Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da rejeição, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Projeto de Lei da Câmara 10, de 2002, que dispõe sobre o Código Nacional de Trânsito no que se refere à exploração e condução de veículos de aluguel.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.:
  • Registro da rejeição, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Projeto de Lei da Câmara 10, de 2002, que dispõe sobre o Código Nacional de Trânsito no que se refere à exploração e condução de veículos de aluguel.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2002 - Página 11253
Assunto
Outros > CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.
Indexação
  • ELOGIO, DECISÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, APROVAÇÃO, PARECER, REJEIÇÃO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CODIGO NACIONAL DE TRANSITO, REFERENCIA, EXPLORAÇÃO, TAXI.
  • REPUDIO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO, PROIBIÇÃO, MOTORISTA, TAXI, UTILIZAÇÃO, CONDUTOR AUTONOMO, AUXILIO, TRABALHO, IMPEDIMENTO, TRANSFERENCIA, CONCESSÃO, CRIAÇÃO, ESPECIALIDADE, CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, IMPOSSIBILIDADE, REDUÇÃO, JORNADA DE TRABALHO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, registramos, nesta tarde, a justa decisão dos ilustres Senadores que integram a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desta Casa, que aprovaram o parecer pela rejeição do Projeto de Lei nº 10, de 2002, que propõe alterar a Lei nº 9.503, de 1997, a Lei do Código de Trânsito Brasileiro, no que se refere à exploração e condução de veículos de aluguel.

Destacamos essa decisão, porque a proposta do PL nº 10, de 2002, interfere direta e drasticamente no dia-a-dia de centenas de taxistas deste País e de suas famílias e não podemos permitir que outros projetos com semelhante teor venham a comprometer a tranqüilidade e o trabalho dessa categoria que sempre contribuiu, de forma relevante, para o desenvolvimento econômico e social do País.

Por isso, propomos hoje uma reflexão sobre esse tema como forma de aplaudirmos a mobilização da categoria, que fez o alerta à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em especial ao Relator da matéria, principalmente para que toda esta Casa perceba o prejuízo que esse projeto, se aprovado nesta Casa, poderia acarretar a milhares de trabalhadores deste País.

Mantivemos vários contatos com taxistas e entidades representativas principalmente do Estado do Rio Grande do Sul e, inclusive, fizemos, em Porto Alegre, em 24 de maio último, uma reunião com representantes do Sindicato e da Federação dos Taxistas gaúchos, oportunidade em que a categoria, a exemplo do que ocorreu em todo o País, externou sua preocupação com o encaminhamento que esta Casa Legislativa poderia dar ao referido projeto.

Entidades representativas, como a Federação Nacional dos Taxistas e Transportadores Autônomos de Passageiros, a própria Confederação Nacional do Transporte e o Sindicato dos Taxistas Autônomos de Porto Alegres, ao lado de dezenas de associações, sindicatos e cooperativas, manifestaram-se contrários à proposição e apresentaram um abaixo-assinado com mais de 300 mil assinaturas, pedindo a sua rejeição. Esse projeto, que foi aprovado na Câmara dos Deputados, propunha a modificação de uma situação preexistente, prejudicando enormemente a categoria.

Entre os vários pontos que, a nosso ver, penalizam os taxistas brasileiros, destacamos:

1)     impedimento de o taxista permissionário ter auxiliar autônomo;

2)     impedimento de o taxista transferir sua permissão; e

3)     criação de uma nova Carteira de Habilitação, categoria “F”, exclusiva para taxistas.

Somente com esses três pontos, já podemos fazer uma análise e verificar os prejuízos e os problemas que esse projeto acarretaria a essa categoria profissional.

Atualmente, o número de táxis de uma cidade é proporcional à sua população real efetiva. A Lei nº 6.094, de 1974, regula a possibilidade de um mesmo veículo circular ou estar à disposição dos usuários durante 24 horas. Para tanto, o permissionário, ou seja, o proprietário do veículo, fica autorizado a ceder sua ferramenta de trabalho por dezesseis horas, em dois turnos de oito horas cada, para dois outros motoristas devidamente regularizados como condutores autônomos auxiliares. Isso assegura à população profissionais especializados, com exclusividade na atividade de taxista, e com curso de formação e aperfeiçoamento, inclusive para atender aeroportos e áreas turísticas, entre outros segmentos.

Nesse sentido, vale ressaltar a experiência que vem sendo desenvolvida no meu Estado, Rio Grande do Sul. Durante anos, particularmente em Porto Alegre, essa importante atividade foi tratada como bico, sem profissionais capacitados e sem receber a devida atenção do Estado. A situação que encontramos ao chegar à administração de Porto Alegre era um tanto problemática, tendo em vista as questões pendentes de solução. Então, buscamos, por intermédio de um novo projeto, um acelerado processo de mudança.

Nos últimos três anos, o Governo Democrático e Popular do Rio Grande do Sul efetivou a regulamentação e a fiscalização desse serviço, criando um conselho que reúne representantes da categoria e das prefeituras municipais, para discutir os problemas do setor e buscar soluções conjuntas. Os táxis gaúchos, em especial os de Porto Alegre, são permanentemente acompanhados pela Prefeitura e entidades representativas dos profissionais. O Governo investe na qualidade desses profissionais proprietários ou auxiliares, oferecendo cursos de inglês e espanhol, além de treinamento para recepção de turistas, entre outros serviços, medidas que visam garantir a segurança dos trabalhadores, usuários e da comunidade, bem como a excelência do serviço prestado.

Dessa forma, fica evidente que é possível termos, em todo o País, mão-de-obra e serviços especializados, fiscalizados e seguros, sem extrapolar a jornada de trabalho fixada em oito horas diárias pela Legislação Trabalhista brasileira e pela Organização Internacional do Trabalho.

Impedir a existência de auxiliar autônomo, como prevê o Projeto de Lei nº 10, de 2002, é desconhecer a realidade. O custo do táxi, incluindo despesas com compra e manutenção, é extremamente alto. Assim, é quase impossível o profissional arcar sozinho com essa despesa, sendo indispensável, para a sua sobrevivência, a parceria entre o permissionário e até dois auxiliares, como prevê a Lei nº 6.094, de 1974.

Sr. Presidente, no Brasil, de acordo com dados da Confederação Nacional dos Transportes - CNT, a operação dos serviços de táxi é realizada por aproximadamente 300 mil condutores autônomos, gerando diretamente 900 mil postos de trabalho, uma vez que quase todos os permissionários, com exceção dos que atuam em pequenas cidades do interior, têm um ou dois auxiliares.

Imaginem então, Sras. e Srs. Senadores, o caos social que seria criado com a extinção desses postos de trabalho. No País vice-campeão mundial do desemprego, não podemos compactuar com medidas que tirem o sustento dos trabalhadores e das trabalhadoras, que os impeçam de gerar novos empregos e que prejudiquem sua saúde e qualidade de vida, uma vez que a proposta prevê a impossibilidade de redução da jornada diária desses profissionais.

Sem auxiliares, os permissionários seriam obrigados a desenvolver as suas atividades sozinhos, a dirigir durante as 24 horas do dia, a fim de garantir o sustento de suas famílias, fato reconhecidamente impossível e, se praticado, extremamente danoso ao profissional, aos passageiros e à população em geral, tanto transeuntes quanto demais motoristas.

Também não podemos nos iludir acreditando que - como alguns defendem -, uma vez demitidos, os auxiliares tornar-se-iam permissionários da noite para o dia. Isso é uma falácia. A maioria desses auxiliares não tem condições econômicas de comprar e manter um táxi. Então, se os atuais permissionários, estabelecidos há dois anos, não conseguem arcar com tais despesas, os auxiliares, entrando no mercado agora, teriam muito menos condições de sobrevivência.

É forçoso lembrar ainda que o mercado, de certa forma, está saturado, não suportando um acréscimo de táxis que seria gerado com essa medida. Atualmente, para cada táxi, até dois novos táxis. Aumentar o número de táxis, especialmente nas grandes cidades, é contribuir para o caos urbano, multiplicando ainda mais os imensos engarrafamentos que existem hoje.

Da mesma forma, ao proibir que viúvas e herdeiros possam manter a autorização após a morte do titular, o referido projeto tira o ganha-pão de centenas de famílias em todo o território nacional. Como destituir os familiares do direito ao alvará se o mesmo foi adquirido por meio de pagamento? Se, no caso de morte do proprietário do táxi, a família não puder continuar operando, como sobreviverá?

Eis aí mais uma incoerência desse projeto. Se ele pretende elevar os padrões de segurança no trânsito, como é apresentado em sua justificativa, como pode tornar intransferíveis as autorizações e permissões conferidas, levando insegurança a centenas de taxistas que, após muitos anos de trabalho árduo, não poderiam transferir nenhum direito patronal a terceiros ou mesmo legá-lo a seus familiares e herdeiros?

Muitas vezes, um só veículo constitui emprego e fonte de renda de três a quatro famílias, em que o pai é titular e a esposa, os filhos e os genros são auxiliares. Na falta do titular, seus herdeiros diretos e indiretos continuam a suprir a família com a receita gerada pelo táxi. Entretanto, o Projeto de Lei nº 10, de 2002, propõe a extinção de toda essa convivência e dos benefícios sociais sem considerar o fato de que, no Brasil, ainda não há condições de geração de empregos suficientes para absorver a demanda surgida, caso a proposição seja aprovada e milhares de pessoas tenham que buscar outras atividades.

Essa proposta tem também uma conotação social profundamente injusta. Inviabiliza o proprietário autônomo de veículo de frota de táxi de ficar doente, de sofrer acidente, de empregar até dois auxiliares, de socializar com sua família a única fonte de renda. Ou seja, o que foi proposto é uma vergonha.

O impedimento da transferência também deve ser questionado, uma vez que vai contra o direito adquirido dos taxistas. Transferências são realizadas há décadas, inclusive com alvarás judiciais em casos de inventários, sem qualquer tipo de problema.

Portanto, as representações dos taxistas em todo o País consideram a proposta de criação de uma nova categoria de habilitação, outro item do PL 10/2002, mais uma medida burocrática que se transmutará em mais uma taxa a pesar sobre os ombros desses profissionais já tão penalizados.

Uma das condições para se obter a carteira “F” seria a realização de curso específico. No entanto, os motoristas e táxi já freqüentam aulas específicas para tornarem-se aptos a atuar no mercado, que estão sendo ministradas atualmente pelo Serviço de Segurança e Transporte/Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte. Se isto não acontece em todo o Brasil, já é hora de administrações, governos e sindicatos assumirem essa tarefa.

Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, em seu relatório, acertadamente, o Senador Osmar Dias emitiu parecer contrário à matéria por considerá-la inconstitucional e por entender que sua aprovação é sinônimo de desemprego para mais de 150 mil profissionais em todo o País. Vale registrar que, para o Sindicato dos Taxistas Autônomos de Porto Alegre, a aprovação do PLC 10, de 2002, prejudicaria cerca de um milhão e duzentos mil brasileiros e brasileiras.

O Relator vai além em sua avaliação. Para ele, “a pretexto de alterar o Código de Trânsito Brasileiro, os artigos 1º e 2º do projeto invadem a competência municipal de legislar sobre assuntos de interesse local bem como organizar e prestar direta ou indiretamente os serviços públicos de interesse local”, palavras textuais do Relator. Dessa forma, o PLC 10, de 2002, padece de incostitucionalidade.

Se aprovado, esse projeto feriria a competência do executivo municipal, posto que o município é obrigado a fazer e realizar a gestão do trânsito e do transporte, seguindo suas características locais corretamente, segundo a Constituição Federal e o CTB.

Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, devemos ter consciência de que propostas desse tipo representam um retrocesso em termos de conquistas sociais de uma categoria profissional. Além disso, são danosas ainda ao exercício da profissão, pois desestruturam a organização de uma sistemática consubstanciada em lei federal.

A Lei nº 6.094, de 1974, tem como objetivo propiciar profissionais especializados, responsáveis, cadastrados e filiados a entidades representativas. Permite assegurar ao administrador municipal o controle das permissões concedidas para exploração dos serviços de táxi, considerando-se a necessidade de cada localidade deste País, e garante ao prestador desses serviços as condições de operacionalidade, de forma a lhe permitir uma remuneração relativa pelo trabalho desenvolvido, além do reembolso das despesas com seu custo operacional.

Inegavelmente, o PLC 10, de 2002, se aprovado, remeteria à informalidade a profissão de taxista, atividade indispensável às necessidades do País, em especial nas cidades de médio e grande porte. Votar pela sua aprovação seria incorrer em incoerência, ir contra os interesses dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros e desconsiderar o relevante papel social desempenhado por essa categoria.

Ao corrigir o equívoco cometido pela Câmara dos Deputados, que aprovou esta proposta, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado agiu com justiça e sensibilidade diante da dramática situação dos taxistas brasileiros e de suas famílias, que corriam o risco de perder seus empregos e sua fonte de renda. Aprovar o correto parecer do relator da matéria significou um importante reconhecimento aos legítimos direitos dessa categoria, conquistados em anos de luta.

Portanto, Sr. Presidente, nossos cumprimentos aos parlamentares integrantes da Comissão de Constituição e Justiça desta Casa, que se empenharam pela rejeição do PLC 10, de 2002, e às taxistas e aos taxistas deste País, que mostraram, mais uma vez, que trabalhadores unidos e mobilizados são imbatíveis. À categoria nossa solidariedade, nossa luta e nosso compromisso!

Se esse projeto chegar ao Plenário, deve ser também considerado inconstitucional e deve ser rejeitado. É impossível, neste momento em que o nosso País é vice-campeão mundial de desemprego, ainda estarmos aqui legislando a respeito de um projeto que retira o pão de cada dia, o salário de milhares de brasileiros.

Era esse o registro que eu queria fazer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2002 - Página 11253