Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a aprovação, em primeiro turno, da prorrogação da CPMF. Desrespeito do governo federal à política tributária brasileira.

Autor
Alvaro Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Considerações sobre a aprovação, em primeiro turno, da prorrogação da CPMF. Desrespeito do governo federal à política tributária brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2002 - Página 10464
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, PRORROGAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), SENADO, JUSTIFICAÇÃO, VOTO CONTRARIO, ORADOR, CRITICA, POLITICA, TRIBUTOS, GOVERNO FEDERAL, REPUDIO, AUSENCIA, ESFORÇO, REALIZAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA.
  • ANALISE, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIO ECONOMICOS (DIEESE), EXCESSO, AUMENTO, INDICE, DESEMPREGO, POBREZA, AMBITO NACIONAL, COMPARAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR).
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, JUSTIFICAÇÃO, AUSENCIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, MOTIVO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, COMENTARIO, INSUCESSO, REFORMA AGRARIA, FALTA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
  • CRITICA, PAIS INDUSTRIALIZADO, AUMENTO, SUBSIDIOS, PROTECIONISMO, IMPORTAÇÃO, PRODUTO, PREJUIZO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, INCAPACIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ÁLVARO DIAS (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno, a prorrogação da CPMF. Fiz questão de votar contrariamente, Sr. Presidente, não pela pretensão da rejeição da proposta do Governo, mas como forma de manifestação de contrariedade com os procedimentos do Governo no que diz respeito à política tributária do nosso País. A Nação se sacrifica com o imediatismo da política tributária do atual Governo.

A prorrogação da CPMF se dá exatamente pela incompetência governamental no trato da questão tributária. O Presidente da República não teve apenas um mandato, mas dois, para promover a reforma tributária tão decantada, discutida e jamais realizada. E sabemos as razões que levaram o Presidente da República e o seu Governo a impedir a definição de um modelo tributário compatível com a realidade nacional: teve receio o Governo, e especialmente o Presidente, de uma queda repentina de receita no País. Não quis correr riscos, já que, com o Plano Real, houve o incremento de arrecadação para os cofres da União. Mas peca o Governo. Será uma marca negativa da sua gestão, porque política tributária diz respeito à distribuição de renda e geração de empregos. E não há prioridade maior neste País do que a da correta e eqüitativa distribuição da riqueza, uma vez que, lamentavelmente, somos campeões nesse assunto: temos uma das piores distribuições de renda de todo o Globo. Ainda agora - e a Senadora Emilia Fernandes já fez referência a esse tema - o ranking mundial dos desempregados coloca o nosso País em segundo lugar.

Não há como ignorar a importância do modelo tributário para a geração de empregos, porque o que se estabelece no Brasil é a injustiça fiscal, com alguns pagando demais, outros pagando menos e muitos nada pagando, sonegando de forma absoluta, estabelecendo uma concorrência desigual, uma punição injusta àqueles que corretamente pagam os tributos à União, aos Estados e aos Municípios.

Quanto à distribuição de renda, todos imaginamos a importância de um modelo tributário de competência.

Eu gostaria de destacar que a pobreza no nosso País continua a alarmar. Aliás, a pobreza não é um fenômeno geograficamente localizado; ela está em todas as partes, ultrapassa todas as fronteiras e alcança milhões de seres humanos no mundo. Passou a ser a pobreza, portanto, uma questão de política internacional; passou a ser a pobreza a causa maior dos conflitos e, portanto, a galvanizadora de todas as preocupações em relação à necessidade de semearmos a paz no mundo. O combate à pobreza é uma exigência universal para que se possa, enfim, almejar a paz que todos desejamos.

Vamos exemplificar: no Brasil, temos mais de 8 milhões de desempregados. O índice de desemprego é de 8,3%, segundo as estatísticas governamentais. Se formos buscar as estatísticas do Dieese, chegaremos a cifras significativamente superiores, uma vez que há diferenciação de critério adotado pelos órgãos do Governo, como IBGE, Fundação Getúlio Vargas e pelo Dieese.

O Dieese considera, para efeito estatístico, o desemprego oculto, que é relativo ao trabalhador que, por desalento momentâneo, não procura emprego - e, portanto, não consta das estatísticas - e também por aquele que obtém um emprego temporário.

No Paraná, há milhares de trabalhadores bóias-frias que se enquadram exatamente nessa faixa do trabalho temporário. Trabalham hoje sem saber se, amanhã, terão oportunidade de trabalho para o sustento das suas famílias.

De qualquer maneira, tanto a estatística oficial como a do Dieese revelam a dramaticidade da situação social no nosso País.

Como eu disse, não se trata de um fenômeno localizado. Alguém pode imaginar a seguinte situação: um Estado, no Sul do País, é privilegiado. Pode-se considerar que se trata de um Estado de Primeiro Mundo, mas a realidade é totalmente contrastante com essa opinião.

Vejam a realidade do meu Estado, o Paraná: há, hoje, 400 mil trabalhadores desempregados, segundo o Governo. Repito: se formos buscar as estatísticas do Dieese, teremos que multiplicar essa cifra. Nos próximos quatro anos, mais 350 mil jovens ingressarão no mercado de trabalho. Isso significa que o Estado do Paraná deveria gerar, nos próximos quatro anos, 750 mil novos postos de trabalho.

O desemprego no Paraná é maior do que a média nacional. Se a média nacional está em torno de 8%, no Paraná chega a 9,3%. Mas estamos falando do desemprego. Se chegarmos ao subemprego ou ao emprego informal, do trabalhador sem carteira assinada, do trabalhador temporário?

Veja a dramaticidade do que vou apresentar agora, em se considerando serem números de um Estado do Sul do País, que muitos imaginavam ser o paraíso na Terra.

Na região metropolitana de Curitiba, temos 470 mil trabalhadores que nada ganham ou ganham menos de R$80,00 por mês. Só na capital, Curitiba, temos 120 mil trabalhadores que ganham menos de R$80,00 por mês.

No Paraná, são dois milhões de trabalhadores que ganham menos de R$80,00 por mês. Na região centro-ocidental, localizada entre o oeste e o noroeste do Paraná, 40,8% dos trabalhadores recebem menos de R$80,00 por mês. Na região centro-oriental, entre o centro-sul e o centro-oeste, 38% dos trabalhadores recebem menos de R$80,00, sendo que apenas no Município de Guarapuava, 26 mil trabalhadores recebem menos do que esse valor.

Essa não é uma remuneração, temos que admitir, por mais otimistas que possamos ser, que permita o exercício da cidadania na sua plenitude.

É claro que o Governo tem responsabilidade. Se o Governo e a sociedade, enfim, se todos nós não tivermos competência e poder para socorrer esse verdadeiro exército de marginalizados, os poucos ricos, os minimamente privilegiados também não terão salvação. Estamos caminhando lentamente em relação às reformas que já deveriam ter sido concretizadas para mudar esse cenário, reverter essa expectativa de injustiça social e permitir à população uma melhor qualidade de vida, num País privilegiado, com riquezas naturais extraordinárias, graças à generosidade de Deus.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, certamente há pontos fundamentais que devem ser considerados: a política econômica do Governo e a sua incapacidade de compatibilizar a necessidade imprescindível da estabilidade econômica com a prioridade do crescimento econômico. No país do Presidente Fernando Henrique Cardoso, afixou-se, maltratou-se, conteve-se e impediu-se o crescimento econômico a pretexto de se assegurar a estabilidade da economia, mas, Sr. Presidente, estabilidade econômica só se justifica em benefício da população, com crescimento econômico, com geração de empregos e com oportunidade de vida digna a todos. E esse Governo, lamentavelmente, fracassa naquilo que é prioridade para qualquer governo, como política econômica, política tributária e reforma agrária.

Embora o Governo apresente números e os comemore, verificamos que a reforma agrária, no Brasil, não alcança os objetivos da distribuição de renda que poderia alcançar, até porque, Senador José Alencar, a reforma agrária a que se procede no Brasil e que distribui a terra não oferece os mecanismos necessários para a viabilização das pequenas propriedades rurais e dos assentamentos, muitos dos quais se transformam, lamentavelmente, em guetos de pobreza, miséria e marginalização.

Há, sem sombra de dúvida, uma questão que não pode deixar de ser considerada quando se analisa a situação de pobreza no nosso País, principalmente num Estado como o Paraná: o produtor brasileiro, especialmente o do meu Estado, é muito competente. Sei que há aqueles que imaginam ainda poder contribuir para que se produza no campo brasileiro com maior competência, mas não há dúvida de que, hoje, produzimos com muita competência e nos tornamos competitivos. No momento da produção, o Brasil pode competir com qualquer país do primeiro mundo. No entanto, na hora de comercializar o produto e de vendê-lo, o Brasil demonstra tremenda incompetência, submetendo-se à política do egoísmo, do protecionismo, das barreiras alfandegárias e não alfandegárias, dos subsídios de mais de US$1 bilhão por dia, que, certamente, estabelecem uma disputa desigual no mercado internacional.

Quando se fala na ajuda dos países ricos aos países em desenvolvimento, não se fala com sinceridade. Parece-me ser a política da falsidade, do farisaísmo, porque ajudariam mais os países ricos se possibilitassem uma competição de lealdade no plano internacional, se abrissem espaços para um cenário de decisões democráticas, ao contrário daquelas impostas pelas nações poderosas, que subjugam os países em desenvolvimento, comprometendo especialmente a qualidade de vida da nossa gente.

Os Estados Unidos e a Europa são os principais compradores dos produtores brasileiros e continuamos submetidos a uma política que nos impõe preços incompatíveis com a necessidade nacional. O nosso Governo, lamentavelmente, não tem avançado na superação dessas dificuldades.

Já há uma redução do fluxo de recursos dos países ricos para os países em desenvolvimento. Nos últimos anos, chegou-se à metade daquilo que ocorria há dois ou três anos em matéria de recursos para o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. Não bastasse isso, há um agravamento da política de subsídios, de barreiras, enfim, de protecionismo, incrementada agora com maior força pelo governo norte-americano e mantida pelos governos dos países da Europa. Essa não me parece ser uma política inteligente. É, visivelmente, a política do imediatismo, do oportunismo e do egoísmo. É, visivelmente, a política praticada pelos insaciáveis, que querem ficar cada vez mais ricos, mesmo que isso possa comprometer a paz mundial. Não me parece inteligente, sobretudo porque há o risco da escassez de alimentos no mundo.

No Japão, houve uma significativa redução da área de plantio em função do aproveitamento de fazendas de encosta para o plantio de florestas e de pastagens. Nos Estados Unidos, 12 milhões de hectares foram retirados do processo produtivo em favor da preservação ambiental, especialmente da preservação dos abastecedouros de água. Proximamente, teremos uma redução expressiva da área de plantio na China e na Índia em função da necessidade de se retirarem do processo produtivo imensas áreas produtivas, em benefício dos aqüíferos. 

Portanto, no último ano, tivemos a menor área de plantio no mundo, desde 1972. E, por isso, ao final da comercialização da safra do último ano, restaram, em estoque, produtos que seriam suficientes para o consumo no mundo durante apenas 86 dias.

Sr. Presidente, é preciso que as nações poderosas entendam que a política do egoísmo, do imediatismo, a política do quanto mais melhor, da ambição desmedida de riquezas, contraria os interesses da celebração da paz universal.

Sr. Presidente, não há dúvida: a justiça é a irmã preferida da paz!


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2002 - Página 10464