Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

VI Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Posição contrária de S.Exa. à redução da idade penal no País. Implantação, no Rio Grande do Sul, da Fundação de Atendimento Sócio-educativo - Fase, que atende o menor infrator.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL. POLITICA SOCIAL. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL.:
  • VI Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Posição contrária de S.Exa. à redução da idade penal no País. Implantação, no Rio Grande do Sul, da Fundação de Atendimento Sócio-educativo - Fase, que atende o menor infrator.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Francisco Escórcio.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2002 - Página 11857
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL. POLITICA SOCIAL. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, CAPITAL FEDERAL, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, MENOR ABANDONADO, REPUDIO, PROJETO DE LEI, REDUÇÃO, IDADE, APLICAÇÃO, PENA.
  • COMENTARIO, COMPARECIMENTO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ACOLHIMENTO, REIVINDICAÇÃO, MENOR ABANDONADO, AUMENTO, INVESTIMENTO, ESCOLA TECNICA, UNIVERSIDADE, CULTURA, LAZER, ESPORTE, OCUPAÇÃO, JUVENTUDE, REPUDIO, PROJETO DE LEI, REDUÇÃO, IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CRIAÇÃO, OPORTUNIDADE, JUVENTUDE, REPUDIO, PROJETO DE LEI, REDUÇÃO, IDADE, APLICAÇÃO, PENALIDADE, CRITICA, SISTEMA PENITENCIARIO, INCAPACIDADE, READAPTAÇÃO, PRESO.
  • ELOGIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CRIAÇÃO, FUNDAÇÃO EDUCACIONAL, SUBSTITUIÇÃO, FUNDAÇÃO ESTADUAL DO BEM ESTAR DO MENOR (FEBEM), ATENDIMENTO, MENOR ABANDONADO, AUTOR, INFRAÇÃO PENAL, OBJETIVO, EDUCAÇÃO, READAPTAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, subo à tribuna do Senado Federal para registrar a realização de um evento ocorrido em Brasília, entre os últimos dias 6 e 9 de junho, que consideramos de fundamental importância para a democracia e principalmente para a formação da nossa juventude. Falo do VI Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua. O encontro, organizado pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, teve como objetivo discutir a tese contrária à redução da idade penal, a partir do lema “Adolescente cidadão não merece prisão e sim educação”.

Neste ano de 2002, mil meninas e meninos em situação de exclusão e violência - especialmente os com experiência de vida na rua -, de todos os Estados brasileiros, reuniram-se em Brasília para participar, durante quatro dias, de 25 oficinas pedagógicas, debates e plenárias, além de ações políticas e momentos culturais e lúdicos.

O encontro reuniu ainda educadores e colaboradores, representantes de organizações não governamentais nacionais e internacionais, autoridades governamentais, artistas e jornalistas da imprensa brasileira e estrangeira e representantes da classe política. Nós também participamos do evento.

No dia 6 de junho, no Plenário da Câmara dos Deputados, prestigiamos a abertura desse encontro, que foi a reunião da Comissão Geral sobre a Redução da Maioridade Penal. Não pudemos usar a palavra porque se tratava de reunião da Câmara dos Deputados, mas prestigiamos a reunião com a nossa presença juntamente com os meninos e meninas de rua e políticos presentes. Há um equívoco muito grande de quem pensa que, reduzindo a idade para os nossos jovens irem para a prisão, os problemas deste País, principalmente no que se refere à violência, estarão resolvidos.

Naquela oportunidade, mais de 500 meninos e meninas de rua, que vestiam camisetas estampando sua posição contrária à redução da maioridade penal, tiveram a oportunidade de usar da tribuna para deixar registrada sua mensagem, a sua indignação e suas propostas.

Para o evento, todos os candidatos à Presidência da República foram convidados, mas apenas o representante do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, compareceu à Comissão Geral para ouvir a reivindicação dos adolescentes e entidades representativas.

Na ocasião, Lula manifestou o desejo de discutir mais investimentos em escolas técnicas, universidades, cultura, lazer e em esportes que ocupem o tempo da juventude brasileira, em vez de debater a possibilidade de rebaixamento da idade penal. Para ele, um País que não cuida bem de seus jovens e de seus idosos tem uma grande dívida social. Enfatizou, ainda, a necessidade de fazer política para o Brasil com coragem de assumir compromisso com as crianças, os adolescentes e os aposentados, cujos direitos estão previstos na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente e até na Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Não podemos continuar aceitando que um Estado que faz boas leis seja o primeiro a transgredi-las”, ressaltou Luiz Inácio Lula da Silva.

Srªs e Srs. Senadores, documento entregue aos presentes, elaborado pelos meninos e meninas participantes do evento, apresenta a seguinte ponderação: “Como o rebaixamento da idade penal pretende minimizar o grave problema da delinqüência juvenil? Na prática, isso significaria agravar o caos da superlotação dos presídios, onde existem 235.460 presos, para 144.568 vagas; e por volta de 80 mil pessoas com mandados judiciais não cumpridos. É desistir definitivamente da possibilidade de educar, ao colocar o adolescente em contato com pessoas bem mais influentes e experientes no mundo do crime”.

Devemos refletir sobre essa realidade. A proposta de redução da idade penal, como aponta o referido documento, reflete uma cultura autoritária, incapaz de entender a juventude. Demonstra uma ideologia repressora que não percebe todo o contexto social, econômico e cultural que envolve a problemática da infância e da juventude no Brasil.

Para as meninas e meninos de rua de nosso País, “as medidas devem ter caráter pedagógico e ressocializador, para que o adolescente autor de ato infracional possa vivenciar novas experiências e construir um novo projeto de vida, com base em princípios de solidariedade, respeito e igualdade... Nesse sentido, propomos como alternativas à violência a busca de soluções comunitárias, investimento às políticas públicas, redução da desigualdade social e o respeito ao cidadão”. O Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua teve por objetivo central esclarecer a sociedade de que não há uma relação direta entre o aumento da violência e a idade penal e mostrar que os pontos do Estatuto do Adulto e do Adolescente ainda não foram totalmente implementados, especialmente, os que tratam das medidas sociais socioeducativas.

Atualmente, tramitam no Congresso Nacional aproximadamente 18 propostas de emenda à Constituição que visam reduzir a maioridade penal. No entanto, estudos do Departamento da Criança e do Adolescente do próprio Ministério da Justiça mostram que 90% dos crimes, no Brasil, são cometidos por pessoas com mais de 18 anos e que 73,8% das infrações cometidas por jovens atentam contra o patrimônio, sendo 50% desses correspondentes a furtos e apenas 8,46% dessas infrações atentam contra a vida. De cada 100 mil brasileiros, existem três infratores juvenis e 88 criminosos adultos. Os dados revelam ainda que, em 2000, 1.355 adolescentes foram vítimas de assassinato, enquanto 465 jovens foram acusados de homicídio. Isso significa que, para cada assassinato cometido por jovens, há três jovens vitimas de homicídio.

Esses números evidenciam que não podemos nos precipitar e defender a redução da idade penal, imputando aos nossos jovens “punições exemplares”, como querem alguns setores da sociedade. Eles não são algozes. São também, e em muitos casos, vítimas da escalada da violência.

É preciso analisar detalhadamente o crescimento da violência, especialmente na juventude, segmento por natureza questionador dos limites. Mas, acima de tudo, portador de profundo espírito fraterno e coletivo. Antes de culpar os jovens pelo que ocorre, sem que isso signifique justificar crimes cometidos, é imprescindível averiguar quais são as reais causas de sua condição atual de desesperança e dos conseqüentes desdobramentos.

Tão importante quanto declararmos guerra ao crime organizado é lutar pelo fim da exclusão social, pois ambos são dois lados de uma mesma moeda, advinda de um modelo econômico que segrega. Que impõem a “coexistência pacífica” entre uma das maiores concentrações de renda do mundo e um dos maiores índices de pessoas famintas do planeta.

Oferecer à juventude oportunidades reais de acesso à educação e ao mercado de trabalho é o grande desafio enfrentado por governos em todo o mundo. Gerar oportunidade de emprego e renda para esse público é fundamental, especialmente pelo seu potencial na prevenção à violência. Jovens que têm a perspectiva de vida reduzida pela falta de oportunidades são sumariamente jogados nas mãos do tráfico, da violência e da prostituição.

Além das várias medidas urgentes, necessárias e pontuais, é preciso atacar com profundidade o problema central, que passa por uma mudança radical no atual modelo intitulado neoliberal, verdadeiro e principal responsável pelo crescimento da exclusão, agente da violência.

Sr. Presidente, nunca, no Brasil, se registrou uma situação de tamanha concentração de renda, de aprofundamento dos níveis de pobreza e de agressiva e humilhante discriminação social. Isso não justifica a violência, mas, ao retirar qualquer perspectiva de vida das pessoas, dos jovens termina por empurrar uma parcela da população para o desespero e para o crime.

Nesse sentido, o que se tem oferecido à sociedade, e em especial aos jovens, são valores deturpados, que vão da supervalorização da imagem da mulher à exploração sexual de crianças. É preciso, portanto, inverter a lógica econômica, política e social, resgatando e oferecendo às crianças, aos adolescentes e aos jovens valores éticos e morais capazes de orientá-los em consonância com os princípios da fraternidade, do respeito humano e da igualdade.

Srªs e Srs. Senadores, em quase todo o Brasil os governos não fazem a sua parte, criando ou adequando as unidades e os programas de atendimento ao adolescente apreendido pela polícia e sentenciado pela Justiça. Por isso, qualquer defesa em favor do rebaixamento da idade penal deve ser visto com desconfiança e com rejeição.

Com vontade política, é possível oferecer aos meninos e meninas - que hoje se encontram em situação de risco social - um tratamento mais humano, baseado nos princípios da inclusão social e do exercício amplo, democrático e irrestrito da cidadania.

Um exemplo disso é o trabalho que vem sendo realizado em meu Estado, o Rio Grande do Sul. Desde o início de junho, está em funcionamento a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), em substituição à Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). Trata-se de uma proposta do Poder Executivo, aprovada, por unanimidade, pela Assembléia Legislativa do Estado, proposta essa que contou com o apoio de toda a sociedade gaúcha.

A mudança do nome e o novo reordenamento jurídico simbolizam um avanço na forma de atender adolescentes autores de ato infracional, no Rio Grande. A denominação “Bem-Estar do Menor” não reflete o trabalho socioeducativo que é realizado nessa nova Fundação e traz a palavra “menor”, hoje estigmatizada pela mídia e pela sociedade.

A Fase busca especializar-se ainda mais na execução das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade, aplicadas aos adolescentes que cometem ato infracional. O desafio é garantir que a passagem dos jovens pela Fase seja um tempo de construção e de preparo para um convício cidadão.

Em 1999, um passo importante constituiu marco decisivo na mudança institucional: a separação entre a área de abrigos e a área de atendimento a adolescentes em conflito com a lei. A Fundação passou a especializar-se no seu objeto - executar as medidas socioeducativas privativas e restritivas de liberdade aplicadas a adolescentes que cometem ato infracional, cumprindo decisões judiciais. A Secretaria ficou responsável pela execução das medidas protetivas previstas no ECA e na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas).

A lei sancionada no dia 28 de maio último pelo Governador pretende consolidar legalmente as transformações que vêm ocorrendo na instituição.

Vários elementos concretos falam de um outro momento na história da Fundação: a concepção de que os adolescentes atendidos são sujeitos de direitos e de que o ato infracional é circunstancial em suas vidas; o trabalho de inserção social e familiar, pelo Programa de Egressos, que compromete a sociedade com o acolhimento dos jovens egressos da Fundação; a construção das novas unidades que viabiliza, em modelo arquitetônico inovador, a efetivação do atendimento de acordo com os conceitos definidos pelo ECA.

Nada muda do dia para a noite. O reordenamento institucional foi aprovado na Assembléia, mas não vai transformar, de uma hora para a outra, a rotina da Fundação. Na verdade, nossa prática institucional é que, agora, vai fazer a nova lei.

Nas unidades da Fase, o adolescente atendido passará por avaliações psicológica, social, pedagógica, jurídica e de saúde. Além disso, serão trabalhados aspectos da educação, profissionalização, cultura, lazer e esporte e as relações familiares, comunitárias e institucionais.

Assim, durante o cumprimento de medida socioeducativa, o adolescente estará, gradualmente, estruturando as necessidades e atividades que o auxiliarão no seu desenvolvimento pessoal, tendo em vista sua inserção social após o desligamento da instituição.

Afirmou o Governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, por ocasião do lançamento oficial da Fundação de Atendimento Socioeducativo: “A criação da Fase, em substituição à antiga Febem, representa uma profunda transformação na forma de atender adolescentes autores de ato infracional, compatibilizada com o Estatuto da Criança e do Adolescente, com a Lei Orgânica de Assistência Social e com o nosso programa de assegurar os direitos da cidadania a todos. Responde, portanto, a uma exigência da ética e da dignidade”.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Com muito prazer, Senador Eduardo Suplicy, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Gostaria de cumprimentá-la pelos dois aspectos principais de seu pronunciamento. Primeiramente, V. Exª faz uma análise profunda sobre os motivos pelos quais não seria adequada a diminuição da idade penal para se definir a responsabilização criminal. Há uma tentativa, por parte de diversos segmentos, de baixar a idade penal de 18 anos para 16 anos ou até 14 anos, e, justamente nessa fase da vida, inúmeras são as vezes em que adolescentes acabam cometendo alguma infração à lei. Nessa fase, os adolescentes ainda não têm a devida formação e teriam toda possibilidade de se recuperar se houvesse, por parte da sociedade e da comunidade, a organização necessária para a formação dos jovens, assim como uma estrutura socioeconômica que pudesse modificar e transformar as atitudes dessas pessoas. Em segundo lugar, V. Exª cita o exemplo da Fundação de Atendimento Socioeducativo - Fase, no Rio Grande do Sul, a qual é uma iniciativa do Governo Olívio Dutra, que, preocupado com essa questão, opera a transformação da Febem nessa Fundação, uma instituição que caminha na direção correta no sentido de promover oportunidades para os adolescentes. Cumprimento V. Exª pelo assunto que nos traz hoje, sobre a experiência positiva que o Governo de Olívio Dutra, do PT, no Rio Grande do Sul, vem colocando em prática.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Muito obrigada, Senador Eduardo Suplicy.

No momento em que registramos o Encontro Nacional de Meninas e Meninos de Rua Contra a Diminuição da Idade Penal, estamos não apenas reforçando a importância da visão desses jovens e das organizações não-governamentais do Brasil e de outros países, mas também mostrando que é um equívoco, um erro querermos levar nossas crianças e adolescentes, mesmo aqueles que cometem algum tipo de ato infracional, às prisões, que hoje são verdadeiros depósitos de indignidade, escolas do crime e da delinqüência. É um equívoco total o ponto de vista de que assim diminuiríamos a violência.

Os jovens por si sós não são violentos. Os jovens estão violentos por conta de um modelo econômico que exclui, que desemprega, que empobrece, que tira as esperanças de milhões de pessoas.

Não fazemos a crítica pela crítica àqueles que defendem essa idéia, mas apresentamos ações concretas que demonstram que, quando há vontade política, pode-se começar a fazer a diferença. O Rio Grande do Sul, Senador Eduardo Suplicy, está fazendo a diferença. O projeto popular e democrático que o nosso Governo está desenvolvendo está comprometido com a cidadania, a cidadania de quem trabalha, de quem produz, de quem estuda, de quem realmente precisa ser incluído no processo de participação. A nossa visão de dignidade e de ética passa especialmente pelo tratamento dispensado às pessoas portadoras de deficiência, aos idosos, às pessoas que estão talvez na fase mais sublime, no desabrochar da vida, que é a adolescência.

O Governo Democrático e Popular do Rio Grande do Sul supera, assim, a estrutura falida da Febem, contaminada por todos os vícios e distorções possíveis a uma instituição pública. O trabalho da Febem, em todo o País, baseia-se na concepção de segregação e apartação social de crianças e adolescentes. Suas ações situam-se no terreno da punição e da privação de liberdade. Em vez de reeducar os jovens, preparando-os para assumir um papel social na comunidade, na maioria dos casos, essa instituição com esse ranço antigo os direciona para a marginalidade, funcionando como verdadeira escola do crime.

Por isso, estamos registrando uma nova visão, baseada numa ação concreta, construída com a participação da sociedade, um projeto do nosso Governo, aplaudido, por unanimidade, por toda a Assembléia.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Permite V. Exª um aparte?

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Senadora Emilia Fernandes, o tema que V. Exª está abordando nesta manhã tão bonita é digno desta Casa. Outro dia, aparteei o Senador Iris Rezende, que tem pensamento contrário ao de V. Exª, e disse que também pedi a diminuição da idade penal. Quero dizer o porquê: porque toda a sociedade o está pedindo. Se V. Exª fizer uma enquete, hoje, no Brasil inteiro, V. Exª verá que isso é verdade. O crime depende de uma pessoa, de um jovem, que exerce a função de laranja, e este, com a certeza da impunidade, continua a cometer crimes e mais crimes. Por isso, quero parabenizar V. Exª por esse brilhante discurso em direção à juventude, que - creio - precisa ser olhada com mais carinho, com mais dignidade. E a Casa ampara esta discussão, porque todo o Brasil está na expectativa de soluções para o problema. Não podemos passar a mão na cabeça desses jovens. No meu aparte, eu disse ao Senador Iris Rezende: “Senador, na época dos meus pais, não havia a tecnologia que há hoje; atualmente, a participação do jovem é grande em qualquer assunto. Naquela época, não votávamos, e, hoje, o jovem vota”. Pergunto a V. Exª - e é até bom que se pergunte isto aqui: um jovem, quando comete um crime eleitoral, é punido? Ele pode ser punido? Observe V. Exª que esse tema é muito bom para ser discutido nesta Casa. Meus parabéns!

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Agradeço-lhe o aparte.

Estamos sendo alertados para o fato de que o nosso tempo se esvai. Queremos concluir o nosso pronunciamento, mas, antes, gostaríamos de deixar duas palavras ainda em relação ao aparte de V. Exª, Senador Francisco Escórcio.

Não concordamos com a idéia de que, diminuindo a idade penal, levando os nossos adolescentes à prisão, vamos resolver os problemas da nossa sociedade, a qual precisa refletir sobre as causas da violência. Precisamos, sim, de ser rigorosos com os criminosos adultos que usam adolescentes e crianças para a prática do crime; precisamos de rigor contra o tráfico, contra a droga. Isso é o que precisamos fazer, e não reduzir a idade de prisão.

Encaminho-me para o encerramento, Sr. Presidente, tendo em vista que eu não contava com dois brilhantes apartes que, sem dúvida, reduziram o meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Sebastião Rocha) - Exato, Senadora Emilia Fernandes. Peço a colaboração de V. Exª, haja vista que o seu tempo já está esgotado.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Concluo, Sr. Presidente, dizendo apenas que a Fundação de Atendimento Socioeducativo, que está sendo implantada no Rio Grande do Sul, nasce com o desafio de marcar a diferença, “transformando um quadro explosivo numa possibilidade concreta de proporcionar a recuperação social e o acesso destes jovens aos direitos de cidadania e à dignidade”, como bem ressaltou o Governador Olívio Dutra.

A nossa Fundação atende cerca de 800 adolescentes em todo o Rio Grande, em 15 unidades - sete delas estão em Porto Alegre, e as demais, no interior do Estado. As novas unidades, já implementadas ou em construção, possuem concepção arquitetônica inovadora, com módulos separados, que buscam reproduzir uma comunidade. Ou seja, rompem em definitivo com o padrão de equipamentos únicos que caracterizam as instituições de privação de liberdade.

Portanto, uma outra questão que não se pode deixar de registrar é que está sendo providenciada a retirada da Polícia Militar, da nossa Brigada Militar da administração das unidades de atendimento. Para a retirada gradativa dos policiais, já foram contratados, entre 1999 e 2001, 478 novos funcionários. Em 2002, inclusive, houve concurso público para o preenchimento de 178 vagas. Todos os servidores, graças à parceria firmada entre o Governo do Estado e o Ministério da Justiça, passarão por programa de capacitação continuada, para que atuem como sujeitos do processo educativo dos adolescentes atendidos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acreditamos que o esforço realizado no Rio Grande do Sul possa servir de exemplo a todo o País. Crianças e adolescentes não podem receber o mesmo tratamento dispensado a adultos infratores. Precisam de unidades e programas específicos.

Além disso, não é justo que o tempo de privação de liberdade ultrapasse o que é hoje estabelecido em lei: de, no máximo, três anos. Afinal, esse período corresponde à metade da adolescência, que vai dos 12 aos 18 anos, e é considerado por especialistas suficiente pelo estágio de desenvolvimento biopsicossocial em que se encontram.

Não podemos analisar, isoladamente, os dados sobre a violência. Devemos lembrar que a exploração do trabalho infanto-juvenil, segundo a OIT, atinge 7 milhões e 700 mil crianças e adolescentes brasileiros de 5 a 17 anos, nos meios urbano e rural. Destes, mais de 4 milhões estão na faixa de escolaridade obrigatória, em que o trabalho é proibido por lei. Algumas dessas crianças e adolescentes ainda freqüentam a escola, mas mais de um milhão estão fora dos bancos escolares.

Portanto, Sr. Presidente, fica clara a hipocrisia da nossa sociedade, daqueles que atribuem ao adolescente - que nenhuma assistência recebe do Estado e, por vezes, nem sequer da família - a responsabilidade pelo alto índice de criminalidade no País.

Não há saída possível para o problema da violência sem investimento em justiça social: emprego, distribuição de renda, educação, saúde e vida digna. Também não há saída para a política de segurança pública, sem investimento em formas alternativas de responsabilização que priorizem o espaço aberto e a convivência social.

Não se resolve a problemática da criminalidade adulta com o alargamento de penas e construção de prisões. Da mesma forma, não se resolverá o problema do adolescente em conflito com a lei aumentando o tempo de privação de liberdade. Todos sabemos que o sistema penitenciário brasileiro é desumano, brutalizador e ineficaz, do ponto de vista da ressocialização.

Os adolescentes brasileiros, Srªs e Srs. Senadores, são cidadãs e cidadãos. Encarcerá-los é uma forma arcaica e ineficaz de tratar essa questão tão complexa. Por isso, devemos dizer “não” à redução da maioridade penal e “sim” aos projetos alternativos que busquem o resgate da cidadania das nossas crianças, adolescentes e jovens, democratizando sua possibilidade de inclusão social.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2002 - Página 11857