Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre as dificuldades causadas à economia brasileira pelas declarações do Sr. George Soros. Considerações sobre o lançamento do Cartão do Cidadão.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexão sobre as dificuldades causadas à economia brasileira pelas declarações do Sr. George Soros. Considerações sobre o lançamento do Cartão do Cidadão.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2002 - Página 11901
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, GEORGE SOROS, EMPRESARIO, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, IMPOSIÇÃO, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, BRASIL, PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, LANÇAMENTO, GOVERNO FEDERAL, CARTÃO MAGNETICO, CIDADÃO, UNIFICAÇÃO, PROGRAMA, TRANSFERENCIA, RENDA, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, ORADOR, CRIAÇÃO, RENDA, CIDADANIA, FAVORECIMENTO, TOTAL, POPULAÇÃO, COMPATIBILIDADE, RENDA PER CAPITA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

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O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o risco-país e o dólar disparam, e o Brasil se vê, mais uma vez, obrigado a recorrer ao Fundo Monetário Internacional. Anuncia-se que, hoje, o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o Presidente do Banco Central irão fazer um saque de até US$15 bilhões do Fundo, além das medidas nas áreas fiscal e monetária - US$10 bilhões a serem retirados hoje e mais US$5 bilhões a partir do dia 21.

Quem estará proporcionando esse tipo de situação, Sr. Presidente? Diante das recentes declarações do megainvestidor George Soros, para quem o Presidente do Banco Central,. Armínio Fraga, havia trabalhado antes de vir a assumir a Presidência do Banco Central, seria importante que se dissesse ao megainvestidor que as suas declarações em nada ajudaram o Brasil, sobretudo quando disse que os Estados Unidos é que vão definir a escolha que povo brasileiro irá fazer para a Presidência da República.

Ora, Sr. Presidente, já em 1998, George Soros havia contribuído de forma importante para desencadear o colapso financeiro da Rússia, já fragilizada por anos e anos de políticas econômicas desastradas, conforme ressalta hoje o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, numa carta ao Financial Times. Esse gênio das finanças propôs que a Rússia adotasse um currency board, o conselho da moeda, depois de uma desvalorização cambial de 15 a 25%. A sua proposta era de que a Rússia adotasse o mesmo modelo monetário e cambial que acabaria levando a Argentina a uma crise monumental. Será que aquela foi uma boa proposição?

Precisamos ver em que medida as declarações de pessoas como George Soros estão contribuindo para as dificuldades que o próprio Governo brasileiro está a enfrentar e, não, Sr. Presidente, porque Lula está na frente nas pesquisas de opinião.

É importante nos darmos conta de que não houve uma situação próspera para o conjunto de brasileiros, nesses oito anos. Muitos, ao contrário, enfrentaram grandes dificuldades, como o desemprego ou o não-crescimento dos seus rendimentos. Ao mesmo tempo, um segmento da economia brasileira apresentou lucros fantásticos, nesse período: as instituições financeiras, que, agora, estão a dizer que, se não prosseguir alguém de confiança do Presidente Fernando Henrique Cardoso, na Presidência da República, virá o caos.

Sr. Presidente, isso não pode, de maneira alguma, ser aceito! É preciso que os que lançam essas afirmações e avaliações sobre o que poderá acontecer a partir da eleição de Lula, por exemplo, estejam cientes de que estão gerando dificuldades para o próprio Governo atual, podendo ocasionar conseqüências dramáticas para toda a população brasileira.

Sr. Presidente, Senador Casildo Maldaner, pretendo tratar aqui de um outro assunto, que diz respeito ao “Cartão Cidadão”, lançado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, na semana passada. Por meio desse cartão, passarão a ser efetuados os pagamentos dos programas de transferência de renda direta à população mais pobre. O Governo planeja gastar, este ano, algo em torno de R$29,4 bilhões, nesses programas.

A intenção é a de que, a longo prazo, todos os usuários de programas de renda mínima carreguem um “Cartão Cidadão”, no bolso, algo em torno de 31,7 milhões de pessoas, já que o Palácio do Planalto também quer fornecer o cartão para os 6,7 milhões de beneficiários de aposentadorias e pensões rurais.

O que é o “Cartão Cidadão”? É um cartão magnético com a logomarca do Governo Federal, do tipo fornecido pelos bancos. Esse cartão magnético substituirá os cartões já distribuídos à população junto com o cadastramento das famílias beneficiárias.

De imediato, o “Cartão Cidadão” será entregue aos usuários de cinco dos doze programas de transferência direta do Governo Federal: o Bolsa-Alimentação; o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - Peti; o Bolsa-Escola, Programa de Renda Mínima associada à educação; o Brasil Jovem e o Vale-Gás. Por meio desses programas, o Governo Federal pretender atingir 12,6 milhões de pessoas oriundas de famílias pobres, em 2002.

Sr. Presidente, ano passado, excluído o Vale-Gás, o Governo gastou R$1,8 bilhão com esses programas. Para o atual exercício financeiro, prevê recursos da ordem de R$3,7 bilhões, duas vezes mais.

É preciso considerar que ainda estamos muito distantes de atender a todas as famílias que, segundo a legislação, deveriam estar sendo beneficiadas por esses programas.

Além do “Cartão Cidadão”, o Governo prepara um cadastro único dos programas sociais. Sr. Presidente, eu gostaria de assinalar que essa idéia do “Cartão Cidadão”, com a unificação de todos os programas - inclusive há idéia do cartão único dos programas sociais -, tem uma certa racionalidade, mas é preciso tomar cuidado para que o “Cartão Cidadão” não se torne um cartão do excluído, a simples definição de quem é excluído de direitos à cidadania em nosso País.

Em verdade, o “Cartão Cidadão” pode até ser visto como um passo na direção daquilo que tenho denominado - e muitos economistas têm denominado - renda de cidadania, uma renda básica incondicional.

Em dezembro do ano passado, apresentei projeto de lei que determina que, a partir do próximo mandato presidencial, a partir de 2005, adotemos uma renda de cidadania, uma renda básica incondicional para todos os brasileiros, não importando a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica. Segundo esse projeto, uma modesta renda, em termos monetários, será paga a todos os cidadãos brasileiros, de acordo com a capacidade econômica do País, de acordo com seu produto per capita, de acordo com a sua capacidade de arrecadação. O importante é que a todas as pessoas será garantida uma renda, sem a necessidade de lhes perguntar quanto é que ganham no mercado informal ou no mercado formal, pois até mesmo aos mais ricos iríamos fazer esse pagamento, até mesmo, digamos, àqueles que estão na lista das pessoas de maior patrimônio, como Antonio Ermírio de Moraes, como os irmãos Safra, como Roberto Marinho ou até como Sílvio Santos e Pelé, ou como nós, Senador Casildo Maldaner, Senador José Fogaça e eu próprio. Sim, só que, justamente essas pessoas, por terem, relativamente, uma condição melhor, pagariam, relativa e proporcionalmente, mais do que aquelas pessoas que ganham menos. Segundo essa idéia, a todos será garantido esse direito, da mesma maneira que, por exemplo, a todos que moram ou visitam São Paulo está assegurado o direito de visitar o Parque Ibirapuera, ou, se estivermos no Rio de Janeiro, tomar um banho de mar na Praia de Copacabana ou de Ipanema. Portanto, como um direito à cidadania, que a todos é assegurado.

E quais as grandes vantagens desse procedimento? Em primeiro lugar, estaríamos evitando uma grande burocracia, pois não seria necessário perguntar a cada pessoa quanto é que ela está recebendo, no mercado informal, no mercado formal ou em qualquer tipo de atividade.

Uma segunda vantagem seria a eliminação de todo e qualquer sentimento de estigma ou de vergonha que alguém pudesse sentir ao admitir que, por ganhar muito pouco ou nada ganhar, mereceria um complemento de renda.

Há uma terceira vantagem muito significativa, Senador Casildo Maldaner: os cidadãos se sentirão mais seguros e em condições de melhor defender sua dignidade se souberem de antemão que, digamos, nos próximos 12 meses irão receber uma quantia de forma garantida, como um direito incondicional - não importando o que aconteça, se a pessoa estiver empregada ou desempregada, se aumentar o seu rendimento por isso ou por aquilo, se porventura houver uma desgraça na família, uma doença, uma morte ou o que seja. A idéia é que a renda de cidadania seja sempre garantida àquelas pessoas que estiverem vivas e forem residentes no País. Se assim ocorrer, um chefe de família em dificuldades não precisará aceitar a primeira atividade econômica que lhe surja pela frente, mesmo sendo ela, de alguma forma, humilhante ou indigna ou que traga algum tipo de risco para a sua saúde ou para a sua vida.

Hoje, no Brasil, infelizmente, muitas pessoas estão seguindo a trilha da criminalidade, da marginalidade, por falta de alternativa de sobrevivência com trabalhos dignos. Então, assegurar a todos o direito à sobrevivência constitui-se em algo fundamental.

O “Cartão Cidadão”, para não se tornar um cartão de exclusão, deve, mais e mais, caminhar na direção defendida por um número cada vez maior de economistas e filósofos: na direção da instituição de uma renda de cidadania como um direito de todos. Todos, numa nação, devem ter o direito assegurado de participar da riqueza por ela produzida, conforme, inclusive, Thomas Penning, em 1795, tão bem argumentou em seu texto “Justiça Agrária”.

Assim, avalio que o “Cartão Cidadão” pode ser considerado uma medida que guarda racionalidade, mas que tem que ser vista como um passo na direção dessa renda de cidadania que a todos precisa ser assegurada.

A propósito, Presidente Casildo Maldaner, eu gostaria de informar que o Senador Lúcio Alcântara, Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, atribuiu ao Senador Francelino Pereira a responsabilidade de dar o parecer sobre o projeto que institui uma renda de cidadania, que apresentei, neste Senado, em 04 de dezembro passado.

Fiz uma visita hoje ao Senador Francelino Pereira, colocando-me à sua disposição para colaborar em todos os sentidos para a elaboração de seu parecer. Disse-lhe também que economistas que têm se especializado, estudado essa matéria, como Antônio Maria da Silveira, teriam a maior satisfação em colaborar com ele próprio ou com a assessoria jurídica e econômica do Senado para que possamos avançar na direção do aperfeiçoamento da proposta da renda de cidadania - objeto, inclusive, de meu livro “Renda de Cidadania: A Saída é Pela Porta”, que a Fundação Perseu Abramo e a Cortez Editora lançaram, em fevereiro deste ano, e que está disponível nas livrarias brasileiras.

Sr. Presidente, aquelas pessoas que porventura desejarem conhecer melhor esse projeto podem escrever para mim. Para fazê-lo, basta endereçar a correspondência ao Senador Eduardo Suplicy, Senado Federal, Brasília, Distrito Federal, ou fazê-lo pelo endereço eletrônico que a TV Senado mostra, quando estamos falando: esuplicy@senado.gov.br.

Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2002 - Página 11901