Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários ao artigo do antropólogo João Dal Poz, veiculado na internet, que atribui a demissão do Presidente da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, Sr. Glênio da Costa Alvarez, ao seu posicionamento contrário à aprovação do projeto de lei da mineração em Terras Indígenas, de autoria do Senador Romero Jucá.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Comentários ao artigo do antropólogo João Dal Poz, veiculado na internet, que atribui a demissão do Presidente da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, Sr. Glênio da Costa Alvarez, ao seu posicionamento contrário à aprovação do projeto de lei da mineração em Terras Indígenas, de autoria do Senador Romero Jucá.
Aparteantes
Francisco Escórcio.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2002 - Página 12059
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, INTERNET, AUTORIA, ANTROPOLOGO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (UFMT), ACUSAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, DEMISSÃO, PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), CONTRADIÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ROMERO JUCA, SENADOR, ASSUNTO, MINERAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • PEDIDO, ESCLARECIMENTOS, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, COMISSÃO, REESTRUTURAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), COMENTARIO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DISCRIMINAÇÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • COMENTARIO, INTERESSE, GOVERNO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, OMISSÃO, PRESERVAÇÃO, CULTURA, SAUDE, EDUCAÇÃO, DIGNIDADE, INDIO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, fomos surpreendidos, pela imprensa nacional, com a notícia da demissão do Presidente da Funai, Dr. Glênio da Costa Alvarez.

Desta tribuna, tenho feito análises, reflexões e mesmo denúncias a respeito do momento que a Funai vem atravessando ao longo dessas suas quatro décadas de existência.

Sr. Presidente, nesse período, vinte e cinco presidentes dirigiram a instituição, dos quais oito apenas durante a gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o que significa mais de um presidente por ano.

Tive a curiosidade de procurar na Internet a relação dos presidentes da Funai. Analisei-a e encontrei de tudo: militar, agrônomo, economista, geólogo, antropólogo, sertanista. Não há um índio. Um índio sequer, até agora, presidiu a Fundação Nacional do Índio.

Talvez isso indique que o que está faltando para comandar o órgão federal responsável por proteger e garantir a integridade do índio seja exatamente um índio, pois entendo que não se pode colocar como defensor de uma causa alguém que não sente, que não vive e que não é legítimo para defendê-la. Converso com muitos índios, não só do meu Estado, mas do País todo, e não tenho notícia de que os índios tenham dado procuração para quem quer que seja representá-los e falar em seu nome.

Tive a oportunidade de conviver, como Deputado Federal, com o Deputado Juruna, um homem que, dentro da sua ingenuidade e pureza, defendia realmente com veemência as questões dos índios no País. Terminou sendo vítima de toda uma conjuração de forças obscuras que envolvem essa questão indígena no Brasil.

Sr. Presidente, essa demissão do Dr. Glênio, segundo informações que obtive em uma página da Internet, de uma organização não governamental chamada Amazônia, deveu-se a pressões do Vice-Líder do Governo no Senado, Senador Romero Jucá, que é do meu Estado e um ex-presidente da Funai.

Registro que as acusações contra o Senador são seriíssimas, e S. Exª deveria vir à tribuna explicá-las ao País, pois a questão da Funai já mereceu uma CPI em que não se chegou a conclusões muito claras.

Vou ler o trecho dessa página que considero mais sério, de um artigo assinado pelo Sr. João Dal Poz, antropólogo da Universidade Federal do Mato Grosso. Entre as acusações que faz ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, diz o seguinte:

Dando dois passos atrás no que diz respeito à política de direitos humanos, ao atentar contra os direitos constitucionais dos povos indígenas e a integridade das suas terras, o Governo FHC colocou-se no foco de novas suspeitas. Como reconheceu o próprio Ministro Miguel Reale Júnior, o afastamento à socapa do Presidente da Funai, o geólogo Glenio da Costa Alvarez, deveu-se à sua posição contrária à aprovação, a toque de caixa, do Projeto de Lei da Mineração em Terras Indígenas, de autoria do Senador Romero Jucá.

Para os povos indígenas, os prognósticos são os piores possíveis. O caso do garimpo nos afluentes do rio Roosevelt, em terra dos Cinta-Larga, no Estado de Rondônia, está aí para comprovar o desastre social, cultural e ambiental - e também econômico, fiscal e fazendário - que os interesses minerários são capazes de provocar nas terras indígenas: crime ambiental, contrabando, alcoolismo, drogas, prostituição e violência desenfreada, ou seja, todas as mazelas que o Ocidente capitalista é capaz de produzir! A jazida de diamantes no Roosevelt é, não por acaso, um dos primeiros alvos de Romero Jucá, e consta inclusive das justificativas do Projeto de Lei que ora tramita na Câmara dos Deputados. O Senador Jucá, do PSDB de Roraima, atual Vice-Líder do Governo, é um ex-presidente da Funai que firmou contratos irregulares para exploração de madeira em terras indígenas e, agraciado como Governador de Roraima pelo ex-Presidente Sarney, excedeu-se em favor dos garimpeiros que, aos milhares, invadiram as terras dos Yanomami.

Sr. Presidente, essas palavras, repito, são da lavra do Sr. João Dal Poz, antropólogo da Universidade Federal do Mato Grosso, e constam na página www.amazonia.org.br.

Trata-se de uma denúncia seriíssima tornada pública. É preciso que tenhamos uma explicação para o fato, mais ainda, Sr. Presidente, porque o Governo Federal criou uma comissão para reestruturar a Funai.

Que a Funai realmente precisa de uma reestruturação todos sabemos, pois a entidade vem sendo desmantelada ao longo dessas quatro décadas de existência e, aos poucos, vem sendo completamente comandada por organizações não governamentais. Só para dar um exemplo, o Ministério da Saúde destinou mais recursos para duas ONG’s cuidarem da saúde dos índios - que correspondem a 7% da população do Estado - do que para os Municípios de Roraima.

Então, alguma coisa é surpreendente nessa história e, no mínimo, precisa ser esclarecida para que a Nação descubra o que está por trás dessa capa da política indigenista, da defesa do índio não pelos índios. O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem a oportunidade de fechar o seu Governo passando a limpo essa história da Funai, porque a questão está muito obscura e são muitas as denúncias.

Já tive a oportunidade de denunciar, no Senado, que várias pensões de Brasília recebem os índios que vêm para cá em busca de tratamento de saúde e a Funai não as paga corretamente. Tenho esses documentos comigo. Então, a atuação na área da política indigenista precisa ser investigada com profundidade.

Não acredito que as acusações feitas por esse antropólogo sejam inteiramente verdadeiras, mas precisam ser apuradas porque, afinal de contas, ele não só assinou seu artigo como também o publicou. Isso é muito sério.

Os índios do Brasil precisam ser mais respeitados e não apenas utilizados como bandeira fácil para enriquecer determinadas instituições.

Como Presidente da CPI das ONGs, tenho tido imensas dificuldades até de obter informações dos órgãos federais a respeito de recursos que são destinados a ONGs que atuam nas áreas indígenas, numa instituição do Senado que deve ser respeitada como uma CPI.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Antes de me aprofundar mais no tema, concederei, com muito prazer, o aparte ao Senador Francisco Escórcio, do Maranhão.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª é um homem muito respeitado nesta Casa e no Brasil por essas colocações em favor daquilo que é tão bom para o País. A Funai foi sempre um órgão muito conturbado e V. Exª está trazendo uma importante preocupação que também me preocupa: a imagem de um colega. Conheço o Senador Romero Jucá, embora não tenha procuração para defender S. Exª, desde a época em que veio para cá, ainda jovem, e foi nomeado pelo Presidente José Sarney - portanto há muito tempo. Somente agora, com a proximidade das eleições, nos chegam essas denúncias. Temos que ter cuidado, pois estamos falando para o Brasil. Pelo fato de o Senador Romero Jucá não estar presente neste Plenário - e digo a V. Exª que não tenho procuração para defendê-lo - faço este aparte em seu nome. Nobre Senador, peço que as coisas não sejam colocadas dessa forma para que não paire no ar uma idéia pejorativa da imagem do nosso Colega. Não estou dizendo que essa é a imagem que V. Exª tem do Senador Romero Jucá, mas talvez seja a de pessoas outras que nos têm ouvido. Ainda ontem recebi um e-mail que, a princípio, me causou pânico: diziam que os Estados Unidos vão tomar a Amazônia. Acredito que devemos meditar e ter mais prudência. Aliás, esses denunciantes via e-mails deveriam apresentar-se, formalizarem suas denúncias junto ao Ministério Público ou a esta Casa. E isso vem ocorrendo há algum tempo. As CPIs estão aí. Entendo ser válida a preocupação de V. Exª, e o parabenizo. Realmente temos que tomar conta de órgãos como a Funai. Certamente por detrás de uma atitude como essa, haja interesses outros que desconhecemos. Não estou me opondo ao pronunciamento de V. Exª; apenas quero digo ao Brasil que as coisas não podem caminhar dessa forma. Denúncias vazias não são soluções. Que nos enviem denúncias embasadas; que venham a esta Casa, aos nossos gabinetes, para que possamos trazê-las ao Plenário, formalmente.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL- RR) - Senador Francisco Escórcio, gostaria de deixar claro que o fulcro do meu pronunciamento é a Funai. Trago este assunto a Plenário porque acredito ser este o momento de o Vice-Líder do Governo esclarecer o episódio recente da demissão do Dr. Glênio.

O tema em questão não é o Vice-Líder do Governo, e sim o porquê de o Governo ter demitido o presidente de um órgão importante como a Funai. Um cidadão que se coloca dentro de uma página da internet, que é pública, e assina o seu nome, não é apócrifo. Portanto, a denúncia precisa ser esclarecida. Amanhã não poderemos ficar com a pecha de que o Sr. Glênio fora demitido porque estava contra o projeto de mineração em terras indígenas - aliás, esse é um assunto que precisa ser discutido.

Em tese, não concordo com a colocação das ONG’s de que em terras indígenas não pode haver explorações por meio de concessões da União - como está na Constituição - com a autorização do Congresso Nacional e com benefícios que se revertem em favor das comunidades indígenas.

Nobre Senador Francisco Escórcio, não vamos desviar o foco do meu discurso que - repito - é a Funai.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Senador Mozarildo Cavalcanti, eu sei disso. Faço essas colocações pelo fato de o nosso Colega não estar presente. E diante da ausência de S. Exª - e não tenho procuração de S. Exª, repito -, creio que não seria o momento de tratar desse assunto, que é grave, até para que S. Exª possa defender-se. Felicito V. Exª e lhe digo que tenho na pessoa de V. Exª um grande homem público. Meus parabéns.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Agradeço a V. Exª pelo aparte.

Pode parecer, pelo fato de estarmos em posições opostas no nosso Estado, que eu esteja citando o Senador Romero Jucá por uma questão política. Não é. Trata-se de uma acusação contra o vice-Líder do Governo nesta Casa, uma acusação que envolve claramente a demissão do presidente da Funai, há poucos dias, e, portanto, precisa, sim, ser esclarecida. Aqui, nenhum de nós está isento de investigação. Aliás, dou ao Vice-Líder do Governo a oportunidade de explicar-se perante nós, Senadores, e perante a esse cidadão que assinou a denúncia seriíssima de que a demissão do Sr. Glênio da Costa Alvarez tenha sido motivada por pressões de mineradoras, coincidentemente, em defesa de um projeto que é do Senador.

Sr. Presidente, retomando o leito do meu pronunciamento, quero dizer que a Funai precisa efetivamente ser reestruturada. Inclusive andam dizendo que isso está sendo feito em gabinetes fechados sem que sejam ouvidos os índios e o Congresso Nacional. Não posso entender que um órgão de tamanha importância como a Funai, repito, continue sendo desmantelado.

Hoje, quem comanda a política indianista neste País são as ONGs, que sequer podem ser chamadas de não-governamentais porque vivem à custa de recursos do Governo Federal. Mais uma vez alerto para o fato de que duas organizações não-governamentais no meu Estado, ONGs que “cuidam” da saúde indígena, receberam mais recursos do Ministério da Saúde do que o Estado de Roraima e seus Municípios.

É preciso, sim, investigar tudo isso profundamente. E mais: é necessário realmente que se proceda à reestruturação da Funai, que precisa ser efetivamente colocada a favor da causa indígena e conduzida por índios. Se o pré-requisito para presidir a Funai for o fato de ter curso superior, informo a V. Exªs que há índios formados em Direito, em Antropologia e em outros cursos superiores. Portanto, eles, sim, deveriam dirigir o órgão, juntamente com um conselho formado pela comunidade indígena com representatividade. E, assim, eliminaríamos os intermediadores e os falsos procuradores da causa indígena.

Sr. Presidente, aqui estou, nesta tribuna, retomando um tema que se torna atual, face a forma como foi publicado na imprensa, qual seja, a demissão do Sr. Glênio.

Peço que o atual presidente da Funai - não sei se interino ou titular - promova efetivamente uma adequada resposta à opinião pública. Não é possível ficarmos à sorrelfa, escanteados diante de problema tão sério como este.

Na Amazônia, a política indigenista consiste apenas em demarcar terras indígenas. Efetivamente não se olha o índio como ser humano, não se investe na dignidade do índio, na oportunidade de ele crescer, progredir, viver melhor e se livrar de doenças evitáveis por intermédio da vacinação.

Vejam os Yanomamis, por exemplo, que só no meu Estado são donos de nove milhões de hectares de terra. No entanto, aqueles que falam não vão lá para conhecer de perto a realidade indígena dos Yanomamis. Não sabem que eles estão morrendo por oncocercose, por desnutrição. Foi denunciado desta tribuna, há poucos dias, inclusive foi objeto de uma longa reportagem na Globo News, televisão a cabo da Rede Globo, que pesquisadores americanos retiraram sangue dos índios Yanomamis para fazerem pesquisas genéticas e outras. O Governo brasileiro ainda não tomou uma atitude clara e corajosa sobre esse fato seriíssimo, enquanto organizações não-governamentais estão, elas sim, promovendo a denúncia a esse respeito. Na verdade, na época, elas estavam participando ou sendo coniventes ou omissas com essa atitude. Existem inúmeros fatos sérios a respeito do índio, mas teima-se em apenas dar ênfase à questão da demarcação de terras indígenas, deixando de lado outras questões fundamentais como a saúde, a educação, a dignidade e a preservação de sua cultura.

Sr. Presidente, essa denúncia traz à baila o fato de que, por trás da demissão do presidente da Funai, outros interesses de importantes corporações da área mineral existem. Citei o Vice-Líder do Governo, que está ausente, para que S. Exª venha ao Plenário nos prestar esclarecimentos. Seria até interessante que o ex-presidente da Funai fosse convocado para vir a esta Casa para também prestar esclarecimentos, já que o assunto é público e notório no País.

Era o que eu tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2002 - Página 12059