Nesse sentido, vale ressaltar a política implementada pelo nosso Governo Democrático e Popular no Rio Grande do Sul, no sentido de estimular a sociedade gaúcha a aproximar-se do espaço escolar. Ha como exemplo concreto dessa integração possível a Constituinte Escolar, lançada em abril de 1999, no primeiro ano de Governo. Trata-se de um amplo movimento de participação popular na definição das políticas públicas de Educação, com a inclusão de pais, alunos, professores, funcionários das escolas e representantes dos movimentos sociais na discussão da educação pública, que queremos seja ministrada nas escolas do Rio Grande do Sul.
Milhares de pessoas participaram de reuniões, plenárias, seminários, pré-conferências e, em agosto de 2000, da Conferência Estadual da Educação, com a representação de todos os segmentos envolvidos, quando foi aprovado o documento “Princípios e Diretrizes para a Educação Pública Estadual do Rio Grande do Sul”.
A partir dessa referência, fruto de quase 18 meses de debate, cada escola está reconstruindo seu projeto político-pedagógico, seus regimentos escolares e planos de estudo, implantando as decisões tomadas conjuntamente pelas escolas e pela comunidade, que continua participando ativamente do processo.
Com a participação democrática, ampla e popular, foi constituída a base para todas as ações e projetos implementados pela Secretaria Estadual de Educação. Os resultados desse esforço integrado da sociedade gaúcha e do Poder Público já podem ser percebidos: o Rio Grande do Sul tem uma das melhores taxas de escolarização do País, atingindo 94,16% no Ensino Fundamental e 47,34% no Ensino Médio, com a aplicação de 35% da sua Receita Líquida de Impostos em Educação. A própria Constituição Federal estabelece que sejam aplicados 25% em Educação, e a Constituição Estadual do Rio Grande do Sul prevê 35%. A Educação precisa de recursos, de qualidade, de valorização dos seus trabalhadores.
Sr. Presidente, temos pautado a nossa atuação aqui nesta Casa na luta em prol da Educação e temos dito que a Educação, por si só, não resolve os problemas de uma nação, mas a construção da sociedade e do País que queremos não acontecerá se não for dada a atenção e a prioridade necessárias à Educação.
O Legislativo brasileiro também tem feito a sua parte, da qual a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, embora em sua totalidade não seja aquela que desejávamos, é um marco, graças à dedicação de uma das nossas maiores personalidades em matéria de Educação, o saudoso Senador Darcy Ribeiro. Da nossa parte, temos abraçado com afinco as questões educacionais e buscado constantemente estabelecer o bom debate dentro desta Casa.
Eu, particularmente, apresentei milhares de emendas, promovi um amplo debate, reconhecido publicamente pelo próprio Darcy Ribeiro no plenário desta Casa, quando apresentou seu relatório final. Dizia S. Exª, em palavras textuais: “Depois de mim, que fui o Relator, quem mais trabalhou na LDB, nesta Casa, foi a Senadora Emília Fernandes”. Recordo-me disso com orgulho, mas também com a responsabilidade que me é devida, tendo em vista que sou professora, oriunda da luta sindical do Magistério no Rio Grande do Sul, e tenho feito da Educação a pauta fundamental da minha vida e da minha prática.
O Plano Nacional de Educação aprovado é outro exemplo. Poderia ter sido melhor trabalhado não fosse a pressa desta Casa em aprová-lo. Trata-se de um projeto ousado, mas aí estão os vetos, resultado concreto da falta de visão e compromisso de investimento na Educação do Governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. Dinheiro aplicado em Educação é investimento e não gasto! Entendo que os vetos ao Plano Nacional de Educação devem ser derrubados pelo Congresso Nacional.
Neste Dia Nacional da Família na Escola, chamamos a atenção para a importância e a necessidade da presença dos pais na escola, estimulados pelo Poder Público e pela legislação. Mas que se amplie, que se aprofunde, que se valorize e que se dê realmente oportunidade para a família e os trabalhadores comparecerem à escola, porque sabemos dos benefícios e resultados positivos para todos que isso pode gerar.
O nosso projeto está na Câmara. Faço um apelo aos Srs. Deputados para que o retirem da gaveta.
Temos que dar oportunidade concreta às famílias, porque, uma coisa é dizer ao cidadão que ele deve ir à escola; outra é possibilitar a sua ida, para que não se prejudique no dia-a-dia do seu trabalho. Esse é o nosso projeto.
No momento, deve ser assegurado aos assalariados brasileiros o fato de que não sofrerão sanções dos seus patrões por estarem na escola, fora, portanto, do seu posto de trabalho. Isso seria uma complementação para a sua condição de cidadão, para os seus filhos ou para as pessoas pelas quais são responsáveis dentro da escola que freqüentam.
Sr. Presidente, encerro este pronunciamento convocando a comunidade a integrar-se efetivamente, eficazmente ao funcionamento das escolas. Esse é um dos caminhos para alcançarmos a educação de qualidade e a valorização dos trabalhadores em educação. Será também o modo de se permitir melhor sintonia entre a realidade social e a vida escolar, facilitando a transformação mútua em benefício das crianças e dos adolescentes. Será, por fim, um meio de dar ao Brasil uma capacitação de seus recursos humanos à altura de suas grandes necessidades.
Por isso, Sr. Presidente, entendo e reafirmo que a presença dos pais na escola uma ou duas vezes por ano deve ser mais do que um tema de propaganda: uma prática sobre a proteção de nossa Constituição Federal e da garantia de direito de todos os trabalhadores e trabalhadoras deste País.
Muito obrigada, Sr. Presidente.
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