Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de uma candidatura própria do PMDB à presidência da República. Críticas ao governo federal por ingerência nas decisões internas do PMDB.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES.:
  • Defesa de uma candidatura própria do PMDB à presidência da República. Críticas ao governo federal por ingerência nas decisões internas do PMDB.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2002 - Página 12063
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • CRITICA, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), NEGOCIAÇÃO, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), REPUDIO, FALTA, IDEOLOGIA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, DIVIDA INTERNA, DIVIDA EXTERNA, REALIZAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, PREJUIZO, BRASIL, AUSENCIA, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • RATIFICAÇÃO, CANDIDATURA, ORADOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CONVENÇÃO NACIONAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), NECESSIDADE, REALIZAÇÃO, DEBATE, CANDIDATO, APRESENTAÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fantástico rolo compressor do Governo Federal passa por cima ou, pelo menos, pretende e tenta passar por cima da Convenção do nosso Partido, o velho e hoje irreconhecível PMDB de guerra.

Liga-se a televisão, abre-se um jornalão desses que são vendidos no País inteiro, e se tem a notícia de que Goiás foi abduzida. Um disco voador passou por cima de Goiás, e este Estado agora apóia a aliança do PMDB com o Governo Federal. Isso é verdade? Não acredito. Conversei ontem com o Senador Maguito Vilela, que declarou, com toda clareza, que Goiás não apóia a coligação com o PSDB por uma questão de princípio, por uma questão doutrinária. Goiás não comercializa os seus convencionais; Goiás fica com o Brasil, com os interesses da Nação.

Mas os jornais dizem que Goiás foi abduzida e que o Governo Federal já colocou no seu bocó, como um macuco recentemente atirado, Minas Gerais. Também não acredito nisso, até porque os interesses regionais de Minas são incompatíveis com a aliança pretendida com o PSDB.

O problema, no entanto, não é se o Governo está comprando e se algumas pessoas, alguns delegados estão vendendo o seu apoio. O problema é estrutural, o problema se refere à situação da economia brasileira. Os fundamentos da economia do nosso País estão abalados. Estamos em franca recessão industrial. São Paulo tem mais de 20% de desempregados, enquanto a Argentina, quando quebrou, tinha 18,5%.

O nosso Brasil, da condição de oitava potência comercial e industrial do mundo, oitava potência econômica do mundo, caiu para o décimo primeiro lugar, e um terço da nossa participação no mercado mundial desapareceu. O Brasil está com os fundamentos da economia corroídos por uma visão doutrinária equivocada. O neoliberalismo e a globalização, idéias absolutamente sem ligação com a realidade, as quais foram assumidas pelo Fernando Collor e pelo Fernando Henrique, levaram-nos a uma entaladela. Estamos numa situação extremamente difícil, e as medidas tomadas pelo Governo Federal, segundo a velha cartilha do monetarismo, são paliativas e pretendem fazer com que o País sobreviva ao período eleitoral. São medidas eleitorais, eleitoreiras, são medidas frágeis, fúteis, porque os fundamentos da economia estão abalados. E por quê? Como aconteceu isso?

O Presidente Fernando Henrique Cardoso é, e sempre foi, um dependentista. De uma forma generosa, poderíamos dizer que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é um internacionalista. Em 1967, na companhia do italiano naturalizado argentino, Sua Excelência escreveu, no Chile, um livro intitulado Dependência e Desenvolvimento na América Latina. A tese central desse livro era a substituição das lideranças empresariais no campo e na cidade dos países latino-americanos e, conseqüentemente também, do Brasil por lideranças capitalizadas, segundo ele, mais preparadas, detentoras de processos industriais modernos, de ciência e tecnologia que trariam ao Brasil um surto fantástico de desenvolvimento.

Ele abandonava desde cedo aquela idéia desenvolvimentista do crescimento a partir das nossas próprias forças e acreditava que a abertura traria essa gente toda, esses capitais, essa inteligência para a instalação de um grande parque industrial, de um desenvolvimento sem precedentes na estrutura agrícola. Acreditava que, desse processo, surgiriam plantas industriais com operários modernos e extraordinariamente bem assalariados, que, dentro dos seus sindicatos, pressionariam os governos para o avanço de conquistas sociais. E ele estabeleceu, então, para o Brasil, o modelo da socialdemocracia, e aí foi fundado o PSDB, o Partido da Social Democracia Brasileira, que, do ponto de vista clássico do pensamento sociológico, é o Partido que se transforma na correia de transmissão da força política dos sindicatos e das suas reivindicações.

Era, sem sombra de dúvida, um modelo interessante do ponto de vista acadêmico, mas a realidade não tinha nada a ver com isso. Os países e o mercado - esse eufemismo que representa os especuladores internacionais, o capital não produtivo, os fabricantes do lucro em cima da miséria, o capital que aufere lucros sem gerar emprego ou produzir um produto e um serviço - tomaram conta do processo não de desenvolvimento, mas de expoliação do Brasil.

De uma forma irresponsável e unilateral, o Brasil foi vendido. As estatais foram colocadas em leilão, e a Vale do Rio Doce foi vendida por um valor inferior ao lucro que ela, privatizada, auferiu em dois anos de funcionamento. Foi uma visão equivocada, foi a abertura generosa e unilateral que não levou em conta aquele velho princípio de que países não têm amigos, têm interesses. E, hoje, vemos os Estados Unidos defendendo, pela palavra e pela força do seu Presidente, a sua agricultura, a sua indústria do aço, a sua economia, o trabalho dos seus nacionais e as suas empresas. E o Brasil está exposto e vulnerável à especulação internacional, a dívida interna sobe de forma extraordinária, e a dívida externa se acumula. O País, em véspera de eleição, em vez de convocar a unidade nacional para uma mudança progressiva e necessária do modelo, submete-se, ainda mais, à política monetária.

George Soros, o megaespeculador húngaro-americano, com a franqueza que lhe caracteriza, avisa ao País e ao mundo que as decisões, nesse novo ciclo do império norte-americano, aqui na nossa terra, não serão tomadas pelos brasileiros, mas pelos norte-americanos e os seus interesses especulativos na gestão do capital financeiro. E George Soros sabe o que diz porque tem um seu representante, antigo funcionário, de dupla nacionalidade, presidindo o Banco Central.

Estamos numa entaladela muito semelhante àquela em que se encontra a Argentina. A Argentina é o Brasil amanhã, se o processo eleitoral nacional não estabelecer modificações profundas.

O Governo tenta desesperadamente subjugar uma das únicas forças políticas de mudança possíveis neste País, o velho MDB de guerra, tomado por uma cúpula que tem uma incapacidade brutal de entender a economia do ponto de vista global e a mesma insensibilidade dos tecnocratas do Governo diante da miséria do povo.

Meus irmãos, só deveria poder fazer política e administrar a res publica, a coisa pública, o Estado, que é de todos os cidadãos; pessoas que fossem capazes de se emocionar até as lágrimas diante do desespero de um bóia-fria ou da miséria de uma favela, mas que tivessem também capacidade, experiência e competência para traduzir essa emoção em ações administrativas modificadoras da realidade.

É preciso que se entenda que um país não é um mercado, não podendo ser encarado sob a visão de um contador, como um livro-caixa de partida dupla, porque num país as famílias e as pessoas vivem a sua aventura de vida, colocam as suas esperanças e têm sempre a expectativa de uma sobrevivência digna pelo próprio trabalho.

É preciso que o Brasil mude; é preciso que o velho MDB de guerra acorde nessa Convenção e ofereça ao Brasil uma candidatura própria, convocando à unidade nacional, chamando as forças vivas da sociedade para um grande debate, viabilizando a modificação dos rumos, à maneira do nosso velho Guerreiro Ramos.

Não acredito em reformas abruptas porque estamos numa entaladela. Talvez as primeiras medidas do novo Governo sejam muito parecidas com as medidas desesperadas que o atual Governo toma para não ser esmagado no processo eleitoral. No entanto, medidas emergenciais e provisórias apenas retardam a crise.

Lembro-me de quando os tais empréstimos-jumbo eram oferecidos pelo Fundo Monetário Internacional à Argentina. Aqui na tribuna do Senado Federal, depois de visitar a Argentina para conhecer pessoalmente a situação daquele país, eu previa que não seriam bastantes os empréstimos para seis meses, como não são bastantes as medidas que o Governo brasileiro está tomando para os próximos 60 ou 90 dias.

É preciso que algumas medidas emergenciais sejam tomadas, mas é fundamental que um novo modelo seja construído.

Há recessão industrial porque não há emprego e salário, porque diminui o número de trabalhadores e aumenta o exército dos desempregados. Entretanto, os economistas do Banco Central, de dupla nacionalidade, ou de apenas uma nacionalidade, que certamente não será a brasileira, propõem os remédios do monetarismo. Severo Gomes já havia classificado esses remédios com muito acerto, no passado, quando dizia que a famosa escola monetarista de Chicago era terrível e que, dentre as escolas americanas, a que menos mal tinha feito à humanidade era a de Al Capone, que trabalhava só em Chicago.

A mudança estrutural é urgente, e a convocação para a unidade nacional é uma necessidade de sobrevivência do Brasil como país soberano, como Nação com perspectiva de futuro.

No entanto, o PMDB, abduzido, despolitizado, desideologizado, mediocremente conduzido por um grupo de políticos que não têm sensibilidade social nem visão nacional, negocia, de certa forma, por algumas emendas orçamentárias, pela manutenção de alguns quadros em posições estratégicas do Governo para benefício eleitoral, uma coligação sem programa, uma coligação do continuísmo, que contempla o desejo individual de perpetuação de mandatos, mas que não leva em conta o País.

Registrei, convocado por uma série de diretórios do Partido no Brasil, a minha candidatura à Presidência da República. Quero levar o Partido ao debate e ao exercício do contraditório, para tentar salvar o PMDB dessa visão medíocre e despolitizada da unanimidade burra. Pretendo ir à Convenção na defesa de uma proposta de unidade nacional.

A minha candidatura é para valer. Advirto, porém, com a franqueza e a lealdade que caracterizam os meus pronunciamentos e a minha postura na política e na vida, que, se o meu direito for violado na Convenção, o verdadeiro PMDB nacional está convocado para a rebelião cívica e o exercício da objeção de consciência, que o impedirá de acompanhar uma proposta política que não atenda aos interesses nacionais.

Perguntam-me se aceito o resultado de uma convenção da qual participo. É lógico que aceito, porque quero o debate e o contraditório, mas tem de haver uma convenção limpa, sem discos voadores com placa branca do Palácio do Planalto abduzindo diretórios e convencionais.

Precisamos dar ao Partido a oportunidade da discussão profunda, para que encontre o seu rumo. Não há democracia sem informação. Não há possibilidade de decisão limpa sem debate. Em primeiro lugar, qualquer cidadão do mundo atual, informado e politizado, obedecerá aos ditames da sua consciência. Em segundo lugar, vem o País, e o Partido é a nossa terceira consideração.

Convoco o PMDB para abrir a sua Convenção ao debate, ao esclarecimento, à discussão das propostas e ao lançamento de uma candidatura de unidade partidária e nacional, porque o Brasil, minha gente, está quebrando. O País está falindo. Está indo para o caminho da Argentina. O Executivo e a cúpula do PMDB se comportam como uma dona de casa que, diante da miséria da sua família e da falência das instalações da residência familiar, tentasse mostrar ao País e ao mundo a excelência da decoração da sala, quando não há gás na cozinha e falta energia elétrica para que as lâmpadas se acendam, quando os vidros das janelas estão quebrados e a água, com relativa liberdade, penetra nas noites frias de chuva nos quartos, inundando as camas. A família, desempregada, o desespero se instalando e acabando com a expectativa de futuro e de esperança, mas a dona de casa elogia a sala e toma empréstimos internacionais para pagar os credores pelos negócios malfeitos, que levaram à falência a economia doméstica, sem nenhuma preocupação com a retomada do emprego, o conserto da casa e a melhoria das condições de vida.

Que mediocridade, meu Deus, invade o meu Partido! Será essa uma condição irremovível? Terá a burrice e a limitação das lideranças atingido o seu ponto máximo e transformado as bases peemedebistas numa massa submissa de cordeiros sem imaginação, sem idéias e sem patriotismo? Acorda PMDB!

Vamos à Convenção, representando um grupo de patriotas, de nacionalistas conscientes, atualizados e inteligentes, oferecer ao velho MDB a oportunidade da unidade, não a unidade individualista e oportunista, pequena e medíocre, mas a grande unidade do Partido em favor do Brasil.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2002 - Página 12063