Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a clonagem humana terapêutica, por ocasião da realização no Senado Federal, a partir de amanhã, de seminário sobre o tema.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Reflexão sobre a clonagem humana terapêutica, por ocasião da realização no Senado Federal, a partir de amanhã, de seminário sobre o tema.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2002 - Página 11251
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, SEMINARIO, CLONE, REPRODUÇÃO HUMANA, VALOR TERAPEUTICO, REPRODUÇÃO, ORGÃO HUMANO, CRITICA, CONGRESSO NACIONAL, DEMORA, APRECIAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO.
  • APOIO, REALIZAÇÃO, DEBATE, PARTICIPAÇÃO, CIENTISTA, AUTORIDADE RELIGIOSA, MEDICO, BIOLOGO, DISCUSSÃO, ETICA, BENEFICIO, PREJUIZO, CLONE, REPRODUÇÃO HUMANA.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SOLICITAÇÃO, PARLAMENTAR ESTRANGEIRO, PROIBIÇÃO, CLONE, REPRODUÇÃO HUMANA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, AUMENTO, DEBATE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos às vésperas de um evento de grande importância no Senado Federal: o seminário sobre clonagem humana. Neste momento, o Parlamento brasileiro identifica-se com um tema de preocupação do Brasil inteiro, de modo muito especial das autoridades científicas nos campos médico e bioético, das autoridades religiosas do Brasil, das universidades brasileiras. Até a grande televisão brasileira já lançou a reflexão do tema por meio de uma novela, que aborda esses problemas e, mesmo de modo superficial, já traz uma grande contribuição à matéria.

O Senado Federal tem o dever de legislar, de encontrar o caminho legislativo que ampare à sociedade na regulamentação dessa grande matéria, que se abre em dois caminhos especiais: um que diz respeito à clonagem terapêutica, ou seja, à utilização de células embrionárias com a finalidade de salvar vidas, como afirmam os autores dessa tese; e a clonagem reprodutiva, de outra natureza, reflexão que hoje a televisão brasileira tenta expor por meio da mencionada telenovela.

Trago uma contribuição sobre esse assunto. O Senador Sebastião Rocha é o autor do requerimento para realização desse seminário, de grande importância para o Senado Federal, do qual participarei, juntamente com outros Senadores.

O Senador Lúcio Alcântara apresentou uma matéria em 1999, que envolve também a temática sobre a reprodução assistida. Posteriormente, o Senador Roberto Requião apresentou um substitutivo ao projeto de lei do Senador Lúcio Alcântara, devidamente aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Eu, como membro da Comissão de Assuntos Sociais, apresentei outro substitutivo, e estamos em fase final de votação e conclusão da matéria, por parte do Senado Federal, em relação à reprodução assistida. Nesse projeto de lei, já está explícita a proibição da clonagem humana neste momento da vida nacional, até que a ciência encontre as amplas conseqüências em relação à matéria. Então, trago ao Plenário uma reflexão que julgo importante atualmente.

Sou testemunha da forma pela qual a imprensa brasileira vem tentando inserir-se na discussão do delicado tema da clonagem humana, seja para fins reprodutivos ou terapêuticos. Em menos de um ano, tivemos a chance de refletir sobre editoriais e matérias veiculados por jornais e revistas tratando dessa densa matéria, nos quais destaca-se uma forte tendência favorável à clonagem “com fins terapêuticos”.

É necessário, entretanto, considerar a pluralidade de idéias que o tema envolve. Não podemos esquivar-nos de discutir, à exaustão, os aspectos éticos, bioéticos, culturais, religiosos, científicos, antropológicos e políticos, indissociáveis de tal assunto.

Parece-me demasiado simplista a tese que desqualifica a visão daqueles que defendem a proibição da clonagem terapêutica sob o argumento de que, cerceando-se o desenvolvimento científico, impedindo-se o alcance à tecnologia tão promissora para as relações multilaterais, ao Brasil caberia o ônus do atraso.

Parece-me ainda mais simplista considerar que aqueles que não concordam com a clonagem terapêutica estejam gerando uma discussão estreita, que desconsidera outros aspectos que não os de cunho moral ou religioso.

Nesse desafiante debate, não existem os “donos da verdade”. Não se trata, tampouco, de um debate entre liberais e conservadores. É preciso ter claro que o desenvolvimento das ciências naturais, particularmente da biotecnologia, pressupõe o estabelecimento de fronteiras. Questões morais, éticas e culturais sempre estiveram presentes, ao longo da história, nas discussões sobre as técnicas e os procedimentos, especialmente no que toca ao campo científico. Se, de um lado, embates éticos, morais e filosóficos resultaram em incompreensões e injustiças que calaram gênios da ciência, como Galileu Galilei e Giordano Bruno, por outro lado, contribuíram para denunciar e conter abusos como os cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, em suas experiências genéticas com judeus. Aos olhos dos nazistas, a vida dos judeus não valia nada, não era considerada vida perto do alcance científico dos experimentos levados a efeito e cujos resultados tanto influenciaram a ciência da genética. Aos olhos dos demais povos do mundo, porém, constituíram-se em assombroso crime contra a dignidade humana.

A questão é tão séria que hoje não há país desenvolvido ou em vias de desenvolvimento que não disponha de seus códigos de ética, de suas comissões ou conselhos de ética, de seus comitês disciplinadores, de seus conselhos fiscalizadores, cuja razão de existir é, acima de tudo, estimular as conquistas científicas a favor do homem.

Julgo, pois, precipitada a opinião expressamente favorável à clonagem para fins terapêuticos, ainda que sob o argumento de que tal opinião respalda-se na confluência com as idéias de poderosas organizações científicas; de que se trata de um dos mais promissores campos da investigação médica; de que seriam beneficiados os numerosos portadores de doenças como diabetes, Alzheimer e cânceres bem como as milhares de vítimas de acidentes que padecem de tetraplegias ou outras lesões medulares.

Não é de se estranhar que essas novas fronteiras do conhecimento tragam novas, justificadas e imediatas admirações. Afinal está lançada uma nova luz sobre a vida humana. Pressupõe-se, entretanto, uma análise preliminar para assegurar se tais aplicações e atos são eticamente aceitáveis. Seguramente o limite da ciência está condicionado à dignidade humana. A vida humana é sagrada, não estando, pois, à disposição de ninguém nem o seu término, nem muito menos o seu início.

Todos sabem que o aborto e a eutanásia são parte inerente da controvérsia e das polêmicas éticas e políticas do nosso tempo. Possivelmente o tema da clonagem terapêutica estará inserido nelas pelas mesmas razões. Estudos com células-tronco pressupõem claramente consumo embrionário. Muitos hão de dizer que não se trata da vida humana, pois o embrião, ao servir como matéria-prima para o estudo de células-tronco, ainda não é entendido como ser humano e nem encontra tutela civil.

Ora, o homem não é produto do acaso, não foi ele próprio que se criou e muito menos lhe tem sido dado o direito de abusar da vida de outros. Fica claro, pois, que a dignidade humana é direito intocável e pertence a todos. Nessa discussão, é fundamental situar doutrinariamente a questão do estatuto jurídico do embrião, tal como é tratada atualmente nos meios acadêmico-jurídicos.

De acordo com o Professor Eduardo de Oliveira Leite, Doutor em Direito Civil, há uma corrente eclética no Direito que advoga a tese de que o embrião humano é dotado, desde o primeiro momento de sua existência, de autonomia, que não é humana, no sentido de um ser dotado de personalidade, como pretende a corrente concepcionista, nem biológica, no sentido de conduzir inexoravelmente à categoria humana, como querem os desenvolvimentistas, mas uma “autonomia embrionária”. Nessa ótica, o estatuto específico do embrião seria o de “ser humano potencial” ou de “potencialidade da pessoa”.

Vale lembrar ainda que, como cristãos, acreditamos que Deus garante o valor e o sentido de cada vida. Ressalte-se ainda que o princípio sagrado da democracia é a intocabilidade da existência humana, inclusive a de sua integridade física.

Aquilo que se quer impingir como terapêutico ou científico é moralmente aceito? Será que não estamos mais uma vez amparados na doutrina maquiavélica de que os fins justificam os meios? Não deveria o desenvolvimento científico estar entrelaçado com o limite ético capaz de estabelecer a vida como paradigma? Não seria admirável compreender o útero como o berço sagrado da vida?

Muitos poderão dizer: “mas e os inúmeros benefícios? O embrião, às vezes, sequer chega ao útero materno antes de ser utilizado por meio de suas células-tranco”, ou mesmo a velha frase: “a ciência não pode ser submetida ao jugo de limites”. É evidente que não se pode estreitar o debate. A ciência não pode ser vista como a “mão única”. Quando alguém disser: “estamos a um passo de acabarmos com a rejeição aos órgãos transplantados com a utilização de tecidos produzidos por intermédio de células-tronco”, por que não indagar sobre o extraordinário desenvolvimento da biologia molecular, que pode trazer benefícios equivalentes? Por que não cobrarmos mais incisivamente que os países ricos invistam menos na indústria da morte, em armamentos e guerras e partilhem um fundo internacional de ciência e tecnologia, para que possamos acreditar mais em nossa capacidade, inclusive de desenvolvimento de células-tronco de adultos, tema que compartilha clara aceitação ética.

Sinceramente, não julgo estar em jogo o exercício das liberdades, mas sobretudo a necessária reflexão ética e conceitual do início do terceiro milênio, talvez a era do conhecimento genético.

Nossas vozes do sul têm ecoado tão pouco no debate científico internacional, mas é pertinente e recomendável que reflitamos mais sobre essa matéria. Afinal, George W. Bush, Presidente do país que mais transgride padrões éticos e humanísticos nas relações multilaterais e onde quase sempre o que vale é a corrida tecnológica, acaba de pedir ao Congresso americano que decida contrariamente ao propósito da clonagem humana ou terapêutica.

Na Inglaterra, que tem ousado ir mais adiante, permitindo a clonagem terapêutica com restrições, o assunto ainda haverá de passar pelo crivo da Câmara dos Lordes.

No Brasil, o debate tem sido incipiente. Lamentavelmente, não tem sido dada a devida atenção à matéria, inclusive no Parlamento, onde sequer o tema da reprodução assistida tem tido conseqüência legislativa. E perceba-se que estamos há 25 anos de distância do primeiro “bebê de proveta”. Já são mais de oito mil os nascidos por meio dessa técnica em território nacional.

Há projetos importantes, como o PLS nº90, de 1999, de autoria do Senador Lúcio Alcântara, que recebeu um substitutivo favorável do Senador Roberto Requião, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e outro, de minha autoria, também favorável, na Comissão de Assuntos Sociais, cujo esforço tem sido de tornar representativo o pensamento da sociedade e da comunidade científica.

Preocupado justamente com o problema das experiências com células-tronco, procurei incluir em meu substitutivo um artigo permitindo o estudo daqueles embriões derivados das técnicas de reprodução assistida, que, após rigoroso procedimento ético, não obtiveram êxito em sua fixação no útero. Seria uma forma de garantir o prosseguimento de tais experiências, sem contudo infringir de forma indelével princípios éticos e fundamentais que têm norteado a vida no Planeta até o presente.

Enfim, fica aqui a solicitação de um amplo debate a ser promovido por esse admirável veículo de representação da sociedade bem como o desafio ao Parlamento brasileiro para que legisle e não se deixe, mais uma vez, conceituar pela máxima: “O político tem um oceano de conhecimento com um palmo de profundidade” ou, muito menos, que esse assunto seja tratado apenas por técnicos que podem merecer o ditado: “O técnico tem seu conhecimento representado por um poço de grande profundidade com um palmo de largura”.

Eram as considerações que gostaria de tecer, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2002 - Página 11251