Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise dos resultados do Censo 2000, realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Análise dos resultados do Censo 2000, realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2002 - Página 10907
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, RESULTADO, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), MELHORIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO CULTURAL, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, PAIS.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, ESCOLARIZAÇÃO, CRIANÇA, GRAVIDEZ, ADOLESCENCIA, DESEMPREGO, DIVERSIDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, REDUÇÃO, MEMBROS, FAMILIA, MORTALIDADE INFANTIL, CRESCIMENTO, AQUISIÇÃO, APARELHO ELETRONICO, APARELHO ELETRODOMESTICO, AUTOMOVEL, ACESSO, POPULAÇÃO, ELETRICIDADE, AGUA, ESGOTO, COLETA, LIXO.
  • COMENTARIO, PLANO, REAL, ESTABILIDADE, ECONOMIA, CONSOLIDAÇÃO, AREA, EDUCAÇÃO, SAUDE.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a divulgação dos dados preliminares do questionário completo do Censo 2000 oferece uma valiosa radiografia da realidade brasileira, da qual se podem extrair muitos ensinamentos. Afinal, um retrato amplo e fiel como esse, traçado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, constitui um instrumento precioso para avaliar as reais necessidades de nosso povo, bem como os efeitos das políticas de Estado e de Governo. Não se pode esquecer que tais políticas não atuam no vazio, ou sobre uma matéria-prima dócil e submissa, mas em um quadro social, econômico e cultural de grande complexidade.

Temos de, necessariamente, atuar sobre essa realidade, e não sobre qualquer outra que idealizemos. E a análise e a reflexão sobre esses dados, resultantes da maior pesquisa que se faz sobre o País, permitem-nos não apenas perceber a dinâmica própria da sociedade brasileira e avaliar o que já foi feito, mas também eleger objetivos e prioridades para futuras ações.

O Brasil se movimenta, se transforma - eis uma conclusão básica a que chegamos, ao compararmos os dados do Censo 2000 àqueles obtidos no Censo anterior, realizado em 1991. Nem sempre na direção que queríamos e raramente no ritmo que escolheríamos, mas, ainda assim, obtendo algumas grandes conquistas, que, objetivamente, não podem ser desprezadas.

O Brasil é, hoje, um país mais instruído. São notáveis os avanços na escolarização, nos diversos níveis, a começar pelos mais básicos. Na idade de 7 a 14 anos, o percentual de crianças na escola atinge os 94,9%. Esse resultado assinala um grande progresso nos nove anos que o separam do Censo de 1991, no qual a mesma taxa foi de 79,5% - um crescimento, portanto, de mais de 15 pontos percentuais.

A diferença é ainda maior na faixa de 5 e 6 anos, onde a taxa de escolarização pulou de 37,2% para 71,9%. Persiste, entretanto, uma grande carência na capacidade de atendimento das creches, que só alcança 11,6% das crianças de 0 a 3 anos.

Mas, como dissemos, o aumento da escolarização se verifica em todos os níveis. Na pré-escola, ele foi de 196%, com a inclusão de 4,7 milhões de crianças. No nível médio, o crescimento em relação a 1991 foi de nada menos que 209%, incorporando igualmente 4,7 milhões de jovens. Crescimento proporcionalmente maior se deu no nível de pós-graduação, de cerca de 319%, correspondente aos 218 mil estudantes que cursavam mestrado ou doutorado no ano 2000.

Essas amplas melhoras não implicam a superação de graves problemas educacionais em nosso País. Quase um terço, ou 31,4%, da população com mais de 10 anos não concluiu o primeiro ciclo do ensino fundamental, que vai até à quarta série, sendo portanto considerada analfabeta funcional. Mas não há como contestar, Srªs e Srs Senadores, um grande progresso na inclusão educacional. Estamos no caminho certo, é necessário dar continuidade a ele para atingirmos, em médio prazo, a universalização do ensino fundamental, preconizada em nossa Lei Magna.

Outra vitória incontestável, que superou as estimativas e mesmo a meta estabelecida pela ONU para nosso País, foi a da queda da taxa de mortalidade infantil, de 48 por mil nascidos vivos em 1990 para 29,6 em 2000, o que corresponde a uma redução de 38,3%. Esse resultado é importante em si mesmo e também porque indica avanços consistentes em vários aspectos da saúde da população e da sua qualidade de vida. As diferenças regionais, no entanto, continuam muito grandes e expressam a necessidade urgente de equilibrarmos o desenvolvimento nacional: se a taxa de mortalidade do Sul e do Sudeste ficou próxima aos 20 por mil, a do Norte foi de 29,2, e a do Nordeste, de 44,2. Vale destacar que, mesmo assim, foi nessas duas últimas Regiões que a mortalidade infantil mais diminuiu, pois suas taxas eram, em 1991, de 45,1 no Norte e de 72,9 por mil nascidos vivos no Nordeste.

A fecundidade das mulheres brasileiras, por sua vez, manteve a tendência de queda das décadas anteriores, a respectiva taxa variando de 2,9 filhos por mulher em 1991 para 2,35 em 2000. Mesmo o Nordeste, tradicionalmente conhecido por sua alta fecundidade, ficou com uma taxa de 2,6 filhos por mulher, equivalente à da Argentina. O dado mais preocupante, nesse tópico, é o do aumento do número de adolescentes que se tornam mães, indicando muitas vezes a ocorrência de uma gravidez não desejada.

Certamente, a diminuição de tamanho não é a única mudança ocorrida na família brasileira, que agora tem um tamanho médio de 3,5 pessoas. O número de famílias chefiadas por mulheres passou, em 9 anos, de 18% a 24,9%, ou seja, a um quarto das famílias brasileiras. A renda média das chefes de família era, em agosto de 2000, de R$ 591,00, ainda bem abaixo dos R$ 827,00 ganhos, em média, pelos chefes de família de sexo masculino. Ainda no que se refere a família, verificamos um considerável crescimento das uniões consensuais, sem casamento civil ou religioso, passando de 18,3% no censo anterior para 28,3% do total de uniões.

O Censo 2000 mostrou um decréscimo do número de fiéis da Igreja Católica; mas eles ainda constituem, por ampla margem, o maior segmento da população, ou seja, 73,8% dos brasileiros. Aumentou o número dos que não professam qualquer religião, de 4,8 para 7,3%; e, ainda mais expressivamente, o número dos que professam cultos evangélicos, de 9,1 para 15,5%.

Já em relação ao perfil étnico de nosso País, as mudanças aferidas pelo censo certamente traduzem, acima de tudo, um processo de afirmação de identidade de grupos que enfrentam discriminação, o que constitui, sem dúvida, um dado bastante positivo. Assim, mesmo que a população de índios brasileiros venha aumentando, isso não basta para explicar o salto dos 294 mil indígenas contados no Censo de 1991 para os 701 mil apurados em 2000. Também cresceu, na proporção de 24%, o número dos que se declararam de cor preta, alcançando assim 10 milhões e 400 mil pessoas.

Sr. Presidente, a taxa de desemprego obtida no Censo 2000, de 15% da população economicamente ativa, vem sendo objeto de certa perplexidade e questionamento, sobretudo por estar muito acima da taxa de 9,7% apurada, para o ano de 1999, pela Pnad - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - também de responsabilidade do IBGE; e, ainda, por parecer contrariar os dados das diversas pesquisas conjunturais relativas ao ano de 2000. A discrepância parece explicar-se por diferenças de método, que vão do período de realização da pesquisa a definições práticas ou conceituais sobre trabalho e procura de trabalho. Conforme a avaliação de Marcelo Néri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, “a desocupação no Censo (estaria), de alguma forma, incorporando a má qualidade de emprego nas áreas mais carentes”. De qualquer modo, é muito importante deslindar essa questão do ponto de vista técnico, pois ela tem relevantes implicações para a definição de políticas públicas de combate ao desemprego.

Se também no que se refere às aferições da renda do trabalhador pode haver o efeito de mudanças metodológicas, é certo que se revela uma real dificuldade da economia brasileira em garantir, de modo consistente, tanto o aumento da renda como uma melhor distribuição dessa renda. De acordo com os dados do Censo, quase um quarto dos trabalhadores brasileiros - ou 24,4% - recebe mensalmente até um salário mínimo, enquanto cerca de metade deles - ou 51,9% - ganha até dois salários mínimos. Persistem as desigualdades acentuadas entre as Regiões: no Nordeste, chegam a 73% as pessoas ocupadas com rendimento de até dois salários mínimos. Na faixa superior, ficou em 2,6% o índice das pessoas empregadas no País que recebem mais de 20 salários mínimos.

Desenha-se nitidamente, por outro lado, o aumento na aquisição de bens duráveis pela população. A televisão, o rádio e a geladeira estão, de acordo com o Censo, em mais de 80% das 44 milhões de residências no País. Em relação a 1991, houve um aumento de 42% nas famílias que dispõem de automóvel e de 26% nas que possuem máquina de lavar. Esse crescimento do consumo parece estar relacionado, entre outros fatores, a um provável aumento da renda familiar; ou seja, a soma dos rendimentos dos membros da família que trabalham deve ter crescido, em média, embora essa estatística ainda não tenha sido divulgada pelo IBGE.

Os anos 90 também trouxeram um aumento generalizado no acesso a serviços considerados essenciais - como água encanada, esgoto, eletricidade e coleta de lixo. O acesso a eletricidade encaminha-se para a universalidade, alcançando 93% das residências. A quantidade de residências com esgoto ou fossa séptica subiu, em relação a 1991, 53,9%.

No âmbito dos serviços, o aumento mais espetacular da década foi o de acesso ao telefone. Passamos de 6,4 milhões de domicílios com pelo menos uma linha telefônica em 1991 para 17,7 milhões de domicílios, traduzindo-se em um aumento de 176%.

Temos diversas razões para determos o olhar sobre o quadro que o Censo 2000 nos apresenta. Ainda que se trate, no presente momento, da divulgação de estimativas com base em uma amostra parcial dos dados obtidos nos questionários completos, espera-se que as discrepâncias com os resultados finais, caso haja, sejam bem pequenas.

Com todos os imensos problemas que nosso País ainda conserva, podemos ter a certeza de que diversos avanços sociais estão se consolidando. Os ganhos obtidos na área de educação e de saúde representam importantes conquistas do regime democrático, consistindo, sobretudo, em uma vitória das classes menos favorecidas.

Por outro lado, são consideráveis os desafios que nos lançam alguns dos seus dados. O Plano Real representou o feito inédito de um plano de estabilização econômica bem-sucedido e duradouro, concedendo, em seu primeiro momento, ganhos reais às classes de menor renda e promovendo, assim, uma significativa distribuição de renda. No entanto, dificuldades trazidas por uma conjuntura econômica internacional adversa tiveram papel preponderante para que esses ganhos das classes trabalhadoras fossem, ao longo do tempo, minimizados. Resta incontestável que a economia brasileira mostrou capacidade para suportar galhardamente os efeitos das diversas crises que se lhe antepuseram, ao contrário, por triste exemplo, do sistema econômico de nossos vizinhos argentinos.

Ao analisarmos o conjunto dos dados que nos mostra o Censo 2000, é inevitável pensarmos que a sociedade brasileira, em seu conjunto, apresenta avanços que se devem fazer irreversíveis; que a década de 1990, que consolida o retorno ao regime democrático, não passou em vão, nem foi tempo perdido; e, enfim, que ao buscarmos, Sr. Presidente, soluções que correspondam aos novos e prementes desafios, não devemos nem podemos desfazer-nos daquilo que já foi conquistado, fruto dos esforços coletivos de uma Nação que seguimos construindo.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2002 - Página 10907