Discurso durante a 85ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos 111 anos de existência do Senado da República.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos 111 anos de existência do Senado da República.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2002 - Página 11615
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SENADO, REPUBLICA, OPORTUNIDADE, ANALISE, RELEVANCIA, INSTITUIÇÃO PUBLICA, REPRESENTAÇÃO, FEDERAÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, DEMOCRACIA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente; Srªs e Srs. Senadores; Ministro Edson Vidigal, do Superior Tribunal de Justiça; senhores convidados; senhoras e senhores, “O Senado tem sido ao longo de nossa História o palco de todas as lutas pela liberdade de nosso povo. A sua gloriosa missão em sua existência sesquicentenária tem sido a resistência à opressão e a constante porfia pelo fortalecimento de nossas instituições democráticas” - assim se pronunciou o saudoso Presidente Tancredo Neves, em 14 de março de 1983, quando, em memorável discurso, despedia-se do Senado para assumir o Governo do Estado de Minas Gerais.

De fato, Sr. Presidente, o simples fato de existir e exercer suas competências em plenitude é motivo mais do que suficiente para que o Senado Federal da República Federativa do Brasil comemore diariamente sua própria existência, uma existência plena de significados, na medida em que vivemos, praticamos e buscamos aperfeiçoar a democracia que escolhemos como fundamento de organização para nossa Nação.

Neste ano, todavia, decidiu a Mesa Diretora realizar esta cerimônia comemorativa especial pela passagem dos 111 anos do Senado republicano, sem que, de modo algum, olvidemos o Senado do Império. Esta é uma das instituições mais antigas e permanentes que o Brasil tem, e dela este País deve se orgulhar por ser um sustentáculo da democracia e do processo político brasileiro.

Sr. Presidente, mais do que ocasião para festejos, vejo, nesta cerimônia, uma oportunidade ímpar para que reflitamos sobre o papel que o Senado desempenha na vida nacional e se ele está conforme àquele que a Nação espera desta Casa. E mais, Srªs e Srs. Senadores: é hora de buscarmos avaliar, com isenção, que imagem dele faz o povo brasileiro, sobretudo nestes tempos de mediatização de toda atividade política, quando a própria TV Senado nos expõe diariamente diante do povo.

De fato, importa, verdadeiramente, que não esqueçamos, em momento algum, o que seja, em sua essência mais profunda, uma Casa Legislativa como esta. O epíteto “Senado” tem sua etimologia ligada ao vocábulo “sênior”, sempre associado aos conceitos de maturidade, sabedoria, descortino. Desde tempos imemoriais, existem os conselhos de sábios ou anciãos, cuja principal função foi a de servir como poder moderador de conflitos, agir como magistratura e ordenar o direito consuetudinário dos povos. Assim se construiu, ao longo dos séculos, o conceito e o fundamento do Senado.

Na verdade, historicamente, os Conselhos de Anciãos, presentes na Antigüidade oriental (após o ano 4000 a.C.), correspondem à semente do que, mais tarde, tornar-se-ia Senatus - a mais remota assembléia política da Roma antiga.

Foi em Roma que o Senado se constituiu assembléia permanente, vindo a se tornar, especialmente na fase republicana (após 510 a.C.), a mais alta autoridade do Estado. Nesse período, o Senado romano assessorava e fiscalizava os cônsules - autoridades executivas máximas -, controlava o Judiciário, as finanças públicas, as questões religiosas, e, sobretudo, dirigia a política externa, inclusive em seu componente militar - vital naqueles instantes de conquistas expansionistas.

Se fizermos um paralelo com o Senado brasileiro moderno, veremos que muitas dessas atribuições permanecem conosco, mesmo passados tantos séculos após a queda do Império Romano. E outras tantas, da mais alta responsabilidade, vieram juntar-se a elas à medida que se modernizou a organização das sociedades.

A verdade é que o Senado sempre serviu como elemento de controle do Poder Executivo, mesmo nas monarquias. Por isso, o incômodo que freqüentemente causou e causa. Em conseqüência, e sempre que a ocasião se lhes apresentou, os governantes buscaram dele se desembaraçar. E com o nosso Senado não foi diferente. Fechado na Proclamação da República, seria necessário esperar dois anos para que o Senado pudesse recuperar sua função. E, em diversos outros momentos destes 111 anos - aqui muito bem recapitulados no memorável discurso do Senador Pedro Simon -, veríamos serem fechadas as portas e caladas as vozes do Parlamento brasileiro pelo arbítrio dos que temem a democracia.

Se, por vezes, este Senado serviu de reduto do conservadorismo, da oligarquia dominante, isto não é apanágio do Brasil, mas fato histórico que se constata em praticamente todas as civilizações hoje tidas como democráticas, desde a Antigüidade até nossos mais recentes dias. De fato, a democratização da representação parlamentar senatorial é algo recente na história dos povos. Durante muitos séculos, associou-se sabedoria e senescência à riqueza e ao poder socioeconômico e não à representatividade popular. Tanto isso é verdade, que o Senado Imperial brasileiro exigia de seus membros uma renda mínima pessoal de 800 mil réis, o que corresponderia, hoje, a uma renda mensal de algo em torno de R$50 mil a R$60 mil. Visto hoje, tal preceito seria motivo de escândalo, mesmo no Brasil, e daria ensejo a acusações de discriminação e abuso de poder econômico.

Sr. Presidente, o Senado, em nossa tradição republicana, constitui-se na Casa de representação da Federação. Lembremo-nos de que o Estado brasileiro, ao tempo do Império, não era federado, mas, sim, unitário, dentro da concepção das monarquias européias. Aliás, monarquia e federação são dificilmente combináveis de forma harmônica. Ao ser proclamada a república no Brasil, o modelo em que se espelharam os organizadores da nova ordem foi o estadunidense, o que implicou a adoção da fórmula federativa. O interessante é a distância entre a história norte-americana e a brasileira. Lá, de fato, a formação da nação se fez a partir de uma montagem federada, enquanto que aqui temos nossas origens no unitarismo luso. Talvez por isso, até hoje, a estrutura federativa brasileira sofra tantas distorções, muitas vezes aqui denunciadas, desequilíbrios e dificuldades para se concretizar.

Por mais contraditório que possa parecer, o Senado brasileiro encontra nesse conflito entre decisão de ordenamento federativo e renitente prática de tendência unitária sua razão mais profunda de existência como poder representativo da organização do Estado brasileiro. No princípio da representação paritária entre todos os entes da Federação, reside o sinal da busca do equilíbrio entre os diferentes componentes da Nação brasileira. Por isso, não há, no Senado, pequenos ou grandes Estados, atrasados ou desenvolvidos, ricos ou pobres, populosos ou inabitados. Há apenas Estados!

Assim, Sr. Presidente, tivemos, na República Velha, também lembrada aqui pelo Senador Pedro Simon, memoráveis embates entre o baiano Rui Barbosa e o gaúcho Pinheiro Machado. Senadores que faziam do Senado palco central das grandes questões nacionais, apesar de o Presidente da República ser mineiro ou paulista na famosa política “café-com-leite”. Rui Barbosa, republicano convicto, defendia com oratória brilhante suas convicções, combatendo sempre um Pinheiro Machado, que, sem o mesmo brilhantismo de tribuna de seu oponente, não lhe ficava atrás na sagacidade e, mais que tudo, sabia, como ninguém de seu tempo, manobrar os cordéis do poder, exercendo ascendência incontrastável entre seus pares e mesmo sobre os Presidentes da República.

Desse modo, Sr. Presidente, mesmo nas décadas de turbulência política republicana, o Senado nunca interrompeu sua tradição de centro de grandes debates e de encaminhamento das questões nacionais. Nem as diversas vezes em que foi fechado por decisões do arbítrio foram suficientes para retirar-lhe a chama da discussão da nacionalidade.

Mesmo no período do regime militar, tal tradição se manteve. Prova disso, Srªs e Srs. Senadores, é que o Senador Jarbas Passarinho, convicto defensor da ordem que se estabeleceu em 1964, pode terçar lanças com ilustríssimos oradores da Oposição parlamentar. Assim, debateu com o eminente Senador Paulo Brossard, herdeiro da nobilíssima linhagem de polemistas gaúchos. Com os Senadores Franco Montoro, Marcos Freire e tantos outros. De fato, este plenário assistiu a inolvidáveis duelos entre brilhantes oradores - como Petrônio Portella - que foram, sobretudo, parlamentares de convicção.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo fazer um pequeno parêntese no discurso que trago escrito, para me referir ao discurso do Senador Pedro Simon, que fez um levantamento minucioso dos Senadores ilustres que tiveram a oportunidade de intervir, com suas palavras e idéias, nos debates travados ao longo dos anos neste plenário. E para fazer não diria um reparo, talvez um complemento histórico que ajudaria a colocar no devido lugar uma figura já mencionada pelo Senador Pedro Simon e que ocupou, Senador Ramez Tebet, a cadeira que V. Exª ocupa hoje: o Senador Auro de Moura Andrade.

Não tive a oportunidade de conhecê-lo, nunca o cumprimentei. Mas penso que S. Exª não deve ser lembrado apenas por aquela passagem infeliz, citada pelo Senador Pedro Simon em seu pronunciamento, mas também pelo comportamento que teve em outras circunstâncias. S. Exª foi um dos que se insurgiram, ao lado de tantos outros, contra os excessos, contra a atitude autoritária que o governo militar veio a tomar ao longo dos anos, após a sua implantação.

Uma trajetória política longa, na maioria das vezes, não se faz apenas de ações e palavras luminosas; há momentos de luz e sombra. E a justiça da História é aquela que relembra todos esses passos.

O Senador Auro de Moura Andrade, no seu comportamento político, na sua atuação política, insurgiu-se, como disse, contra os excessos, contra os desvios dos governos militares. E na sua reação cunhou uma frase que ficou para a história: “Japona não é toga”.

Por isso mesmo caiu em desgraça e teve a sua vida política impedida, e obstaculizada, saindo da política sem mais poder exercê-la. Faço apenas este registro para que não fique anotado, na História e nos Anais do Senados, apenas aquela passagem em que declarava a vacância da Presidência da República, quando o Presidente João Goulart, eleito e constitucionalmente Presidente do País, ainda se encontrava no território brasileiro, no Estado do Rio Grande do Sul; ou quando ele exortava a participação dos militares ou a sua intervenção para corrigir os rumos que julgava serem inadequados para o Brasil.

Era este o registro, Senador Pedro Simon, que gostaria de fazer para que também fique registrada essa fase da vida política do Senador Auro de Moura Andrade.

Na verdade, nobres Senadoras e Senadores, também no Senado de hoje, temos o privilégio de assistir a grandes oradores. Um deles, com toda justiça, foi o que me antecedeu, um dos nomes ilustres deste Senado e um grande orador, sempre ouvido com muita atenção por todos nós, Senador Pedro Simon.

Debater, de forma dura e firme, mas nobre e digna. Esse é o paradigma da ação parlamentar na tribuna senatorial. O uso da oratória é uma das mais nobre prerrogativas dos Senadores. E o Senador Pedro Simon disse com muita propriedade: a tribuna é a alma do Senado.

Em política, é importante ter princípios, mas também saber compreender que nem todos pensam do mesmo modo que nós na sociedade em que viemos. Caminhos há e são vários. Precisamos saber convencer as pessoas a escolherem o que lhes seja melhor em uma determinada época histórica. Com convicção, mas com vontade de dialogar. Posições firmes, mas capacidade de conciliação em torno do que é melhor para o País. Vergar para não quebrar. Defender, mas transigir, mesmo em momentos difíceis.

            Srªs e Srs. Senadores, depois de décadas de instabilidade política, nas quais o Parlamento brasileiro se viu, muitas vezes, cerceado pelo Executivo, vivemos hoje um momento de rara afirmação do Legislativo. De fato, dentro do período republicano, este é o primeiro em que a ordem democrática não sofre contestações, nem se vêem grupos ou segmentos da sociedade reivindicando a subversão das nossas instituições. Ao contrário, o que temos visto todos os dias é o enfrentamento de nossas graves questões de desenvolvimento social através do debate e da escolha democrática das soluções a pôr em prática.

Nestes mais recentes anos, muito especialmente, o Senado tem mostrado que não é um clube, cujos associados se reúnem para tomar chá e discutir banalidades. Temos enfrentado com destemor problemas difíceis de serem resolvidos, mesmo quando o espírito de corporação possa estar envolvido. E há episódios recentes que confirmam o que estou dizendo.

Neste plenário se discutem as questões substantivas da nacionalidade e de organização da Federação. Porém, mais do que no plenário, lugar por excelência dessa discussão, é nas comissões temáticas permanentes que se opera o trabalho diuturno de análise e definição do arcabouço legal que regula as relações entre os membros da sociedade brasileira.

De fato, o Senado moderno extravasa de muito este nobre recinto. Suas diversas comissões técnicas permanentes atuam como câmaras de ressonância da sociedade e delas extraem a seiva que alimenta suas decisões. Um verdadeiro exército de dedicados e competentes funcionários e uma infra-estrutura de serviços em continuado processo de modernização e atualização nos facilitam o acesso à informação indispensável ao trabalho legislativo e nos permite exercer o mandato com a tranqüilidade e serenidade necessárias.

Não faz muitos dias, o Presidente Ramez Tebet instalou a Universidade do Legislativo Brasileiro, a Unilegis, em mais uma iniciativa do Senado da República na direção da construção da cidadania e da Nação brasileira. É o Senado atento às necessidades de modernização do Estado e de atendimento aos anseios da sociedade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é com indisfarçado orgulho e emoção que faço parte desta Casa, como Senador pelo Ceará, nestes tempos de amadurecimento democrático e em que completamos 111 anos de história senatorial republicana.

Ao concluir, enfatizo com a convicção que sempre me motivou no exercício do mandato parlamentar, que o importante é que o Senado da República permaneça a Casa da Federação, atuante e vigilante na construção da Nação brasileira. Que a democracia brasileira possa ser erigida com base em princípios de justiça e eqüidade e que desta Casa saiam as leis e o exemplo que facilitem a consecução deste desiderato.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

(Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2002 - Página 11615